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Milton Nascimento, Jota.Pê e Liniker: Papelpop elege os melhores discos de 2024
Sobretudo após a pandemia, a música popular brasileira se encontrou em um momento de glória. Ainda que nomes nacionais, em geral, não concorram às categorias principais de premiações como o Grammy Latino — motivo de críticas recentes –, é possível afirmar que a criatividade de nossos artistas parece se superar a cada ano.
Em 2024, o público também parece ter intensificado sua busca por sons, refletindo uma diversidade que faz jus ao tamanho do país, às muitas línguas e desejos de se comunicar. Sem mais delongas, você confere em ordem decrescente os 15 discos melhor avaliados pela redação do Papelpop.
15. Tássia Reis, “Topo da Minha Cabeça”
Lançado de forma independente, o disco que abre esta lista dá sequência, cinco anos depois, ao já elogiado “Próspera” (2019). Com “Topo da Minha Cabeça”, a poderosa Tássia Reis toma o ouvinte pela mão e o conduz por entre um caminho lento, gradativo, em que é preciso apreciar os detalhes, como se degustando um bom vinho. Além de falar sobre os triunfos financeiros, a artista mostra que nem tudo são flores e envereda por situações adversas em uma das letras mais interessantes e ao mesmo tempo, densas de seu repertório, “Asfalto Selvagem”. Herdeira de Elza Soares, Tássia trabalha com naturalidade o equilíbrio que busca dar à leveza de sua voz ao tom combativo de canções que vao do samba ao eletrônico, sem se esquecer do rap e do neo-soul.
14. João Gomes, “Vaquejada Tá na Moda”
O ano de 2024 seria aquele em que João Gomes não tinha mais a obrigação de provar nada a ninguém. No entanto, com “Vaquejada Tá na Moda”, o cantor e compositor se tornou porta-voz de uma das maiores festas populares do Brasil: o São João. Ao vertê-lo para a pegada do piseiro, o artista construiu um repertório que mescla tanto canções inéditas quanto regravações de sucessos, dos mais diversos: além de cantar “Um Dia, Um Adeus”, balada de Guilherme Arantes, ele também evoca o hit “Te Quero Pra Mim”, eternizado pela dupla Edson & Hudson, que expõem sua capacidade de transformar em ouro qualquer música tocada por sua voz, mesmo que esta já seja essencialmente um sucesso.
13. Cátia de França, “No Rastro de Catarina”
Ao celebrar meio século de carreira com a estreia de “No Rastro de Catarina”, a cantora e compositora Cátia de França teve motivos ainda maiores para fazer festa. A obra foi indicada ao Grammy Latino e revitalizou a atenção dada a uma artista de inventividade singular. Com uma veia política, o novo álbum reafirma seu lugar de destaque na música popular e percorre pautas como o amor, o envelhecimento, a negritude e o cotidiano, formando crônicas em que o protagonismo está no desejo de expor sentimentos e observações – aspectos que sempre se fizeram fundamentais em sua obra. Ao lado de uma banda exemplar, Cátia, que segue na estrada, constrói mais um trabalho que demarca seu lugar entre as grandes compositoras da MPB.
12. Duquesa, “Taurus, Vol. 2”
Duquesa é Duquesa, sem sombra de dúvidas, graças ao disco “Taurus, vol. 2”. Tendo a angústia como ponto de partida, a obra ressalta sua habilidade com as palavras e a leva a percorrer um caminho de extremo brilho por entre discussões que encontram na autoestima seu ponto nevrálgico. Lançado pelo selo Boogie Naipe, de Mano Brown, a obra sequencia o trabalho homônimo de 2023 e traça um olhar ainda mais crítico e esperto sobre expectativas. “Queriam te ver chorando/mas vão ter que te ver rica”, diz ela em “Big D!!!!!! Pt. 2”, um dos pontos altos da obra. A obra também denuncia o racismo (“Ela (Intro)”), lança luz sobre o feminismo contemporâneo (“Gostosas Inteligentes”) e a liberdade sexual que lhe permite sempre estar no comando (“Disk P@#$%&!”). Em suma, o volume 2 de sua empreitada é uma afirmação do talento de uma artista que se firma como uma das mais relevantes de sua geração. Dado o do que ouvi-la, vale a pena assisti-la ao vivo.
11. Pabllo Vittar, “Batidão Tropical, vol. 2”
Certa de que as culturas do Norte e Nordeste do Brasil são infinitas, Pabllo Vittar voltou ao estúdio e expandiu sua cartilha de regravações de clássicos do forró. Em “Batidão Tropical, vol. 2”, a maior popstar nacional deixou claro que a nostalgia despejada pelo primeiro LP deu lugar, no presente, a uma atualização dos sentidos. Isto é: através de faixas como “Rubi” (Banda Ravelly), “Pra Te Esquecer” (Banda Calypso) e o mega HIT “São Amores” (Forró do Muído), Pabllo provou a atemporalidade da música popular no imaginário coletivo. Como se todos tivessem sido feitos para sua voz, a artista renovou votos do público com a palavra sentimento. Ser do brega hoje é algo que, com uma forcinha de Vittar, é sinônimo de vencer.
10. Melly, “Amaríssima”
Russo Passapusso (BaianaSystem) e Liniker são alguns dos nomes que ajudam a debutante Melly a contar as histórias de “Amaríssima”, uma obra que se faz nos superlativos e fala, essencialmente, de amor. Logo, o todo também seria uma entrega aos amargores da vida, um encarar das trevas em busca de lucidez. Lançado em maio, o projeto é uma das estreias de jovens artistas mais interessantes dos últimos tempos, uma vez que renova o interesse pelo R&B nacional e inspira reflexões que vão além das letras. É destaque o uso de instrumentos de corda — sobretudo do violão, ressignificado — e da percussão, que engrandecem a voz da intérprete. Ao fim, Melly entrega uma narrativa madura e em que cada canção se faz uma fotografia do momento.
9. Amaro Freitas, “Y’Y”
O pianista brasileiro que mais brilhou no exterior em 2024 foi Amaro Freitas, que com seu disco “Y’Y” se converteu em uma espécie de ícone do jazz nacional. Ao todo, são 9 faixas que exploram ao mesmo tempo a delicadeza e a força de um compositor atento ao que pode comunicar o mais simples detalhe, o mais ínfimo som. Ao perpassar temas como vida, cura, glórias e encantos, Freitas vai lapidando um projeto que, acima de qualquer coisa, calca seus pés na riqueza cultural brasileira e no que é possível sentir, pura e unicamente, através dos sons.
8. Céu, “Novela”
Seja a protagonista da sua própria novela. É sob esta máxima que Céu toma as rédeas da narrativa de seu LP mais recente, o sétimo de inéditas e um marco em sua trajetória, uma vez que parece trilhar uma infinita curva ascendente. No percurso, ela aborda temas como sororidade, drama e desejo, sempre de forma leve, a princípio despretensiosa. Além disso, abre-se espaço para o autocuidado e a revisão do passado. Nas faixas “High na Cachu” e “Reescreve”, respectivamente, a artista se dedica a pontuar a dádiva de poder se desconectar das angústias mundanas, bem como resgata experiências pessoais dos tempos de escola para reposicionar-se no presente. As parcerias com Anaiis e Loren Oden, bem como as influências de gêneros como o hip hop, só tornam a obra ainda mais sedutora.
7. Matuê, “333”
Um encontro com a introspecção é o que leva o cantor Matuê a conduzir o ouvinte a uma viagem que reposiciona o pop nacional no disco “333”. Lançado em setembro de 2024, a obra bateu recordes e, em seus 42 minutos, promove uma renovação do som do artista, antes bastante centrado no trap. Ousado e livre como nunca antes, Matuê mergulha fundo na psicodelia, no R&B e no pop a fim de construir uma narrativa em que sua vulnerabilidade se expõe através de desejos, aflições e a presença de fantasmas. Como um todo, o álbum se mostra como uma tentativa de transição em que a versatilidade pode escalar ainda mais em um vindouro projeto.
6. Silvia Machete, “Invisible Woman”
“Invisible Woman”, o disco mais recente de Silvia Machete, é indispensável para quem curte girar pela pista com seu dry martini ou dançar sozinho, na sala de casa, após uma sexta-feira insana. Se você ainda não conhece o trabalho da cantora mineira, pare o que está fazendo e dê play. O LP integra uma trilogia, iniciada em 2021 com “Rhonda”, e permite à autora discorrer sobre sentimentos enquanto propõe, munida por seu alter-ego, uma longa dança que se desdobra em diferentes frequências. Ora pop, ora jazz, nunca perde o equilíbrio, o mesmo capaz de fazê-la balançar, em cena, com um bambolê na cintura. Além das faixas “Bad Connection”, “Room Service” e “September”, destaques absolutos, há ainda uma regravação de “Two Kites”, canção original de Tom Jobim. Para acompanhá-la, assume os vocais a própria filha do compositor, Maria Luiza Jobim. Ouvir Machete e se encontrar em sua obra é se permitir, mais do que nunca, ser loba.
5. Duda Beat, “Tara & Tal”
Neste que é o trabalho mais ousado de sua carreira, Duda Beat alcança o ápice de sua relação com as pistas de dança — um movimento que, em sua primeira década de carreira, parece se firmar de maneira gradativa. Composto para ser ouvido do início ao fim, como um acompanhante de aventuras noturnas, o LP “Tara & Tal” chega com os dois pés na porta a fim de libertar seu ouvinte da sofrência que consagrou a popstar. Se ela consegue, isso é assunto a ser discutido, afinal, não há existência sem sofrimento. No entanto, Duda propõe olhar para a vida através da ótica do desejo e das possibilidades que a escuridão, em seu esplendor, pode trazer. São destaques as faixas “Drama” e “Q Prazer” (principalmente quando ouvidas na sequência) e o hit “Saudade de Você”. Tesão e liberdade, sem mais.
4. Anitta, “Funk Generation”
As críticas feitas a “Kisses” (2019), primeiro disco internacional lançado por Anitta, não só não foram capazes de desmotivá-la, ao contrário. Em cinco anos, a artista se tornou a maior popstar brasileira não apenas em âmbito nacional, mas também mundo afora. Com “Funk Generation”, ela não apenas honrou suas raízes, como também entregou uma das melhores apresentações ao vivo da carreira, no Prêmio Multishow (onde, aliás, também venceu o troféu Vanguarda). Goste você ou não, Anitta abriu espaço para que o funk se tornasse, finalmente, uma tendência na música pop gringa. De “Savage Funk” a “Mil Veces”, ela vai dos proibidões ao melody, estabelecendo a ideia de que o gênero musical é uma das maiores potências brasileiras. The Weeknd reconheceu e, bem… os ensaios estão virando a esquina. She will really make us sweat!
3. Liniker, “Caju”
“Quando eu alçar o voo mais bonito da minha vida / quem me chamará de amor, de gostosa, de querida?” já é, certamente, um dos versos mais reproduzidos e importantes da MPB nos anos recentes. Foi através dele que a cantora Liniker ganhou asas na construção de seu disco mais recente, o primeiro, segundo ela própria, feito com o compromisso máximo de se divertir em estúdio. Com seus arranjos elegantes e uma lírica tipicamente canceriana — como haveria de ser diferente? –, a artista constroi uma narrativa que, mesmo disforme em métrica, chega aos ouvidos como um acalanto. Mais do que isso: além de mostrar que não há problema em ser intensa, Liniker também crava seu lugar no olimpo da música, conquista absolutamente fundamental em um país cujo racismo e a transfobia vivem à espreita.
2. Jota.pê, “Se o Meu Peito Fosse o Mundo”
A trajetória do paulista Jota.pê, que começou em 2015, teve sua grande coroação em novembro, durante a entrega do Grammy Latino. Vencedor de três estatuetas ( Melhor Álbum de Música Popular Brasileira, Melhor Música Afro Portuguesa Brasileira e Melhor Álbum de Engenharia de Gravação), o cantor oferece um registro cheio de intensidade em “Se o meu peito fosse o mundo”, lançado em março. Entre o autobiográfico e o apego pelos sonhos, o registro se pauta em uma pesquisa sonora que vai do balanço black à densidade da música negra estadunidense, promovendo grooves convidativos e uma sensibilidade incomum. São destaques as faixas “Ouro Marrom” e “Naíse”, em que faz experimentos com o xote. Mais brasileiro impossível.
1. Milton Nascimento + esperanza spalding, “Milton + esperanza”
Neste que é o campeão de 2024, pudemos experienciar mais uma vez a capacidade de Bituca em estabelecer vínculos com as vozes e sons de outros países. Ao lado da cantora e música norte-americana Esperanza Spalding, o artista entregou um delicado e, igualmente, avassalador projeto que perpassa desde seu repertório autoral em regravações que se fincam na contemporaneidade, além de explorar novos. Quando Milton canta “Cais” ou o duo surge acompanhado pela Orquestra Ouro Preto, o público sabe que está diante de algo sublime. Talvez, ele tenha mesmo a voz de Deus, como descrevia a amiga Elis Regina. Um trabalho profundo, feito para ouvir sem pausas.