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Entrevista com O Terno: “Sensações complexas são um prato cheio para fazer arte”

A banda O Terno fez sua última apresentação com público antes do início da pandemia. O que parecia ser uma promissora turnê com o propósito de divulgar o disco “<atrás/além>” (2019), àquela altura recém lançado, acabou se tornando uma pausa forçada.

Levou quatro anos para que Guilherme D’Almeida, Gabriel (Biel) Basile e Tim Bernardes, que usaram o intervalo para trabalhar em projetos paralelos ou mesmo, no caso de Biel, se dedicar à paternidade, pudessem retomar os planos de encerrar este ciclo. Sem prometer nem negar a possibilidade de um vindouro LP, a sua vez composto por canções inéditas, o trio retornou nesta semana a agenda de shows em São Paulo.

Anunciada através de uma esquete que tinha como premissa ironizar os sentimentos expressos em suas letras, a gira não se trata, exatamente, de uma despedida. Após tocarem por duas noites no Espaço Unimed, onde os ingressos se esgotaram, serão feitas outras cinco paradas pelo Brasil, um ‘até breve’ que antecede o encerramento em Los Angeles (EUA).

A ideia é revisitar o repertório do referido disco, além de resgatar sucessos que, à sua maneira, buscam se comunicar com as dicotomias e complexidades de um grupo de amigos que se vê em constante movimento.

Na entrevista que você lê a seguir, feita por videochamada, às vésperas da estreia, Gabriel, Guilherme e Tim falam sobre sentimentos geracionais, estratégias de composição e, por que não, expectativas.

PAPELPOP: As canções d’O Terno falam muito sobre o amor romântico, e isso configura também um desejo do trio em refletir inquietações. Sentem que esse trabalho se encaixa nessa sensação da alegria triste que, em algum momento ou outro, toma conta da gente?

Tim: Faz sentido dizer isso. Muitas composições dos álbuns ‘Melhor Do Que Parece’ (2016) e, especialmente, do “<atrás/além>” (2019) tem essa coisa de tentar analisar ou investigar sensações e emoções que são tão humanas e existem desde sempre, mas a partir do prisma da nossa idade e da nossa época, o que muda. De alguma forma, tem a ver com o gesto de tentar entender a própria alma ou psique no século XXI, saber quais são de fato as alegrias e tristezas envolvidas nisso.

Biel: É uma observação curiosa. Eu sinto que esses sentimentos são muito profundos, são vetores pra mais de um lado, como essa ‘alegria/triste’. Quando existe essa ambivalência em um sentimento, fazemos uma tentativa de tentar entender. Temos uma mente que tenta fechar as coisas, existem sensações complexas. Isso seja um prato cheio para fazer arte, tentar criar outras formas de explicar aquilo que não é tão fácil, ou que se descreve facilmente em uma palavra. Existem frestas da linguagem que a música se apropria. Isso é muito comum num período da vida pelo qual estávamos passando, no começo da vida adulta, quebrando a cara de amor.

A vida é esse balde de sensações…

Biel: Sim, e é o que estava presente ali pra gente. O Tim canaliza muito bem essas coisas ao compor.

Guilherme: E a dualidade da coisa acabou sendo um carro-chefe, se reflete em vários títulos. Até os arranjos em si expõem como as nossas referências já foram mais blocadas em trabalhos anteriores. No “<atrás/além>” pudemos brincar com tudo o que existia no meio disso.

O título “<atrás/além>” brinca um pouco com uma mistura de poesia concreta brasileira e modernidade. Construir esse disco fez com que vocês refletissem sobre um sentimento de não ser nem jovem nem velho demais. Hoje, como tem sido voltar a explorar esse terreno das emoções que marca uma época?

Tim: Esse título tinha isso né? Uma coisa da poesia concreta, da influência que recebemos do movimento Tropicalista e de tudo aquilo que foi feito no século passado no Brasil, mas também sem deixar de remeter a esse negócio mais millennial, com os caracteres. Era algo que nos posicionava entre a referência antiga e o presente, ou uma coisa que refletisse a dicotomia minimalista/futurista, seus encontros fronteiriços. Gosto que ele se multiplique em muitos sentidos, sempre foi assim. Quando a gente decidiu chamá-lo assim, já existia uma série de significados que tínhamos descoberto, mas, agora, a sensação que bate é a de que a gente já viveu o “atrás”. Essa turnê que vem a seguir seria o “além”, uma segunda metade, o momento posterior a se lançar ao desconhecido, após passar quatro anos em um limbo. De alguma forma, estamos vivendo o ato poético do que era a viagem da capa, do nome. Este é um disco que nos posiciona prestes a viver uma nova fase. Parece que estamos vivendo um começo, portanto faz sentido que encerremos a turnê completando essa segunda metade. Diria que é um disco de transição, em um monte de sentidos.

Biel: Eu sinto várias coisas ao mesmo tempo. Somos outras pessoas se nos comparamos com aquelas que éramos quando o disco saiu. Eu virei pai. É realmente um momento da vida muito distinto, mas, ao mesmo tempo, a gente senta pra tocar e parece que o disco foi lançado na semana passada. Eu tenho as minhas questões, personalidade e bagagem. Os meninos também, preservamos nossas individualidades, mas quando a gente tá junto brota uma junção muito específica, vejo que pensamos com a cabeça d’O Terno. É quase como se houvesse um corpo coletivo. Nós nos congelamos e nos descongelamos de tempos em tempos, inclusive aportando mudanças em termos práticos. Quero dizer, pensamos como fazer com uma criança de 6 meses, como ajustar isso à carreira solo do Tim e os projetos pessoais do Gui. Mas tudo continua igual, parece que sempre fizemos isso.

Guilherme: Querendo ou não, são quase cinco anos desde o último show que fizemos juntos. Estamos há quase tanto tempo sem se ver quanto o tempo que o público não nos vê. Essa coisa de voltar a tocar, talvez a analogia mais simples seja andar de bicicleta. Você nunca se esquece como fazer e me surpreendeu bastante como a comunicação entre nós, mas também entre nós e o público, permaneceu ativa. Esse movimento de tocar uma música e, quando terminar, todos saberem o lugar exato de cada nota e instrumento. Sinto que é confortável. N’O Terno, os arranjos brincam e se encaixam como peças de Lego, ao mesmo tempo em que são completamente soltos. Existe uma fluência mágica que não perdemos. É muito gostoso tocar entre amigos, independente de tudo.

Refletir sobre a vida adulta, a vida em tempo de mudanças, sobretudo, pode ser assim tão complexo? Ou a gente é que dificulta as coisas?

Tim: Acho que a gente tem a capacidade, às vezes a mania de deixar tudo mais complexo. Mas acho uma coisa natural humana, quando você sofre você quer entender pra saber se pode melhorar, o que pode melhorar. A gente tem uma coisa nessa geração que é a complicação por resistência de aceitar a nova fase. Uma coisa que talvez a geração millennial em diante evitam o amadurecimento, tentam entender como é. Isso não é à toa, não é só a vontade de complicar, existem elementos que mudam o jogo e fazem com que a cartilha antiga não funcione tão bem. Tá todo mundo procurando um jeito. Gosto muito de ler escritores, compositores ou filmes que reflitam as sensações do que é o ser, na sua própria época, o que tem de diferente e o que permanece com o passar dos tempos.

Esta turnê promete ser, de fato, o fim de uma temporada. As buscas internas propostas lá atrás, finalmente, encontraram seu destino?

Guilherme: Tenho a sensação de que uma portinha se abriu e depois encontramos outras cinco e dentro de cada uma outras cinco, e assim sucessivamente [risos]. Não sei se existe uma meta nossa que vise resolver todas essas questões, talvez sejam coisas que seguiremos nos questionando. Temos um público muito jovem e que foi nos acompanhando, amadurecendo junto… E é isso o que acho mais interessante, nossas questões se entrelaçaram e evoluíram. Como a gente falava sobre coisas nos primeiros discos e as pessoas se identificavam, mas depois você chega ‘Como o Tim sabe da minha vida pra cantar sobre ela no disco?’. Ouvimos isso em todos os álbuns e ficou a sensação de que estávamos todos perdidos e precisávamos fazer música pra acalmar o coração.

Tim: Eu acho que é isso sim. E tinha uma coisa de tentar se lançar pro novo, pra independência, pra emancipação. Era uma coisa que dava muito medo e a gente, de alguma forma, teve esse momento. Cada um de nós, em geral, após isolamento, pandemia, refletimos coisas coletivas. Se lançar numa vida sem roteiro pronto e se sentir suficiente em cima das próprias ideias, se equilibrar e tudo mais. A gente chega nessa turnê muito diferente de como estávamos na anterior. A gente tava justamente tentando largar a borda e pular, como no clipe de ‘Pegando Leve’, que é cheio de símbolos como um oceano infinito, com zero clareza e limites. Agora, depois de se lançar no escuro, você abre os olhos e percebe que não morreu, que existe uma vida cheia de possibilidades. Não depende só da gente, tentamos nos lançar na vida, cada um dos três, mas a vida é quem vai escrevendo os destinos, a gente só tenta ser coautor junto dela [risos].

***

Os ingressos para a turnê d’O Terno que encerra os trabalhos do álbum “<atrás/além>” estão à venda neste link. São Paulo, Rio de Janeiro e Los Angeles, que recebe a única parada da gira no exterior, já tem datas esgotadas.

Abaixo, você confere o itinerário completo.

22/março: São Paulo @ Espaço Unimed (ESGOTADO)
23/março: São Paulo @ Espaço Unimed
29/março: Rio de Janeiro @ Circo Voador (ESGOTADO)
05/abril: Porto Alegre @ Araujo Viana
12/abril: Belo Horizonte @ Arena Hall
03/maio: Concha Acústica @ Salvador
14/maio: Lodge Room @ Los Angeles (ESGOTADO)
15/maio: Lodge Room @ Los Angeles

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