Shakira depõe à Justiça e diz que fez “avião pousar na Espanha só para beijar ex-marido”

O jornal El País teve acesso nesta sexta-feira (16) a um depoimento dado pela cantora colombiana Shakira à Justiça espanhola, em 2019. À ocasião, ela participou de uma audiência em que tentou provar sua inocência na ação que a acusa de fraude fiscal e pede o pagamento de uma multa estratosférica avaliada em 23,7 € milhões de euros (algo em torno de R$ 125 milhões). O processo ainda está em andamento.

A fim de recapitular: a Receita Federal espanhola (a chamada Hacienda) considera que desde o ano de 2011 Shakira residiu no país por mais de 183 dias, o equivalente a metade do ano. Esta regra a habilita como residente fiscal e, consequentemente, a imputa a pagar impostos como os demais cidadãos.

A reportagem afirma que a popstar, que chegou a abordar a situação na Sessão 53 com Bizarrap, falou ininterruptamente por cerca de 1h20 e defendeu a tese de que durante quase dez anos não fez “nada além de trabalhar e viajar, sem que houvesse nada que a ligasse à Espanha além de sua relação com Piqué”. Os dois, você já sabe, se divorciaram em junho do ano passado após acusações de traição dele e a atual namorada, Clara Chía.

História de amor

Entre outras coisas, Shakira relembrou o momento de enorme visibilidade que obteve após a Copa do Mundo de 2010, momento em que engatou seu romance com Piqué. Ela admitiu ter feito loucuras de amor e citou os ciúmes que o então atual dizia ter de se ex-marido, o publicitário argentino Antonio de la Rua, com quem ficou por 11 anos. Piqué a restringia, inclusive, de visitar a casa que tinha nas Bahamas ante a possibilidade de um encontro inesperado com o ex-companheiro.

“Eu estava encantada. Lembro de estar viajando do Marrocos em direção à Croácia, sobrevoávamos Barcelona, e perguntei ao piloto se podia fazer uma parada rápida para dar um beijo em Gerard. É a coisa mais romântica que fiz em toda a minha vida. Não sei se a Agência Tributária espanhola computou isso como um dia que vivi na Espanha”, disse, em tom de ironia, à juíza presente.

Nem mesmo a gravidez do filho Milan, nascido em 2013, foi capaz de mantê-la com residência fixa. “Durante a gravidez, é difícil de entender, mas eu trabalhava 14h por dia. Lembro de estar no palco com a minha barriga enorme, fazendo esses movimentos típicos que faço. Acho que parecia ridícula”, brincou. “Programei uma cesariana porque tinha um contrato com o The Voice nos Estados Unidos. Pari meu filho e, mesmo recém-nascido, eu o levava para todos os lados, como uma mãe indígena faz com seus filhos, pendurados pelas costas. O meu filho foi uma descoberta maravilhosa feita na vida, mas meu trabalho ainda era prioridade”.

Relação conturbada

A cantora afirmou a sua vez que o início da relação com Piqué foi bastante difícil. “Era uma espécie de Dragon Khan [montanha russa do parque de diversões Port Aventura, em Tarragona]. Não nos entendíamos muito bem e espero que isso não vaze para a imprensa. Em 2011, quando comecei a sair com ele, quase não nos víamos. Ele tinha 23 anos, eu era dez anos mais velha. Jogador de futebol, um rapaz bonito e com fama de playboy. Era louquinho nessa época, agora é um homem feito, mas naquela época não era. Eu não tinha garantia de que as coisas iam seguir adiante ou que formaríamos uma família. Não imaginava que iria vir morar nesse país por causa desse menino com barba que me parecia incrível”.

Negócios à prova

A cantora, que em outra ocasião chegou a definir a relação e consequente mudança para a Europa como um “sacrifício de amor”, disse ainda que não se sentiu cobrada pelo ex já que este a “conheceu como uma artista global”, mas admitiu que, por amor e confiança buscou, criar uma relação mais próxima com a Espanha, inclusive, arriscando seus negócios e confiando-os às mãos de pessoas que não se mostraram claras em relação às leis.

“Eu não tinha vontade de viver aqui. É um país lindíssimo, mas não é o epicentro da indústria da música. Para mim, estar na Espanha é um sacrifício enorme para o meu sucesso profissional. Não conto com o melhor da produção artística, que está nos Estados Unidos. Era como pedir a Gerard que fosse a Barranquilla jogar pelo Junior [time local]. Por amor. O que a Espanha me gera em termos de lucros é minúsculo. Pode ser comparado ao que recebo da Grécia ou da Turquia. Aqui estou eu, com um problema penal em um país que não me gera quase nada em dinheiro. Francamente, vossa excelência, não conheço ninguém que esteja enfrentando um julgamento deste tipo só por ter tido um namorado. Por isso sinto que é injusto e surreal”.

Impacto social

Shakira também reivindicou o respeito que adquiriu ao longo dos últimos 30 anos por meio da brilhante trajetória profissional – êxitos esses que a permitiram ser uma importante ativista social na América Latina. Ela administra, desde 1997, a fundação Pies Descalzos, que oferece educação de qualidade e gratuita a crianças em situação de vulnerabilidade social na Colômbia. Em suas palavras, o processo movido pelo MP espanhol foi um dano “irreparável” à sua imagem.

“Se alguém tivesse dito no primeiro minuto que era importante me declarar residente, eu o teria feito. Pra mim não interessa cometer um crime para acumular mais dinheiro. Há coisas que estão muito acima disso, como a dignidade”, disse.

“A minha fundação trabalha pela educação na primeira infância, atendemos hoje a 7 mil crianças. É uma obra tão importante ou mais do que a minha própria carreira. Para mantê-la, eu tenho que agregar pessoas dos setores privado e governamental, e esse processo [em andamento, movido pela Hacienda] fere minha reputação e minha credibilidade, das quais dependem milhares de pessoas. Esta é uma das coisas que mais de doi, das mais difíceis de encarar nesse procedimento penal. Para mim, é devastador. Traumático quando penso nas crianças”.

Em julho de 2022, a Promotoria espanhola pediu uma pena que excede os 8 anos de prisão para Shakira. No próximo mês de novembro, a cantora, que agora está vivendo com os filhos nos Estados Unidos, passará por um novo julgamento.