Lali Espósito responde à perseguição de presidente argentino: “Discurso injusto e violento”

A Argentina está de olho em uma polêmica envolvendo o Presidente da República, Javier Milei, e a popstar Lali Espósito. Nesta quinta-feira (15), a artista veio a público responder, pela primeira vez, aos ataques que têm recebido por parte do mandatário e seu eleitorado, via redes sociais.

A atriz e cantora, que é uma das maiores estrelas da cultura popular nacional e estrelou produções como “Sky Rojo” e “Floricienta” (versão argentina da novela “Floribela”), reiterou que respeita a escolha feita pelos argentinos nas urnas, mas que gostaria de ser respeitada. Ela também repassou sua trajetória, afirmando que gostaria de ser livre para “pensar diferente”.

Abaixo, você lê a íntegra.

“Senhor presidente, Javier Milei,
Meu nome é Mariana Espósito, nasci no Parque Patrícios, zona sul da cidade de Buenos Aires. Tenho 32 anos e trabalho há 22. Comecei a trabalhar, aos 10 anos de idade, na televisão. Naqueles anos, tive a alegria de participar de séries e espetáculos com um sucesso enorme. Essas experiências me permitiram aprender, crescer na indústria, me profissionalizar e ganhar dinheiro para ajudar a minha família. Pude comprar uma casa para os meus pais, senhor presidente. O senhor não faz ideia da emoção que senti. Não só isso, trabalhando em séries, campanhas e filmes, pude comprar até a minha própria casa, algo não só distante, mas também impossível, lamentavelmente, para muitos jovens de nosso país. Por isso, enfatizo. Sabe que orgulho imenso é esse? É um privilégio ter crescido e evoluído fazendo o que amo. Trabalhei incansável e honradamente para que assim fosse.
Faz pouco mais de dez anos que me dedico à música. Comecei de maneira independente, investindo o que ganhava na televisão em meu projeto musical, e as pessoas acompanharam, fizeram com que eu crescesse até poder encher um estádio de futebol no ano passado. Tudo produzido de maneira independente, com minha mãe e minha família sendo parte da minha equipe de trabalho. Uma emoção enorme. Fiz cinco álbuns que as pessoas receberam com amor e respeito, e que me levaram a fazer turnês lindas, nacionais e internacionais, por muitos países mundo afora durante todos esses anos. Além de me desenvolver como cantora, pude fazer algo semelhante como produtora de ficção, dando trabalho a muitas pessoas. Imagino que você saiba o quanto esse orgulho representa.
Não quero incomodá-lo. O que queria te dizer é que não conheço outra coisa que não seja trabalhar e assim ganho o meu dinheiro, sempre.
Participei de vários shows municipais em todos os governos, como a maioria de artistas inscritos maravilhosos que tem o nosso país. A cultura não só gera muito trabalho, mas também constrói e narra a identidade de um povo e, sobretudo, gera alegria e emoção. Respeito, ainda que não compartilhe, que seu plano de governo não priorize a cultura, mas acho que a demonização de uma indústria e das pessoas que formam parte dela não seria o caminho, sinto que a assimetria de poder entre o senhor e os que ataca por pensar diferente, a informação falsa retorna ao seu discurso injusto e violento.
Presidente, o senhor é o capitão de um barco em que todos viajamos. Os que votaram e os que não pela sua eleição. Por isso desejo que o caminho que escolha leve a TODOS a um lugar melhor, democraticamente aceito o caminho que a maioria escolheu e, de um lugar de respeito, quero ter a liberdade de poder pensar diferente. Não acho que o caminho seja a falta de respeito e a desqualificação sem razão. Desejo a todos nós o melhor, sempre. Mando um respeitoso cumprimento.
Mariana Lali Espósito.

Em tempo: vi em suas redes sociais que coloca em dúvida o meu profissionalismo e destreza no palco. Sem ironia alguma, e com alegria, convido-o a qualquer dos meus shows, quando quiser. Seria um prazer tê-lo na plateia, você se divertiria. Eu garanto”.

Sr Presidente @JMilei
Mi nombre es Mariana Esposito, Nací en parque patricios , en el sur de la ciudad de Buenos Aires.
Tengo 32 años y trabajo hace 22 .
Comencé a trabajar a los 10 años en Televisión. En esos años tuve la dicha de participar de series y espectáculos con un…

— Lali (@lalioficial) February 15, 2024

Entenda o caso

As ofensas que Milei, um político de extrema-direita, e seus apoiadores têm feito a Lali Espósito se intensificaram após a chamada PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), votação que serve como uma espécie de eleição prévia.

O então candidato, que trava uma caça às bruxas no setor cultural, terminou em primeiro lugar. “Que perigoso e que triste”, escreveu Lali, em agosto de 2023, sem mencionar nomes.

Que peligroso. Que triste.

— Lali (@lalioficial) August 14, 2023

As ofensas se intensificaram desde então, ao ponto de Milei, em conversa com o jornal La Nación, trocar o sobrenome da artista, Espósito, pela palavra “Depósito”. Seus apoiadores defendem a tese de que Lali usaria dinheiro público para financiar suas apresentações.

Fãs, a sua vez, compararam a situação com o que a extrema-direita fez no Brasil ao longo da gestão 2019-2022, citando equivocadamente a Lei Rouanet.

LALI DEPÓSITO pic.twitter.com/6IrwvlNOIt

— Marian Herrera (@marianherrrera) February 15, 2024

A referida cena foi amplamente criticada por colegas, das mais variadas áreas, que se manifestaram a fim de repudiar a falta de decoro e o desmonte promovido por sua gestão em relação ao setor cultural. Mais tarde, a própria Lali agradeceu as mensagens de apoio.

Gracias a todxs por el respeto,el
Apoyo y el cariño♥️

— Lali (@lalioficial) February 15, 2024

Considerada uma potência artística, a Argentina tem no currículo dois Oscars, além de uma das mais prolíficas obras musicais do mundo, sendo reconhecida internacionalmente através de nomes como Fito Páez, Charly García, Fabiana Cantilo, León Gieco e Mercedes Sosa.

O país também tem uma das capitais com o maior número de livrarias per capita no mundo – um panorama que está ameaçado pela chamada “Lei Ônibus”, proposta pela gestão de Milei e que busca a extinção, entre outros aspectos, da Lei de Direitos Autorais, criada em 1933.

O fim do Fundo Nacional das Artes e o Instituto Nacional de Teatro, instituições de renome e consideradas fundamentais para a difusão da cultura no país, também foram cogitados.

Milei acusa o setor de “defender um privilégio”, além de enxergar a produção artística local como algo dominado pelo “marxismo cultural”, conforme relatou durante discurso no Fórum Econômico Mundial, em Davos, no ano passado.

O trabalho mais recente de Lali, seu disco autointitulado, chegou às plataformas de streaming em abril de 2023. O projeto, que tem arrastado multidões na América do Sul e Europa, traz, entre suas faixas, os sucessos “Obsesión”, “N5” e “Disciplina”.