música

Morre aos 75 anos Rita Lee, a mãe do rock brasileiro

Esta é a notícia que ninguém queria dar. Faleceu na noite desta segunda-feira (9) a cantora e compositora Rita Lee.

A notícia foi dada pela família nas redes sociais. Segundo o comunicado, a estrela morreu em casa, ao lado de seus parentes. Por vontade própria, a grande cantora será cremada em uma cerimônia particular.

O velório será aberto ao público no Planetário do Parque Ibirapuera nesta quarta-feira (10), no período da tarde. A causa da morte não foi revelada.

Veja o comunicado:

Aos 75 anos, ela tinha passado, recentemente, por um tratamento contra um câncer no pulmão, descoberto ainda em estágio inicial. Em abril de 2022, um de seus filhos, Beto Lee, afirmou que a estrela havia vencido a doença.

Os últimos anos foram reclusos e tranquilos em uma propriedade rural no interior de São Paulo. Ao lado do amor, Roberto, Rita seguiu trabalhando em discos de remixes, livros de memórias e histórias infantis. Disse, em entrevista ao Papelpop, ter se tornado “uma velhinha porreta e feliz”.

Uma faixa inédita, “Change”, foi lançada durante a pandemia, em 2021. Mais uma vez, aos 70 anos, seguia contestadora, à frente de qualquer tempo. “Mude a questão: ‘Por quê?’/mude a questão: ‘Por que não?’/Porque a vida não é nem assim-assim”.

Carreira pioneira

Uma precursora da música popular nacional, Rita nasceu no bairro Vila Madalena, em São Paulo. Filha de pai norte-americano e mãe italiana, ela se interessou por música desde muito cedo. Fez aulas de piano com a icônica professora Magdalena Tagliaferro até que, na adolescência, passou a integrar bandas estudantis.

O sucesso, entretanto, só chegaria quando formou uma aliança com Arnaldo Baptista e Sérgio Dias. Juntos, eles fundaram o grupo Os Mutantes, um símbolo do rock, da rebeldia e da psicodelia para as gerações futuras.

Após ter sido expulsa do grupo, Rita decidiu voar sozinha. Dedicou seus primeiros anos em carreira solo a lançamentos que flertavam com o experimentalismo — o que desagradou, a princípio, sua gravadora. Com o Tutti Frutti, banda que depois patenteou o nome e a impediu, judicialmente, de incorporá-lo a processos futuros, ela ensaiou seus primeiros sucessos.

Mesmo com cara de “lado B”, discos como “Entradas e Bandeiras” renderam hits ainda hoje exaltados como “Coisas da Vida” e “Corista de Rock”.

Foi a partir de “Fruto Proibido” (1975) que a cantora ditaria as regras do jogo, mostrando que a forma de criar precisava ser reinventada. Era preciso ter culhão pra fazer rock? Rita foi lá e fez, com úteros e ovários, uma transformação cor-de-rosa.

Voz ativa na ditadura militar

Em plena ditadura militar (1964-1988), Rita Lee cantou sobre liberdade em diferentes sentidos ao evocar figuras icônicas como Luz del Fuego e subverter as confusões que se criaram a partir de interpretações equivocadas da bíblia.

“Esse tal de Roque Enrow”, transvestido de rapaz rebelde conversor de mocinhas, foi quem trouxe um som diferente capaz de mudar o sol. Aberta às sensações, ela provou a própria maçã envenenada ao lançar discos irresistíveis.

Três anos depois, seria a vez de “Babilônia”, trabalho que a levou de vez para o âmbito pop. Na companhia de Roberto de Carvalho, com quem firmaria uma parceria nos estúdios e na vida, ela apresentou a Miss Brasil 2000, viu discos voadores e se mostrou afiada na hora de criticar o que àquela altura era moda.

Na virada dos anos 1980, Rita já era a artista mais censurada do Brasil pelo regime, incomodado com sua ousadia. Na mesma proporção em que tentavam calá-la, inclusive levando-a presa, a mãe do rock fazia hits.

Ela experimentou tudo o que quis

Os discos “Mania de Você” (1979) e “Lança Perfurme” (1980) a levaram a discutir o prazer feminino sob uma perspectiva de protagonismo. Se os homens falavam de foder garotas, carros e seu lifestyle rebelde, Rita colocava a mulher em posição de domínio.

Presa, aliás, ela firmou uma de suas principais amizades: Elis Regina, que ao fim da vida acabou gravando “Alô, Alô, Marciano”. Foi mais uma canetada do casal R&R.

Imersos na década de 1980, perdidos entre o sucesso e questões pessoais como luto, uso de drogas e a perseguição da imprensa, Rita e Roberto seguiram inabaláveis. “Saúde” (1981), “Banho de Espuma” (1982) e “Bombom” (1983) venderam milhões de cópias.

Ambos não se renderam ao marketing e fizeram “Rita e Roberto”, disco dark-deprê que calou a boca dos críticos ao trazer o nome do casal logo no título, já que acusavam Roberto de “se escorar” no sucesso da esposa. Cinematográfico, o material referencia de Hitchcock a personagens suicidas como Gloria F — sempre com a cinzenta São Paulo ao fundo.

Tais projetos levaram Rita ao palco do primeiro Rock In Rio (1985) e a cruzar o Brasil em turnês com datas esgotadas. Nascia, talvez, a primeira grande popstar do País. Sem medo dos tabus e cobranças, ela experimentou tudo o que quis.

“Não faço discursinho de Madalena arrependida”, disse a artista, em 1997, no programa da amiga Hebe Camargo.

Precursora do estilo acústico

Nessa mesma década, Rita seguiu invicta. Às vésperas de completar 50 anos, pavimentou o caminho para os shows acústicos que depois seriam um sucesso no canal musical MTV.

Lançou o disco “Bossa n Roll” (1991), fruto de um espetáculo intimista em que cantava grandes sucessos e versões de The Police e Rolling Stones. Em 1993, falou abertamente sobre a menopausa no disco autointitulado, além de reverenciar grandes mulheres. Entre elas, a transexual Roberta Close em uma época em que o conservadorismo permanecia rijo, mesmo com o passar dos anos.

A própria Igreja Católica a excomungou, em 1995, após Rita ter se vestido de Nossa Senhora Aparecida e rezado a Ave Maria, durante o show que fez na abertura da turnê dos Rolling Stones. A Arquidiocese do Rio de Janeiro considerou a homenagem “sinal de grave decomposição moral, afrontando os sentimentos religiosos da maioria da população ao envolver a figura da Virgem Maria com tantas ofensas a seu filho”.

Foi o sintoma perfeito para a criação de um novo disco de inéditas, “Santa Rita de Sampa”. A defensora “dos fracos e comprimidos” mais uma vez ironizava aqueles que tentavam desacreditá-la, relacionando seu legado à promiscuidade. Temas como casamento gay e uso de drogas estariam na pauta, mais didáticos até do que programas governamentais voltados para a causa.

Rita & Roberto

Nos anos seguintes seguiram-se turnês acústicas, homenagens aos Beatles e, sempre, plateias lotadas. Em Buenos Aires, Rita conseguiu o feito inédito de esgotar o Luna Park, uma das mais prestigiadas casas de show da Argentina.

Em 2001, ela e Roberto pareciam ter ainda mais química. Dois dos maiores sucessos da carreira surgiriam aí: “Erva Venenosa” e “Amor e Sexo”. Esta última, baseada em uma coluna do jornalista Arnaldo Jabor para o jornal O Estado de S. Paulo, a faixa invadiu as rádios com uma poesia intensa e ao mesmo tempo simplificada sobre esses dois temas fundamentais, tão complexos.

O disco “Balacobaco” (2002) também trouxe colaborações inéditas, representativa dos tempos que vivia: com Fernanda Young, sua “filha” adotiva e companheira de bancada no “Saia Justa” (GNT), Rita compôs “Hino dos Malucos”.

A aposentadoria nos palcos aconteceu em janeiro de 2013, quando se apresentou para uma multidão no aniversário de sua cidade natal. No catálogo, mais um hit: “Reza”, uma espécie de mantra que a protegeu até o último segundo em cena.

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