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Foto: Divulgação/TV Cultura
televisão

No “Roda Viva”, Glória Maria falou sobre idade, experiências radicais e relação com ídolos na TV: “Eu me jogava mesmo”

[ATUALIZAÇÃO]: A TV Cultura reapresentará, nesta quinta-feira (2/2), a partir das 23 horas, o programa “Roda Viva” com a jornalista e apresentadora Glória Maria, falecida hoje, vítima de câncer. A entrevista, conduzida por Vera Magalhães, foi gravada em março de 2022.

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Em março de 2022, pouco menos de um ano antes de morrer, a jornalista Glória Maria foi uma das entrevistadas do programa “Roda Viva”, exibido pela TV Cultura. Durante a conversa, que contou com um poderoso time de colegas que cobrem a editoria de televisão, a apresentadora foi questionada pela jornalista Cristina Padiglione, da Folha de S. Paulo, sobre sua relação com as fontes.

Houve um tempo em que não era permitido ao jornalista demonstrar emoções e se colocar no lugar do espectador. Os comentários sobre seu “deslumbramento” se tornaram críticas. Em resposta sobre o rompimento dessa fronteira, Maria afirmou que nunca se sentiu cobrada.

“Comigo nunca aconteceu [nenhum tipo de limitação], eu me jogava mesmo. No caso da Ferrari do Ronaldo, coitado. Eu tenho até pena dele. A Ferrari é feita pra rodar nas estradas da Europa. Eu nunca tinha entrado numa Ferrari, insisti muito e ele foi comigo. Quebrou o carro todo por baixo, uma Ferrari não pode andar numa rua esburacada na rua da Barra da Tijuca. Aí enchiam o saco dele, ele me ligou e disse ‘Vou mandar a Ferrari pra você'”.

A artista também relembrou a amizade que construiu com o cantor espanhol Julio Iglesias, de quem disse ter ficado tão próxima ao ponto de ele lhe enviar seu próprio avião para buscá-la em ocasiões em que ambos tinham entrevistas marcadas.

“Quando você tem isso, você não precisa de mais nada na sua vida. Você não cria mais só laços profissionais com algumas pessoas, você cria laços de vida, que vão muito além do que qualquer pessoa pode imaginar. Se você pensar que são mais de 40 anos de jornalismo e as coisas que eu conquistei permanecem até hoje, são poucas pessoas que podem se orgulhar isso. Ainda mais uma pessoa como eu, que não é herdeira, nem rica, que não veio de uma família de intelectuais”.

Reverenciada pela jornalista Cris Guterres, da TV Cultura, a apresentadora também comentou seu pioneirismo. Segundo Maria, sua carreira sempre foi pautada na ausência de planejamento ou premeditação. A necessidade de viver e experimentar é o que fez de seu trabalho algo tão singular.

“”Não viajo para filmar paisagens e pontos turísticos. O que me interessa e sempre me interessou é gente, cultura e história. Por isso minhas matérias são consideradas bem diferentes, são feitas à base do sentimento do ser-humano”, disse. “Não vou atrás de aventuras inúteis. Me preocupo com emoções, é a coisa mais importante do mundo. Quando vou fazer um país, tento entender a alma do lugar. O mundo é uma fonte de conhecimento e experiência”.

Ganja sagrada

Famosa por suas viagens ao redor do mundo, a Jamaica foi responsável por uma das cenas de maior repercussão do momento presente. Em 2015, ela visitou uma comunidade rastafári na ilha caribenha. Foram três meses de negociação que terminaram com Glória embarcando em um ritual local em que seria preciso fumar “a ganja sagrada”, um tipo especial de maconha.

“Não lemos que tinha que fumar a ganja sagrada”, comentou. “Eu não sabia o que era. O rei da comunidade achou, quando me passou aquele negócio, que eu não ia aguentar. Mas eu não ia cair. Puxei duas vezes e aguentei, agora todo mundo esses bilionários estão indo pela NASA, pra Marte. Quinze anos antes eu já fazia essa experiência e sem gastar um centavo. Isso é fascinante. Se eu não tiver experiências novas, não sou eu”.

Correspondente de guerra

Para além de seu trabalho com o jornalismo de viagens, a música e o esporte, Glória Maria foi correspondente de guerra. Em 1982, ela esteve nas Ilhas Malvinas durante o violento confronto entre Argentina e Reino Unido. Era a primeira vez que uma jornalista mulher brasileira cobria um conflito do gênero, uma guerra de minas terrestres.

A experiência, em suas palavras, foi um desafio. “Eu quis ir, pedi pro meu diretor porque só iam homens o tempo todo. E eu tava muito dividida, eu queria ir, mas eu estava com medo. O medo não podia me paralisar. Quando penso que pior dessa guerra foi a cobertura da tomada da embaixada japonesa no Peru [em 1996], que foi muito mais tensa, eu penso que faço e já quero partir pra outra”, explicou.

“Cobri anos o Jornal Nacional e de repente eu não quis mais me repetir. Se eu tiver que ir hoje pra uma guerra, hoje só não vou por conta dessa experiência de saúde, eu iria. A sabedoria de viver é não estacionar”.

Idade

Gloria Maria, como todos sabem, não revelava sua idade. O tema, entretanto, foi discutido no “Roda Viva” de uma maneira respeitosa, não invasiva. Diante de um crescente movimento de mulheres de 50, 60 ou mais idade que se permitem romper as amarras do conservadorismo após a menopausa, a jornalista afirmou que o tempo foi um aliado.

“A menopausa foi bacana comigo, ela veio suave. A maturidade vem pra todo mundo, mas não sei o que as pessoas entendem como maturidade. Sempre fui madura desde os 12, 13, 14 anos, tinha que cuidar da minha irmã. E eu também tenho uma coisa de não me preocupar como me vestir ou me comportar. Quem tem que estar bem comigo mesma sou eu”, prosseguiu.

“Ninguém paga as minhas contas, ninguém cuida dos meus problemas, ou sabe o que eu tô vivendo ou sentindo. Se eu quero usar uma roupa curta, eu uso. Se eu quero uma roupa comprida, eu uso. Não sou bem-resolvida. Só sou uma pessoa que quero estar comigo, sabe por quê? Eu vou morrer. Ninguém vai morrer por mim. Quem vai me julgar hoje não vai deitar no caixão no meu lugar. Não posso viver segundo a opinião das pessoas. Vou vivendo do meu jeito”.

A íntegra do programa está disponível logo abaixo.

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