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Priscilla, que chega ao pop e lança disco, fala sobre público LGBT+ e show da Madonna

Estreou nas plataformas de música, nesta sexta-feira (10), o disco “PRISCILLA”. Em letras garrafais, o álbum marca a incursão da artista paulistana na música pop —um passo largo que delimita sua relação com o gospel, onde se tornou anos atrás um dos maiores nomes do segmento.

“Tento não moldar minha criação de acordo com o que as pessoas esperam. A Lady Gaga teve vontade de ir pro jazz e foi. Eu não quero ficar na mesmice, mesmo que as pessoas sintam que o novo é uma ameaça, e não um convite”, conta Priscilla, em conversa por telefone com o Papelpop. “Queria que, ouvindo esse projeto, as pessoas sentissem meu desejo de mudança.”

Para cumprir esse desafio que não apenas assume a missão de recolocá-la na cena musical, mas também honrar seus sonhos de infância, a artista se lança em fusões com o eletrônico e convoca, entre uma batida e outra, a presença de amigos como Pabllo Vittar e Péricles, em “10/10” e “Bossa”, respectivamente.

A narrativa está, mais do que nunca, em suas mãos e conta com um percurso que se delimita, de forma gradual, em início, meio e fim.

Nesta entrevista, Priscilla fala sobre o novo momento, que inclui uma revisão de seu vínculo com a dança e o público LGBTQIAPN+, para além da recusa em aceitar posicionamentos ditos cristãos.

***

Papelpop – Você cresceu e se propõe ser a Priscilla que canta, acima de qualquer coisa. Agora, chega um PROJETO em letras garrafais. O que é primordial comunicar ao público neste momento?

PRISCILLA A música sempre caminhou paralelamente na minha vida, estou há muito tempo produzindo materiais pras pessoas. Mas, chega um momento em que a gente precisa lembrar pra nós mesmos com quem estão as rédeas. Estando nesse ambiente, assisti o público ou a mídia tomando a narrativa do artista para si, baseados em inverdades, opiniões rasas. A gente se vê num lugar de medo de ser quem se é, de represálias e da necessidade de se moldar. Esse disco é um grito de liberdade, tanto pessoal quanto artística. Depois de 20 anos de carreira, mesmo que tenham criado determinadas expectativas sobre mim, tenho ciência de que posso fazer o que quiser. “PRISCILLA” é um encorajamento ao meu público, para que sejamos aquilo que as nossas necessidades pedem. No fim do dia, precisamos honrar as nossas existências e a gente só faz isso quando exploramos todas as possibilidades que a vida nos dá. Eu ainda posso me reinventar pra me sentir mais eu no momento.

PP – Esse é um álbum narrativo, com início, meio e fim. Dentre tantas possibilidades criativas, por que era importante contar uma história?

P – Sou muito imaginativa. Sempre que vou produzir uma coisa, a imagem me chega antes do som, então eu construí esse filme na cabeça, uma história que nasce a partir da minha própria. Percebi que o que eu dizia num vídeo resgatado da minha infância se realizou, mas que lá atrás, aos meus oito anos de idade, era só uma fantasia. Quis narrar isso entretendo, romantizando essa história que deu certo. Criei personagens que tivessem autoestima, tal qual a criança que eu fui. Ao enaltecer a realização dessas expectativas, destaquei a importância de transcender o ‘fazer’ musical. Desejava ter a oportunidade de deixar essa obra como um legado. Sabia que esse álbum talvez fizesse mais sentido no futuro do que hoje. Pode ser que não entendam esse enredo ou esse som agora, mas pode ser que amanhã isso aconteça. Quero ser uma artista de longo prazo, com um legado. Um dia eu vou embora, mas minha arte fica e precisa dizer algo. Apesar de o tema ser clichê – e nunca deveríamos banalizar o tema ‘sonho’, porque quando deixamos de sonhar, abandonamos a vida -, percebo também que tudo isso é muito vital para a nossa existência.

Crédito: Kevin Rodrigues/Divulgação

PP – O lead single, “Quer Dançar?”, nos faz uma provocação logo no título. Que relação você tem com a dança?

P – Quis muito trazer elementos e linguagens até então inéditas para esse trabalho. A propósito, os dançarinos, os personagens que aparecem nos clipes, também estarão nos palcos. Eu sempre dancei, fiz aulas de jazz contemporâneo por muitos anos durante a minha adolescência. Passava as tardes copiando coreografias de DVDs da Beyoncé. Toda vez que percebo a existência da possibilidade de explorar uma habilidade nova, procuro fazer isso. Apesar de as pessoas sempre comentarem sobre minha presença de palco, nunca ousei em shows. Agora, vejo que me divirto pra caramba e, cá entre nós, essa é também uma ferramenta ótima para que enxerguem esse projeto de um jeito diferente.

PP – As pessoas compararam bastante o seu visual com o da Rosalía durante o início da era “MOTOMAMI”. Como vê a inspiração do artista brasileiro em colegas do pop internacional?

P – Você tem que ter noção pra saber quando essa linha pode ser ultrapassada [risos].

PP – Uma vez que existe uma linha tênue entre a homenagem e a cópia, isso não é muito perigoso?

P – Então… Tem um livro muito interessante chamado “Roube como um artista”, do norte-americano Austin Kleon. Ele defende essa tese de que “não há nada novo sob o sol”. Você sempre cria algo, mesmo que do zero, mas isso será uma coletânea de referências suas concebida ao longo da vida. Não tem pra onde fugir. Se você é um artista que, obviamente, admira outros artistas, referências múltiplas vão compor o seu trabalho. Mas, para proteger a sua autenticidade, você precisa querer ser autêntico. Há quem copie porque não se importa com isso. Acho que, em relação a esse trabalho, não há semelhanças com ela, muitas outras pessoas já tiveram o cabelo da mesma cor que o dela e, agora, consequentemente, com o meu. Reconheço que ela é uma das minhas principais referências, ela é muito especial e a acompanho desde a era ‘El Mal Querer’, por causa do flamenco, um gênero musical que tem muita influência do árabe, que é do R&B e, portanto, minha área de estudo. Sei que é um longo contexto [risos] Mas a questão é que as pessoas também têm uma necessidade de, infelizmente, comparar mulheres. Rosalía sabe quem eu sou, a gente se fala pelo Instagram. Mas não deve haver uma competição. Eu venho recebendo muito apoio de mulheres desde que comecei no pop e isso sempre me deixou muito feliz. Na vida real, existe outra história. Copiar é antiético, como apontar semelhanças infundadas, algo que atrai tantas coisas negativas. Não coloquei o material do ‘MOTOMAMI’ na mesa e disse ‘Vamos fazer isso’, sabe?

PP – Você mesma já teve um visual similar.

P – Já. Agora, eu queria um corpo nu com um cabelo gigante, você disse bem, eu já tive um cabelo colorido no passado. Várias outras tingiram de vermelho, mais recentemente. Eu diria que a Dua Lipa me copiou? A Megan Fox?  É uma tendência e, como qualquer outra, elas estão aí disponíveis para todas, a qualquer momento.

PP – Sei que você nunca fez distinção do seu público, mas é verdade que a comunidade LGBTQIAPN+ te abraçou de forma mais intensa nos últimos anos. O que isso significou pra você? Também me pergunto se ser uma artista pop bem-sucedida significa ter que conquistar essa parte do público, já que, claramente, somos nós os maiores consumidores de música pop no país.

P – Eu jamais olharia para esse público pensando em números, porque aí eu já teria perdido minha humanidade. Acho desonesto qualquer artista que faça esse movimento, que os enxergue como um mercado. É uma comunidade, um grupo que tem uma realidade de vida, que você precisa prestar atenção. Isso diz respeito à vida das pessoas, à sua existência, e não sobre aquilo o que elas podem agregar a você, profissionalmente falando. Como artista pop, eu não quero me aproximar de ninguém por causa de números e streaming. Não faço arte por esse motivo. Se fizesse arte por números, não teria sequer saído do gospel, uma vez que o deixei sendo uma das maiores cantoras desse nicho. Acho que as coisas estão mais no campo da conexão. Amo me conectar com pessoas e é muito interessante ressaltar que eu sempre reparei, desde o início, que até nos meus shows de igreja a comunidade [LGBT+] era muito presente. Eu comecei a reparar e pensar: ‘Consigo me conectar com essas pessoas, além da barreira que a religião nos impôs’. Fui fazendo o que pude à época, em um meio muito tenso, e digamos que nesse sentido eu tava muito sozinha. Era muito difícil pra mim. Assim foi até o momento em que me vi livre, decidindo realmente expor o que pensava, as minhas opiniões, fazer o que achava que tinha que fazer. Meu intuito é criar relações sólidas com pessoas, ser verdadeira. Não vai ser agora que estou no pop que vou querer estreitar laços com pessoas queer para me consolidar mais rápido. Isso não existe. Existe uma troca do que sou e do que eles são. Tem coisa que é pra ser. O verdadeiro valor do que eu faço está nisso, pra sempre.

PP – Aproveitando que você está dando início a um momento mais pop na carreira… Assistiu ao show da Madonna?

P – Não consegui ver inteiro porque estava fora do Brasil, meu streaming não funcionava [risos] Minha saída foi acompanhar pelo X e posso dizer que foi muito icônico. Agora, que acabei de voltar e revi, me dei conta de que havia algo além do espetáculo, as pessoas celebravam o legado musical, mas também tudo o que ela representa. Sou impactada pelo trabalho de Madonna como qualquer pessoa no mundo que seja contemporânea a ela, ainda que nunca tenha acompanhado a fundo. Este foi o momento em que tive magnitude do que ela representa. Foi muito foda poder dimensionar.

Crédito: Kevin Rodrigues/Divulgação

PP – A propósito… ela tem recebido críticas por parte de um setor conservador e religioso do qual você foi próxima durante um período significativo da sua carreira. Como observa essa postura?

P – Tava pensando sobre isso no carro, a caminho da nossa conversa, enquanto via os stories de um crente [risos]. Não é possível que as pessoas ainda teimem em fazer esse tipo de associação sem ter a mente aberta pra pelo menos enxergar o que a Madonna faz por pessoas que esse crente, que está criticando, nunca fez e nunca vai fazer. O que os evangélicos não criticam? Eles criticam todo mundo, todas as coisas. Eu sou cristã, mas para mim esse tipo de postura é inaceitável. Não é possível que nós leiamos a mesma bíblia. Relacionar uma artista como essa ao que acontece no Rio Grande do Sul com as inundações é fazer uma associação desonesta. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. O nível de criatividade para criar teorias e notícias falsas me impressiona. Se você tem uma opinião de gosto musical, tudo bem. Mas, compartilhar esse tipo de pensamento desumano, que fere princípios básicos do próprio cristianismo? Isso é o pior. Você querer falar de uma mulher que fez tanto por tanta gente, por pessoas que você jamais estenderia a mão. Você não para para ver o que aquela artista representa para o outro? Só julga a partir dos óculos que escolheu pra enxergar a vida. Acho essa postura inadmissível, algo que ultrapassa a linha do absurdo.

PP – Pensava sobre isso no dia seguinte. Sobre como Madonna não desrespeita em nenhum momento Deus ou deprecia seu significado, ao contrário. Ela trata de contradições existentes na religião.

P – Exato, e são muitas as implicações: o fato de ela ser mulher, ter poder e alcance, tocar em estruturas extremamente patriarcais… As pessoas têm preguiça de olhar para a História. Querem apenas que a sua própria narrativa seja soberana em relação às demais. Precisamos parar e olhar para o outro, encontrar pontos de intersecção. Fico feliz pelo fato de que esse evento foi singularmente importante para tantos. Existem muitas camadas e isso é o que verdadeiramente importa.

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