Na comédia romântica “13 Sentimentos” (Vitrine Filmes), que chegou aos cinemas nesta semana, a história do protagonista João ecoa a realidade de muitos: pelas mãos de Artur Volpi, ator que encara o desafio de interpretar o primeiro protagonista de sua carreira, o jovem rapaz lida com os desdobramento de um término.
Às voltas com a necessidade de se reencontrar, ele se depara com uma rotina que o leva à readaptação, mas também entremeada pela busca de um novo amor. É justamente aí que se expõem suas vulnerabilidades. Baseado em experiências do próprio diretor, Daniel Ribeiro (“Hoje Quero Voltar Sozinho“), o longa aborda temas relacionados ao amor, ao sexo, às idealizações e aos múltiplos desejos que nos atravessam enquanto humanos.
“Há complexidade em nós. Crises profissionais, de relacionamentos, de amizades. Existe vida. O cinema normaliza isso entre as pessoas, dando conforto a quem se sente parte do que somos”, diz Volpi, em entrevista por telefone.
A seguir, você confere os principais trechos da conversa, em que o ator comenta tópicos como vulnerabilidade, liquidez nas relações e a relevância de se abordar, no cinema, relações homoafetivas que expandem o universo queer para além das representações de violência.
Papelpop – De todas esses 13 sentimentos, qual parece ser a mais complexa de lidar nesse momento pós término?
Artur Volpi – Essa é a hora em que a gente mistura tudo, é o que acontece com o João. Fica difícil identificar todas as sensações, às vezes você coloca uma à frente e conta aquela história de que está tudo bem, sabendo que teria mais dificuldade de lidar com outras. Tristeza, angústia, frustração e medo, por exemplo, que são mais densas, acabam sendo enterradas. A dificuldade, me parece, é colocar luz em todos eles e ir resolvendo cada um, cada lado desse cubo [risos].
PP – A Zendaya se incomodou sobre as cenas de beijo triplo em ‘Rivais’, achava estranho toda a repercussão em torno de algo tão natural. Como tem observado as primeiras reações em relação às suas cenas de sexo? Todas me parecem ter sido gravadas com muita sensibilidade…
AV – Tivemos algumas pré-estreias e senti um pouquinho. Nas entrevistas temos falado muito sobre isso. O contexto é diferente do texto de ‘Rivais’ porque estamos falando de um romance exclusivamente gay, uma produção de cinema nacional… Acho que temos pouquíssimas referências de cenas como essa na nossa produção audiovisual. Crescemos tendo muitas referências desse tipo entre casais heterossexuais…
PP – … Inclusive nas novelas, que acabam tendo uma abrangência muito maior que o próprio cinema… O beijo entre pessoas do mesmo sexo ainda é tabu.
AV – Exatamente. E aí o padrão e os exemplos que a nossa geração teve vem dos vídeos que produziu a indústria pornográfica, inclusive os feitos por heterossexuais. Todas as sexualidades tinham esse exemplo da ‘hiper performance’. Vejo a estreia de ’13 Sentimentos’ como um ato revolucionário e fico orgulhoso do resultado que as cenas tiveram, de participar dessa intenção, proposital, do Dani de incluí-la. Fico tranquilo também porque ela está inserida num contexto, não foi algo gratuito. A questão do João passa por aí, ou seja, construir esse vínculo extremamente íntimo, algo que ele resiste ou não consegue durante todo o longa. Sua sexualidade se vive, inclusive, através do trabalho. O primeiro encontro que ele tem com o casal, o cara dá o celular na mão dele e ele se masturba olhando pra tela, e não consegue encarar o presencial. O sexo no filme é leve, divertido, com conexões reais. Tem uma camada mais explícita também, claro, mas diferente de tudo o que estamos acostumados a ver. Vai gerar uma surpresa, talvez? Talvez as que se sintam desconfortáveis sejam, justamente, as que não irão ver o filme [risos]. É uma conquista, estamos contribuindo para a nossa memória cinematográfica e pra que as novas gerações tenham exemplos de produção cultural.
PP – Fala-se muito sobre relações líquidas, o conceito ficou até um pouco batido. Outro dia brinquei com uma amiga sobre minha teoria de que [o filósofo Ziygmund] Bauman deve viver um revirar permanente na própria tumba [risos]. O João, seu personagem, deixa claro que nem tudo precisa ser 8 ou 80 nesse sentido.
AV – O João desmistifica isso. Acho que, em um primeiro momento, por ser um cara cheio das regras e idealizador com cada aspecto da própria vida, se coloca numa posição bastante rígida. Ele é avesso aos aplicativos, à superficialidade que essas relações trazem. O filme traz uma dialética pelos outros personagens. O Chico, o melhor amigo, se sente completamente à vontade nesse ambiente de app. O casal, que tem o relacionamento aberto, enxerga isso de uma forma completamente diferente do João — que transforma sua visão. O cara que ele, realmente, vai encontrar aparece de uma forma também aleatória e fora do seu controle. Não tem muita regra hoje em dia. O Bauman, como a [atriz] Juliana Gerais falou outro dia num debate, nos leva a pensar também que não existe problema em ter uma relação superficial em determinados momentos. Vai ter momentos em que só vamos querer isso, algo pontual. Faz parte da nossa existência humana criar ou não vínculos e conexões mais profundas. O filme deixa isso em aberto, não aponta como certo ou errado nenhum formato de relação ou encontros, como deveria ou não se dar. A ideia é que as pessoas discutam, saiam do cinema se questionando, se transformem.
PP – O sexo está muito presente no filme e é, de fato, indissociável da afetividade nesse contexto. Você já teve questões em relação a isso? Como observa essas questões?
AV – De sexualidade, principalmente. Eu sou um homem gay e tive esse caminho que a maioria tem, da dificuldade de se aceitar e se assumir, viver uma verdade. Inclusive, até comentei outro dia. Quando o Dani fez o primeiro curta [‘Hoje Quero Voltar Sozinho’]. Fui chamado pra fazer o teste do curta pelo finado Orkut e o convite dizia que era uma relação homossexual e não me senti à vontade na época de participar do teste. Quinze anos depois, de vida e de luta nesse processo, chega uma nova oportunidade. Além de ser um trunfo profissional, de encontrar meu primeiro protagonista, ’13 Sentimentos’ é uma conquista pessoal de reconhecer que agora também tenho confiança e segurança de contar uma historia que faz parte da minha realidade. Lá atrás, não sentia vontade de contar uma história nem na minha vida pessoal, quem dirá nas telas do cinema. Passei por todas essas angústias de se fechar, de se reduzir, você vai entrando dentro de você pra esconder quem você realmente é. [risos] Graças a Deus, consegui reverter isso e participar desse filme.
PP – O seu personagem encerra o filme enxergando as coisas mais leveza, ao mesmo tempo em que admite, confia nesse processo de se permitir sentir. O quão simbólico isso é para as nossas vidas?
AV – Acho que é fundamental. O filme fala sobre essa coisa de sofrer, de não se achar o cara certo, e na comunidade LGBTQIAPN+ tem ainda toda a questão externa, da homofobia — que prejudica a liberdade de se permitir sentir. Mas, acho que o enredo do João traz um pouco desse insight de que no fim das contas viver é ter coragem de se mostrar vulnerável. Isso é o que vai permitir que criemos conexões mais profundas. Vivemos essa coisa das redes sociais e dos aplicativos hoje em dia. Eu, Artur, acho que eles reduzem a gente a uma descrição na bio, a 5 ou 6 fotos no perfil muitas vezes. Todos nós nos construímos ali, são novas versões de nós mesmos. Pra conseguirmos ir além, precisamos partir pro pessoal. Pra aprofundar, é preciso transpor algo a mais na vida real e a chave é ter coragem de se mostrar vulnerável — o que nem sempre é fácil.
PP – A relação do personagem com o audiovisual também é um ponto interessante, uma vez que, num ótimo exemplo de metalinguagem, ele próprio escreve um roteiro ao longo da trama. Como acha que o cinema pode ajudar a elaborar nossas emoções? O que quer que as pessoas sintam assistindo ao filme?
AV – O cinema pode colaborar retratando a diversidade das relações, sobretudo. O longa traz esse personagem gay, com um recorte específico da sigla LGBT. É mais uma contribuição pras pessoas se verem, se reconhecerem, se identificarem e assimilarem coisas ainda não identificadas. Queremos dar segurança, exemplos na tela daquilo que pode existir na vida. O filme existe porque nós existimos no mundo. Queremos contar histórias. Claro que várias outras estão sendo contadas por aí, com vieses diferentes. Há o preconceito, a homofobia e suas tragédias também são protagonistas, mas ’13 Sentimentos’ se insere num lugar de crises e questões na vida de um homem gay ou de uma pessoa LGBTQIPN+ que vão além da sexualidade. Há complexidade em nós. Crises profissionais, de relacionamentos, de amizades. Existe vida. O cinema normaliza isso entre as pessoas, dando conforto a quem participa desse grupo, que se sente parte do que somos. Quero que as pessoas se identifiquem, inclusive quem está fora da comunidade. São questões universais. Todos nós temos que pagar boletos no fim do mês, amigos que apontam dedos e dão risada [risos]. O nosso universo está transposto ali, naturalmente.
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“13 Sentimentos” já está disponível em cinemas de todo o Brasil.
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