Beats eletrônicos que escapam como se a porta de uma balada se abrisse logo atrás introduzem uma nova Duda Beat.
O drama e a ferocidade que marcaram seus dois primeiros discos, “Sinto Muito” (2018) e “Te Amo Lá Fora” (2021), agora fazem uma pausa.
Em “Tara e Tal” (2024), álbum lançado nesta sexta-feira (12), a artista deixa a sofrência “pra depois” e diz ter “desaprendido a paquerar”.
Ela reconhece, entre batidas de brega, house e reguetón que seu momento é autocentrado, não há mais tempo para desagrados. A pista de dança é onde a artista do Recife vai repassar suas inquietações — de preferência, inclusive, com um dry martini em mãos.
“Sinto que estou percorrendo um caminho que meio que já sabia qual seria porque já o percorri”, conta, em entrevista ao Papelpop por telefone.
“Este terceiro álbum lembra um momento da minha vida em que frequentava festas à beira mar no Recife, no fim dos anos 1990 e início dos 2000. Os sons que eu ouvia ali na companhia de amigas, sobretudo os sons brasileiros, provocaram algo importante em mim”.
O momento é de revisão. “Este novo disco talvez não seja tão infantil quanto o primeiro, mas também não tão revoltado quanto o segundo. Tenho trabalhado para construir uma discografia que siga uma linearidade”, explica.
Na conversa que você lê abaixo, na íntegra, a artista fala sobre temas como amores líquidos, críticas e as dualidades de amar com os pés no chão.
Papelpop – Gosto sempre de pensar os títulos que você escolhe para cada trabalho. O que “Tara & Tal” quer nos dizer, para além do há de literal?
DUDA BEAT – Existe uma dualidade. A ‘tara’ é o meu desejo de me jogar, de ir pra fora, de sair e paquerar. Já o ‘tal’ é o restante dos sentimentos que vem depois desse desejo, sejam eles bons ou ruins, costurando situações de vulnerabilidade, empoderamento… O título vem disso, mas também pensei que Caetano Veloso e Rita Lee colocaria esse título num disco deles.
PP – Podemos dizer que sua obra se apresenta como uma espécie de “progressão sentimental”.
DB – Totalmente, são as fases que as pessoas vivem. Parto sempre do pressuposto de que se eu estou vivendo isso enquanto compositora, preciso fazer movimentar alguma coisa.
PP – Já pensava em construir essa narrativa antes do primeiro disco?
DB – Sim, eu pensava. Sempre digo que a última música de cada trabalho é a que aponta para o que vou fazer no próximo LP. ‘Tocar Você’, por exemplo, se apoiava na estética house porque eu já sabia que queria investigar os mistérios da noite. Queria que esse novo disco acompanhasse a pessoa desde o momento em que esta decide se arrumar, no silêncio do próprio quarto, até o momento em que se volta de uma festa. Sinto que os outros representam muito um momento de introspecção exclusivamente dentro de casa, aquela fase em que você se pega refletindo sobre N questões. ‘Tara & Tal’ não, vai na contramão. Este é um disco de ação em que você toma consciência de certas coisas e diz ‘Okay, vamos à luta’.
PP – Este trabalho apresenta uma Duda Beat pautada pelo desejo e a consciência das ciladas, mas também por mudanças radicais. Houve um acontecimento que te levou a buscar um contraponto à sofrência?
DB – Foi natural. Sinto que estou percorrendo um caminho que meio que já sabia qual seria porque meio que já percorri. Este terceiro álbum lembra um momento da minha vida que é muito importante, quando existiam festas eletrônicas nas praias de Recife, no fim dos anos 1990 e início dos 2000. Os sons que eu ouvia ali na companhia de amigas, sobretudo os sons brasileiros, provocaram algo importante em mim. Tenho essas memórias como algo muito emblemático, eu as enxergo como uma fotografia dessa fase. Depois, chegava em casa e meu pai estava ouvindo seus vinis de rock ‘n’ roll. Talvez não é tão infantil quanto o primeiro, nem tão revoltado quanto o segundo. Minha discografia tem uma linearidade.
PP – Que leitura você faz hoje dos amores fugazes?
DB – Confesso que ela mudou um pouco. Sinto que eu consigo entender melhor a cabeça da pessoa que gosta dessa coisa que acontece em um dia e no outro se esvai. Sou muito romântica. Se eu me apaixonasse por você agora, na minha cabeça já teria vivido tudo o que tinha pra viver ao seu lado. Tenho lua em touro. Imaginaria que a gente já ficou junto, que já viajamos, brigamos, nos separamos e nos amamos. Às vezes, a gente se coloca nesse lugar sem nem conhecer a pessoa direito. Talvez seja por isso que me vejo como uma boa compositora, me permito viajar na maionese [risos] A vulnerabilidade me traz renascimento, como se eu tivesse a chance de me redescobrir no mundo sempre. Por essa razão o meu disco representa, acima de qualquer coisa, uma expansão.
PP – Há pouco falávamos de house. Você escolheu trabalhar com gêneros como ele e o reguetón, que automaticamente convidam o compositor a transitar por lugares de maior liberdade sexual…
DB – Lugares mais metálicos.
PP – Isso. Quis trabalhar com ambos justamente a fim de reforçar uma mensagem? Que espaço essa escolha de gêneros possui dentro da sua narrativa?
DB – A primeira coisa que faço no meu processo é a canção. A gente vai experimentando, vendo o que rola, o que não. Eu já sabia quais seriam as roupas a serem vestidas pelas faixas, já me vi muito nesse lugar da melancolia e que nos leva a sair pra curá-la, de alguma forma, na companhia de amigas. Quis subir o sarrafo, levantar os ânimos de certa forma. Ao mesmo tempo, mergulhar nesse sentimento é se deparar com coisas contraditórias. Se você vai a uma balada de house, sempre há um momento em que a sua mente pensa na conta que vence no dia seguinte…
PP – Tenho o hábito horrível de checar e-mail…
DB – [risos] Exato. Você está na pista e começa a pensar naquilo que passou. Às vezes, até involuntariamente. Minha saída para evocar esse sentimento foi criar para as faixas que trouxessem esses questionamentos uma base que remetesse às pistas, às baladas – onde também se pensa e muito.
PP – As pessoas se mostraram incomodadas com as suas letras mais recentes, questionando onde estaria “a Duda de antes”. Já se acostumou ou sente que é um preço a ser pago pelas transformações?
DB – Sinto que vão entender com o tempo. Elas vão viver mais. Eu já tenho 36 anos, sei que com o tempo se toma consciência de que ninguém faz ou é uma coisa só. Sou uma pessoa que se entedia muito rápido, fazer um tipo só de coisas me deixaria encarcerada. Entendo as críticas, temos expectativas, mas gostaria que todos dessem uma chance e ouvissem a totalidade das faixas. Sei que preciso me dar esse prazer de me sentir livre, e as pessoas precisam parar de dizer ‘Se você é sexualizada você não é romântica’. Amor e sexo são coisas absolutamente complementares. Quantas vezes a gente quer se sentir sexy pra ser amada? A gente tem ideais românticos o tempo todo. E se não entenderem, está tudo bem também. Tenho a segurança de que tenho um show que todos gostam muito, então a hora de se arriscar é agora [risos].
PP – Depois de se tornar um rosto conhecido, tocar em grandes palcos, ter espaço em veículos respeitados de comunicação… acha que o caminho é chegar nesse lugar mais comercial? Sempre te vi como uma cantora de pop, mas não necessariamente.
DB – Concordo com você. Também acho que sou uma cantora de pop e vou continuar neste mesmo lugar, fazendo um som pop alternativo. No entanto, trago elementos que ainda não estão fixados na mente dos brasileiros. Sinto que cada vez mais o pop alternativo se torna mainstream, ao mesmo tempo em que percebo como o mainstream quer ser alternativo. É mais cool e interessante. Vou continuar sendo muito fiel às coisas que eu acredito, as referências são muitas. Quero olhar pra trás e ter muito orgulho da discografia. Além disso, Guilherme, tenho a obrigação de cantar minhas músicas pelo resto da vida. Preciso gostar delas. Imagina se eu deixasse de cantar ‘Bixinho’? Um dos meus objetivos é fazer o pop alternativo do brasileiro virar mainstream e acho que tenho conseguido.
PP – E como manter a essência?
DB – O caminho é não se sentir tão vulnerável a críticas ou números. É preciso focar em si mesma. Quando estou produzindo um álbum, não tenho o hábito de ouvir trabalhos de colegas. Tenho a consciência de que quanto mais próxima de mim eu estiver, mais meu será esse trabalho vindouro. Preciso refletir sobre o que quero falar e dizer, não me distrair. Ter ótimos amigos também é fundamental, pessoas que não têm vergonha de dizer que algo não está bom,que é preciso mais ou menos aqui e ali. Ter pessoas críticas ao nosso redor faz com que a gente enxergue coisas inimagináveis. Prezo muito por isso.
PP – A modernidade líquida, aquele conceito do Bauman que todo mundo adora repetir até sem entender muito bem, seria o pior obstáculo para o crescimento em termos de amor?
DB – Acho que ela é parte do crescimento. Aprendi muito quando estava solteira, me apaixonava e não queriam ficar comigo ou me assumir. Isso me ensinou uma porção de coisas, fez com que eu me tornasse a pessoa que sou hoje. Faz parte. As relações mudam, as coisas e pessoas mudam, tudo está em constante transformação. Quem eu seria se fosse uma cantora que pregasse esse discurso de abertura para o novo, mas não aplicasse essa máxima na minha vida? No dia em que cantei no ‘BBB’, recebi muitos elogios e muitas críticas. Não quis pensar no que diziam de ruim, quis refletir publicamente sobre a importância de eu estar ali para que outras pessoas do meu seguimento vissem e pudessem pensar que algum dia poderia ser a vez delas. Preciso e quero estar alinhada com o meu discurso. Não posso ser contrária às novidades.
PP – Este é um disco conceitual em que você, cercada por situações mal resolvidas, se propõe uma travessia afetiva e questionadora para consigo mesma. Quando as coisas se resolvem, quando se chega ao fim da jornada, o que existe adiante? Em que se agarra?
DB – Eu me agarro ao poder de transformar a vida do outro e talvez esse seja sempre o meu próximo passo. Já estou fazendo o quarto disco, não paro nunca. Quando a gente entende o propósito, a gente quer doar isso para quem está ao redor. Depois de tantas emoções, é preciso compartilhar a nossa sabedoria com o mundo.
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