música

Rita Lee explorou inseguranças e transformações em lado B da discografia

É difícil mergulhar na discografia de uma artista da magnitude de Rita Lee e não se ater aos clássicos. Foram eles os responsáveis por transformá-la, em uma outra fase do mundo musical, nessa hitmaker que atravessa gerações, sempre avessa às métricas e às mordaças. 

Com exatos 22 discos de estúdio gravados, formando um repertório dos mais diversos, é preciso expandir o campo de visão. 

Nesta terça-feira (9), dia em que a mãe do rock nos deixa, aos 75 anos, o Papelpop revisita seis discos do catálogo. Aqui, você encontra desde projetos descartados a álbuns detestados pela própria Rita que, mesmo sendo igualmente incríveis, caíram no esquecimento. 

“Cilibrinas do Éden” (1974)

Este aqui talvez só os fãs hardcore de Rita Lee parecem conhecer. Fruto de uma parceria sua com Lúcia Turnbull (que já tinha feito vocais em “Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida”, de 1972), “Cilibrinas do Éden” nada mais é do que uma espécie de ensaio para o que Rita viria a fazer, posteriormente, com o Tutti Frutti. 

A ‘cilibrina’ era um código interno d’Os Mutantes para maconha. Com dois discos solo na bagagem e já fora d‘Os Mutas’, Rita andava insegura sobre quais rumos tomar e resolveu unir forças com a amiga, fundando uma dupla. 

Mesmo flertando com a psicodelia, o projeto originado dessa união se centrou em violões e vocais angelicais, que formaram uma seleção de faixas com pegada acústica. Nem o público, nem a gravadora o receberam bem, de modo que foi engavetado. 

Seu lançamento pirata segue por aí ecoando uma face rara de Rita Lee. Surgiram dessas sessões, por exemplo, “Shangrilá” (a princípio chamada de “Bad Trip”), faixa que depois seria refeita e eternizada no LP “Lança Perfume” (1980) e um tanto mais deprê, sem o final apoteótico em que Rita diz: “Tive, sim, vontade de… dar”.

“Entradas e Bandeiras” (1976)

Passado o frenesi de “Fruto Proibido”, Rita Lee & Tutti Frutti gravaram um novo disco. Em acordo com a gravadora, a banda produziu às escondidas o LP “Entradas e Bandeiras”, sem a presença da artista — o que ela afirmou, anos depois, ter provocado um profundo desconforto. 

O fato é que, mesmo não curtindo como os arranjos ficaram, Rita se vê brilhante nas canções que compõem este álbum com cara de lado B. 

Além de ligar o fod*-se para os críticos (incluindo seus colegas de banda) em “Corista de Rock”, uma potente faixa de inclinação feminista em que expõe suas inquietações, Rita apresenta com elaboração personagens como Lady Babel, essa figura sagaz que atravessa a metrópole tentando se desvencilhar de doces ilusões. 

Há destaque também para letras canônicas. É o caso da balada “Coisas da Vida”, um hino de resiliência e observação. Foi neste trabalho ainda que surgiram parcerias como “Bruxa Amarela” e “Posso Contar Comigo”, composições feitas com Paulo Coelho e Raul Seixas.

“Bombom” (1983)

Os anos 1980 foram marcados pelo ritmo alucinado dos hits lançados por Rita Lee e Roberto de Carvalho. Entre a estreia de “Mania de Você” (1979) e “Flagra” (1982), foram muitas as faixas que tomaram conta das rádios e do gosto popular, em um esquema disco-show, disco-show. 

Rita disse, então, que a fonte começou a secar em “Bombom” (1983), projeto que admite ter feito por obrigações de contrato. Mesmo assim, o LP foi produzido em grandíssimo estilo e rendendo momentos memoráveis.

Gravado em Los Angeles com um time de profissionais que já tinha dividido espaço com Michael Jackson, Miles Davis e uma “iniciante Madonna”, o material entrega pérolas como o rock elegante “On The Rocks”, a misteriosa “Raio X” e a sensual “Strip-tease”. 

Os “rockarnavais” aparecem, também, acenando inclusive para o público queer. Rita diz ter dedicado as faixas “Bobo da Corte” e “Menino” ao amigo Ronaldo Resedá. A censura, no entanto, não tinha terminado e “Arrombou o Cofre” (interpolação de “Arrombou a Festa”) veio riscada nas primeiras tiragens. Saiu depois em instrumental e, finalmente, em CD com a versão original. Escrachada até não poder mais!

Nem todo mundo lembra, mas esse projeto é também quem revela ao mundo pela primeira vez um clássico da sofrência: “Desculpe o Auê”, composta após uma crise de ciúmes por Roberto. Uma beleza sem igual. 

“Perto do Fogo” (1990)

Último disco do contrato de Rita e Roberto com a EMI, “Perto do Fogo” recebeu seu título a partir de uma composição homônima dada de presente por Cazuza à amiga artista. 

Para além desse rock chique, que reflete um desejo de reencontro com as coisas mais simples e a constatação do colapso das metrópoles, vale a pena redescobrir canções como a regravação de “La Javanaise”, de Serge Gainsbourg, e “La Miranda”, que Rita diz ter dedicado a também cantora Carmen Miranda, de quem sempre foi fã. “Esfinge” e “Uma Noite em Hong Kong” revelam uma visão ampla do amor e do mundo.

“Todas As Mulheres do Mundo” (1993)

Lançado em 1993 e gravado “sob efeito etílico”, este disco traz uma importante atualização das questões femininas sempre abordadas por Rita. Embora tenha saído só com o nome da artista, que preferiu rebatizá-lo no âmbito privado, o material rende não apenas uma homenagem a mulheres icônicas (entre elas a modelo transexual Roberta Close, tão famosa quanto alvo de preconceito a essa altura), mas também o radicalismo de “Menopower”, em que esmigalha o tabu da menopausa, que experimentava à época.

Rita também homenageia as amigues drag queen e o ícone Itamar Assumpção, de quem gravou uma composição feita sobre seus olhos, “Só Vejo Azul”. Entre o clássico e os experimentos é que surgem canções como o reggae “Tataratlantes” e o rock “Filho Meu”, este último dedicado a um dos filhos, Beto Lee.

“Rita ReLeeda” (2000)

Antes de que a trilogia de remixes “Classix Remix” invadisse as redes sociais e as pistas de techno, Rita Lee já tinha feito sua incursão pelo eletrônico. 

Na virada do milênio, ela convocou um time de DJs imponentes para conferir a seus muitos hits novas versões. Subversão foi a palavra de ordem. Sem a estética pop rock que a consagrou, a cantora viu seus vocais serem entremeados por beats e ritmos até então inéditos. 

O resultado fez com que, cerca de vinte anos antes, fãs e admiradores fossem às pistas redescobrindo todo um legado que seguia imparável, sempre em ascendência. Mãe das pistas!

 

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