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Foto: Divulgação/Jonathan Wolpert
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música

Karol Conká: “Deixei todas as minhas personas cantarem, libertas, despidas e só munidas da ideia de ser ‘uma nova mulher'”

“Adoro fazer mudança, colocar tudo no lugar”, diz Karol Conká antes de a entrevista começar. Ela nota caixas e desordem atrás de mim enquanto ajusto o melhor ângulo da câmera.

A simples frase dita neste primeiro contato, para quebrar o gelo, ganha diversas camadas se levado em consideração o momento que vive.

Execrada pela opinião pública e no centro de um episódio de racismo amplamente midiatizado, a rapper e apresentadora curitibana encontrou na música um caminho para se reconectar consigo mesma. Do chão, onde ficou por um tempo após sua controversa participação no Big Brother Brasil, ela engatou uma subida sem precedentes que se desembocou no estúdio de gravação que mantém em São Paulo. Lá, ao lado do produtor baiano RDD, exorcizou medos e demônios numa tentativa de se comunicar.

Passado o frenesi e agora afirmando estar em comunhão com a luz e a verdade, Conká lança nesta quinta (31) o disco “Urucum”. É o terceiro trabalho da carreira e um projeto que a coloca, visualmente, diante da beleza da mitologia grega. Como Medusa, ser monstruoso da mitologia grega capaz de transformar em pedra todos os que olhavam diretamente em seus olhos, a cantora faz uma convocação ao exercício de refletir.

São onze faixas inéditas que passeiam entre o berimbau metalizado, o pagodão baiano e o reguetón com o propósito de reconstruir a imagem desta artista “ambulante”. Uma mulher que não pode parar.

Nesta entrevista, Karol explica entre outras coisas por que não se sente mais incomodada com os ataques na internet, as idiossincrasias do próprio processo de cura e sua própria definição do que considera verdade.

***

Papelpop: Qual é a sensação de lançar esse projeto gestado ao longo de um ano tão atípico em termos pessoais?

Karol Conká: Acho que de satisfação, felicidade… Eu hoje sei o quanto a música realmente me salva. Sempre soube disso, mas sei muito mais agora. Tô feliz e sou muito grata por ter uma equipe que não soltou a minha mão, uma gravadora que me permite lançar esse álbum, um público, uma carreira bem bonita [risos]. O sentimento é gratidão.

Gosto muito da sua parceria com Alma Negrot, que já conhecíamos desde o disco “Ambulante”. Em ambos os projetos há uma profusão de cores e interpretações contidas em cada detalhe… Esteticamente, quão simbólica é a escolha da Medusa para a capa tendo em vista o contexto em que a maioria das canções nasceu?

Na hora, quando Alma veio até o estúdio pra discutirmos referências, a primeira coisa que ouvi dela foi uma sugestão pra que o meu rosto estivesse na capa. Eu, por outro lado, não queria um rosto, queria uma outra coisa, nem mesmo aparecer. Como tudo, artisticamente falando, foi feito de forma orgânica, na intuição, a capa também acabou bebendo dessa fonte de processo. Chegamos no estúdio pra fotografar e a Alma tinha chamado a StEfANY [hairstylist], que de cara foi ajeitando o meu cabelo de acordo com uma estrutura muito específica e a primeira coisa que pensei foi na Medusa. Vendo o resultado, percebi que ela trazia a significação exata do que é “Urucum”, que é pra mim um sinônimo de profundidade, cor, intensidade, sentimento. É possível ver tão claramente que na capa eu reverencio essa personagem porque quem olhava pra aquela mulher era instantaneamente petrificado. Com ‘Urucum’, quero que as pessoas se vejam paralisadas pra refletir. Tenho a noção de que quem vê o meu rosto e ouve a minha voz não deixa de associar aos atos imensos que causei. Deixo bem claro minha expressão no quanto essa expressão me afetou, até mesmo o meu semblante. Cada canção é inspirada na sensação, na percepção dessas experiências.

Eu ia mesmo te perguntar o que, na sua percepção de criadora, esse projeto deve significar pras pessoas.

É, se fosse pra resumir eu queria que ele servisse como uma espécie de reconhecimento, um exercício de se enxergar enquanto humanos. “Urucum” é a vivência mais intensa, um convite a viver a plena intensidade.

Foto: Divulgação/Jonathan Wolpert

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O disco nos convida a fazer um percurso interno, a caminhar de mãos dadas com as nossas vulnerabilidades. Esse processo de cura te ajudou a se encontrar novamente, inclusive, como artista? Sente que ter sido colocada nessa posição mudou completamente os rumos do que, por ventura, estaria criando caso não tivesse submetida a julgamentos tão desproporcionais?

Sim. Hoje, Guilherme, eu consigo me sentir mais conectada comigo. Com a minha verdade, a minha essência. Falo por mim: chega uma hora na vida de um artista que, diante de tantos anos vivendo na pressão, com o trabalho elevado à terceira potência, você se perde. Eu me perdi. E quanto eu entrei num jogo em que você se submete à pressão, um jogo que te induz à rivalidade, percebi que tinha me abandonado. O quanto eu estava vulnerável e fingia não estar. Esse processo de cura pós-reality me fez fazer as pazes com isso mesmo que você apontou no início, os meus pontos fracos. Junto com ela eu pude entender que o processo de subida e descida é algo natural para um ser-humano disposto a evoluir. Não existe evolução se você não para pra perceber quais são as arestas que precisam ser ajustadas. Eu me dei uma chance de autoobservação, reavaliação, de reajustar mesmo muitas coisas que estavam além do reality.

Vem daí o título Urucum, uma planta medicinal com imenso poder de cura…

Exatamente. A cura abriu uma nova era na minha vida, eu vi que deveria ser grata por ter saúde e sanidade suficientes pra passar por aquilo. Consegui perceber o quanto minha arte estava viva e o quanto eu poderia me acolher, em vez de me apedrejar ou mergulhar no remorso. Assim eu conquistei mais clareza de vida, clareza artística.

A presença dos haters ainda te incomoda?

Não. Acho que todo mundo tem haters, mas hoje não mais. Eu me coloquei no lugar deles, são pessoas que eu não conheço, que de certa forma abriram as portas de casa e nesse meio tempo eu acabei causando alguma sensação. Consigo ver as feridas abertas de cada uma, embora não saiba quais gatilhos eu acionei através do meu comportamento. O que eu posso fazer é entender. Não tô dizendo que aceito apanhar, mas hoje não preciso devolver o ataque com ataque. Às vezes, o que ameniza uma situação é parar. Não me incomodo. De vez em quando aparece alguém no meu perfil e fala alguma coisa, mas entendo que essa pessoa está machucada e não tem outra forma de descontar essa ira. É mais confortável pra ela ou ele ir até o meu perfil e me xingar, comentar coisas ruins numa foto minha. Mas não chega a me afetar, não.

A mamacita virou uma figura onipresente nas redes sociais, principalmente por causa da megaexposição provocada pelo BBB e os memes. No showbizz as coisas se confundem, muito se perde nessa enxurrada de comentários, menções, e por isso mesmo é notória a existência de dois lados em “Urucum”. Você também tem essa percepção de que duas personas coexistem na obra? O que há de Karoline e o que há de mamacita nesse disco?

Interessante você dizer isso. No ano passado, vi o público brincar bastante sobre ‘personalidade’, ‘fragmentos’. Todos nós temos personas diferentes pra cada situação, ainda que a maioria das pessoas não nomeie cada uma. Eu quis embarcar nessa. No álbum, na verdade, existem muito mais do que duas. Existem a Karoline, a Mamacita, a Karol Conká e a Jaque Patombá [risos]. Explico melhor: a Karoline escreveu ‘A Calma’ pra Jaque Patombá. A Jaque, por sua vez, escreveu ‘Cê Não Pode’ dedicada pro cancelamento, pro paredão. É uma mensagem direta pro monstro do cancelamento. A Karol Conká, mamacita, escreveu ‘Se Sai’. Foi muito legal esse processo de brincar, consegui me amar mais. Minhas amigas começaram a brincar assim também, o público adora. Essa brincadeira foi um convite pra se autoanalizar, dizer ‘Ei, você que está me escutando. Será que você não tem um lado Jaque? Quem é a sua mamacita?’. Temos que cuidar de cada persona, dar um limite… e entender que cada uma é importante pra compor o caráter de alguém. Deixei todas cantarem nesse álbum, libertas, despidas e só munidas da ideia de ser ‘uma nova mulher’.

Esse processo de transformação, autoanálise, começou em “Dilúvio”. Muita gente estranhou a faixa ter ficado de fora da seleção final.

‘Dilúvio’ ficou porque é uma música que atingiu um lugar muito singular, muito dela, muito único. Ela conta um momento e fecha um ciclo, que foi a participação no reality. Cantei e lancei naquela noite da final, a música viralizou sem que eu esperasse e várias pessoas puderam me entender a partir dessas linhas. É uma canção muito especial, ao ponto de doer. Digo isso porque, quando canto, consigo sentir o cheiro, a sensação daquele momento, sinto vontade de chorar. Senti que essa faixa não poderia estar em lugar nenhum, ela tem um lugar só dela. Não combinava com o disco, embora seja extremamente importante assim como ‘Paredawn’, um presentinho que fiz pra quem é fã dos memes, do BBB, da Karol Conká. Foi um agrado pros fãs.

Foto: Divulgação/Jonathan Wolpert

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Seu disco de estreia, “Batuk Freak”, acabou ganhando status de clássico cult da música brasileira. Como foi ver as pessoas descobrindo e elogiando esse trabalho depois de quase uma década? E mais, colocando o álbum nesse lugar tão interessante de reconhecimento?

Muitas pessoas me escreveram, me pararam nas ruas pra dizer que não conheciam o meu trabalho, algo que o Big Brother possibilitou, e o quanto essas canções ajudaram a entender a minha personalidade dentro da casa. Achei curioso esse interesse a respeito do que eu sou, do por quê. Eu sou uma artista, não daria pra esperar pensamentos comuns de uma pessoa que está desde os 15, 16 anos no palco, vivendo de arte. Essa minha exposição trouxe também uma percepção do que é a arte propriamente dita, do quanto ela importa, porque foi através dessa criação que eu consegui comunicar minha verdade. A minha música conta a história da vida real depois do jogo, é uma história que só eu posso cantar. Se eu não tivesse lançado essas canções, talvez o público ainda me assimilasse apenas àquela imagem reducionista. Ninguém merece ser reduzido a uma coisa só, até mesmo porque é impossível que alguém seja apenas uma coisa só, apenas aquilo que se viu na TV. Percebo o público descobrindo que sou eu quem compõe todas as canções e aí é como se houvesse mais respeito, minha arte ganha mais profundidade.

É uma filosofia bastante simples. Enfrentar a missão de contar as nossas histórias pra poder deixar o que não serve, chegar a novos lugares. 

Exato. Eu gosto de levar minhas percepções e aprendizados pras canções porque eu sei que sempre vai existir alguém se identificando com o que eu passo, ainda que com suas particularidades. É por isso que eu tenho tanta gente que me acompanha, reconhece o meu trabalho, porque eu sirvo até como porta-voz pra elas. Na verdade, é uma troca entre todos nós.

Jorge Ben, Gilberto Gil, Tim Maia e tantos outros propõem desde os anos 1960 uma troca de fluidos sonoros que remetem à relação África-Brasil. Neste novo álbum você emprega com mais intensidade o berimbau metalizado, entre outros ritmos e instrumentos. Como continuar esse legado a partir de novas linguagens? 

A brasilidade que eu trago nesse disco é algo bem natural, intuitivo mesmo, mas gosto de lembrar que eu tenho muito respeito e apego aos sons do Brasil desde o meu primeiro álbum, desde a minha formação. Na minha casa, antes de me tornar artista, as músicas que ouvíamos também eram muito diversas. Escutávamos samba, reggae, rock… minha cabecinha sempre foi cheia de referências. Mas o RDD, por ser um grande produtor e baiano, chega pra somar. O nome dele pra ocupar essa função não foi uma escolha aleatória, até porque gosto de deixar isso explícito que a brasilidade é um carimbo da minha arte. Não chegamos a fazer pesquisa de gênero, de artistas pelos quais gostaríamos de buscar inspiração. Focamos no momento, nas sensações, nas conversas que a gente tinha. Então, a maioria das canções surgiu no improviso, ele fazendo o beat e eu cantando em cima. Íamos acrescentando elementos de acordo com o que pintava ali na hora. Isso torna até um pouco difícil explicar quais referências usamos. A brasilidade musical é espontânea, é genuína. Como esses caras fizeram lá atrás.

O que é verdade pra você?

‘Urucum’ é verdade, ali eu falo tudo. A verdade é libertadora, é o que nos conecta com a nossa essência, abre portas pra solução. Quando a gente não lida com a verdade, a gente cai num limbo de frustração e se distancia da possibilidade de aprendizado. A minha verdade é essencial e não pode depender do achismo alheio, quando isso acontece eu me desconecto da minha essência. Tenho que me manter firme pra garantir uma realidade, não um sopro.

Há canções compostas antes do BBB e que soam até meio premonitórias para o que aconteceria depois. Pensando no agora, nessa renovação… o que você gostaria de prever para o seu futuro?

[Ela pensa] Eu gostaria de prever muita amorosidade. Oportunidades douradas. Público leal e fiel, pessoas com disposição pra refletir junto comigo, turnês internacionais, parcerias e contratos incríveis. Estou disposta, a hora é agora e não há nada melhor do que um dia após o outro.

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“Urucum”, novo disco de Karol Conká, está disponível em todos os tocadores. Um videoclipe para a faixa “Vejo o Bem”, escolhida para ser o próximo single, chega ao meio-dia desta sexta (1º).

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