O telefone deste mero repórter toca e, do outro lado da linha, Caroline Polachek atende, desculpando-se. Ela está dez minutos atrasada e explica que confundiu os números, ligando para outro jornalista.
A cantora, que fez uma das estreias mais expressivas de 2023 com o disco “Desire, I Want To Turn Into You“, brinca com a situação, dizendo estar em processo de readaptação à nova rotina.
“Voltei para Los Angeles após um ano viajando de forma intensa. Fizemos uma turnê grande que, inclusive, acabou de passar pela Austrália e Ásia. No fim das contas, é bom estar de volta.”
A calmaria permitiu que a artista nascida em Nova York acompanhasse, entre outras coisas, as aparições de sua obra em celebradas listas de melhores do ano, inclusive a do Papelpop, na cola do pódio, que contou com SZA, Victoria Mónet e Karol G.
Lançado em 12 de fevereiro, data em que se celebra no Hemisfério Norte o Dia dos Namorados, o material tensiona as fronteiras da música pop ao experimentar, ao longo de doze faixas, composições que abarcam sons como os da gaita de fole, da guitarra flamenca e a parafernália do trip hop.
Há uma explicação lógica: para Polachek, a pandemia foi um momento que combinou estagnação criativa e pesquisa, levando-a a dedicar mais tempo do que o habitual em seus estudos de piano e produção. Quando a criação parecia, finalmente, avançar, precisou levantar acampamento e deixar o Reino Unido às pressas, ante o vencimento de seu passaporte.
Na companhia de seu produtor, Daniel L. Harle, partiu rumo à Itália e à Espanha, onde acabou concluindo o projeto antes de retornar aos Estados Unidos.
“Eu tinha duas músicas prontas e meti o pé na estrada, mas, ficando ilhada pelo caminho, ao contrário de muitas pessoas, eu não me sentia nada criativa”, conta.
“Sinto que migrar não foi exatamente a verdadeira odisseia pela qual tive que passar. O problema maior começou quando percebi que as coisas estavam voltando e que eu teria que escrever metade deste álbum em turnê. Isso foi realmente louco.”
Obrigada a estar em estúdios diferentes e privada de ver o sol, Polachek sentia a sensação de correr contra o tempo, tal qual acontece no clipe de “Welcome To My Island”, canção escolhida para ser o primeiro single.
“Eu tinha comigo um profundo senso de missão. Não fiz este álbum pensando que estava segura em casa, mas na verdade pensando no meu futuro. De alguma forma, a raiva me fez produtiva”, ela explica, divertindo-se.
O resultado foi uma sucessão de críticas positivas, que a colocaram no topo dos charts. Ainda em curso, a viagem a levou ao lançamento de uma faixa extra, intitulada como “Dang“, uma expressão de duplo sentido e que capturaria o momento presente.
“‘Dang’ significa, ao mesmo tempo, decepção e espanto. Posso dizer algo como: ‘Acabei de ganhar um milhão de dólares’ e responder ‘Dang’, tanto em sinal de felicidade quanto desânimo”, diz.
Interessada por etimologia, ou seja, o estudo das palavras, a cantora adora brincar com a gramática. No próprio disco, a faixa “Crude Drawing of an Angel” apresenta uma palavra nova chamada “scorny”, que representa um misto de medo (scary) e tesão (horny).
“Minha relação com as palavras não é formal. É realmente sensorial. Mas também pode ser muito simbólica, porque, como cantora e compositora, acho essencial senti-las com seus sons deliciosos, descobrir lentamente o que há de maravilhoso vindo delas”, afirma.
“Essa descrição de sentimentos opostos presentes na expressão ‘Dang’ e na faixa, consequentemente, é o que para mim captura toda a linguagem do disco. Consigo refletir, além disso, nossas experiências online. Você desce o feed e vê coisas que são incríveis, mas em seguida dá de cara com conteúdos horríveis, que se atropelam. Parece que estamos vivendo em um escape macabro.”
Em uma das apresentações ao vivo, Polatchek se transforma em uma espécie de professora, que a sua vez comanda uma apresentação em Power Point e passa slides, enquanto canta. A artista aproveita para lembrar de uma história um tanto embaraçosa dos tempos de estudante.
“Acho que só estava tentando ser o máximo sexy possível, mas é verdade que sempre gostei muito de filosofia. Quando as aulas acabaram, um professor me convidou para jantar com meu namorado na casa dele”, conta.
“Ao chegar, a garota que abriu a porta se parecia muito comigo. O nome dela também era Caroline e, em seguida, descobri que ela era a namorada dele. Fiquei pensando: ‘Que porra está acontecendo aqui?’. Eu tinha crush por ele, mas a paixão desapareceu muito rápido. A parte boa é que tirei um dez na disciplina naquele semestre”, diz.
Em julho passado, também como forma de celebrar o alcance de “Desire, I Want To Turn Into You”, chegaram ao streaming remixes do single ‘Bunny is a Rider’. Seria um reflexo da relação de Polachek com a cena eletrônica de Los Angeles?
“Acho que não. Esta é uma cidade estranha para a música porque é tão focada na indústria, então, de certa forma, eu sinto que é mais fácil me achar nos bastidores do que o palco”, diz. “Mas tenho feito esforços para sair quando estou por aqui. Tenho tantos amigos se apresentando, mas também percebo com curiosidade uma crescente interseção entre a arte e a performance”, diz a estrela.
De fato, são os experimentos que mais parecem interessá-la. Em visita ao Brasil, onde se apresentou em novembro de 2022 no festival Primavera Sound São Paulo, a cantora estreitou laços com MC Dricka, com quem afirma trocar referências.
“Foi através dela que conheci MC Marsha [cantora e compositora carioca]. Acho sua voz linda e, cá entre nós, adoraria fazer uma música com ela”, revelou, citando ainda a descoberta do rapper FBC e seu penúltimo álbum, “Baile”. O funk brasileiro, entretanto, deixou de ser novidade para Polachek há muito tempo.
“Prestei atenção pela primeira vez em 2008, quando alguns hits começaram a chegar a todas as rádios aqui fora. Fiquei tão impressionada com o batidão e suas subdivisões. Foi incrível ver o funk passar por todas essas eras e consigo até ver alguns paralelos com o hip hop americano, que floresce e morre volta e meia. Mas o funk continua imbatível seu caminho e as pessoas evoluem. Acho que talvez seja porque nunca foi aceito pela mainstream brasileira, ele captura esse status de outsider. É muito instigante e vanguardista.”
Com um álbum que trata de capturar contradições líricas e estéticas, algo também comum nos filmes de Pedro Almodóvar, a quem diz admirar, Polachek situa tópicos como drama, caos e vulnerabilidade em suas narrativas.
Afirma que, olhando para trás, tem hoje a certeza de que encarar o que não é belo e suas consequentes fraquezas é, justamente, o que torna a criação artística mais fácil de ser abraçada pelo público.
“Penso com frequência que qualquer forma de arte que não reconhece as nossas vulnerabilidades não pode ser vista como honesta. Para mim, esse não é um tipo bacana de arte.”
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