Quase dois anos se passaram desde a última música lançada pela cantora e compositora carioca Mahmundi. “Aposta” veio ainda em 2021, unindo seus vocais com os do colega Rubel harmoniosamente. Mas de lá até aqui, ela não parou no tempo, não!
Neste período, a artista trabalhou ativamente como membro votante do Grammy, atuou em painéis de música e até virou mentora de projetos musicais. Foram meses e meses coletando diferentes experiências que, agora, refletem em sua produção artística.
O primeiro exemplo disso é “Sem Necessidade”, single recém-lançado na noite da última quinta-feira (09). A faixa marca o retorno de Mahmundi e abre caminhos para o ainda inédito “Amor Fati”, disco que chega em abril com outras oito canções.
Em entrevista ao Papelpop, a artista falou sobre a trajetória que viveu nos últimos dois anos e sobre “Sem Necessidade”. Além disso, ela adiantou alguns detalhes de novo projeto de estúdio.
“O lançamento é agora em abril. Bem pertinho. E é um álbum de nove faixas que a gente lança para já dar continuidade a um novo mundo no segundo semestre. Estou bem feliz.”
Papelpop – “Sem Necessidade” quebra um jejum de dois anos, já que “Aposta”, sua colaboração com Rubel e última música lançada até então, saiu em 2021. Por que essa demora entre um lançamento e outro?
Mahmundi – Nestes últimos dois anos, eu estava me dedicando a algumas maluquices [risos]. Desde criança, eu tinha alguns sonhos: ganhar um Grammy e fazer parte de uma gravadora. Quando eu falo para as minhas amigas que a minha referência era Avril Lavigne, elas ficam me zoando. Mas eu lembro de quando vi, pela primeira vez, Avril Lavigne no Grammy e falei: “cara, eu quero estar vivendo isso um dia”. Quando você cresce, a vida vai te dando oportunidades e você vai mergulhando. Comecei a estar no Grammy como membro votante, a estar na categoria trabalhando e ajudando os profissionais, a estar [participando de] uma mudança no mercado da música. Quando fui convidada, eu fiquei muito honrada e feliz. Comecei a trabalhar em painéis de música e fui convidada para ser mentora de um projeto em Fortaleza, no Instituto Dragão do Mar. Comecei a perceber que eu poderia estar inspirando outras pessoas e me inspirando também, porque, nesses processos, eu saía muito mais alimentada. Quando você ouve as histórias das pessoas, elas atravessam a vida. E eu sou muito resenheira, adoro ficar conversando com gente diferente de mim. Também fui para os bailes funk, fui para a rua, fiz tudo que eu não fazia tanto na época da igreja ou na época que eu trabalhava — eu trabalho desde muito cedo, desde meus 9 anos. Aí fui começando a perseguir a história que eu comecei em 2012, que é fazer música e [se questionar]: “ótimo, mas que som tem essa música?”. Um dia em que eu estava em Las Vegas, depois da premiação, fui para um casino e fiquei olhando. Eram 4h da manhã e música, música, música. É quando a música vira um produto, né? Tanto para o fone, entretendo as pessoas, quanto para casamento, para festa, para chorar, para sorrir. No meio desse processo está a gente, produzindo a música e vivendo as histórias. Então, esses dois anos foram muito maravilhosos. Quando a gente é mulher, mulher preta e de periferia e sai da agenda do que é para ser, causa um estranhamento: “como assim parar por dois anos?”.
Papelpop – Mas você não parou por dois anos.
Mahmundi – Eu não parei por dois anos. Eu estava trabalhando. Mas o que esperam das mulheres, das divas, das perfeitas? Quando você quebra a agenda, você não está fazendo nada… você é uma artista difícil. Não. Para mim, foi muito importante entender, graças à terapia, que tem uma vida acontecendo lá fora. A gente fala tanto de diversidade e mudança, mas elas precisam realmente acontecer. Esses dois anos foram muito disso.
Papelpop – É interessante ouvir você falar isso porque, muitas vezes, diante de uma indústria cada vez mais rápida, esquecemos que existe um processo fora do estúdio. Não é só gravar e soltar nas plataformas. Você se sente pressionada para produzir?
Mahmundi – Já me senti pressionada. Sabe quando tudo está rolando para você, mas as pessoas começam a dizer que não está funcionando e você fica na dúvida? E aí você tem que usar a sua intuição feminina e falar: “mas está funcionando para mim”? Acho que era isso para mim. Quando teve o boom do TikTok, eu fiquei meio chocada. Comecei a perceber que os produtos estavam atendendo às demandas da plataforma, o que, na minha cabeça, é uma grande loucura.
De repente, está todo mundo dançando – e tudo bem, eu também danço, tem uma coreografia de “Ai Papai”, de Anitta, que eu aprendi e fiquei muito orgulhosa –, mas eu fiquei pensando. A plataforma nunca te diz que dá para você editar um vídeo lá, fazer receita, fazer um trabalho de colagem, fazer uma música, mas vai te dar o que funciona para ela. De repente, você está trabalhando para uma máquina. E a gente trabalha mesmo, mas, para mim, foi muito confuso. Teve um momento que deu uma bugada. Não sei se você acredita, mas eu acredito muito em energia… a gente é feito disso, né?
Se você começa a emular esse tipo de medo, que é um medo digital de não ser reconhecido e não receber like, você vai entrar em parafuso. Para mim, não estava fazendo sentido. E, então, eu fui estudar artes visuais e textura de som de novo. Hoje em dia, você consegue fazer mixagem online — posso pagar US$ 200 e fazer um negócio com uma pessoa. Está muito mais legal. Acho que é como você usa o seu processo criativo nisso tudo. Acho que esse foi o grande trunfo desses dois anos.
Papelpop – E como você está se sentindo agora, com “Sem Necessidade” marcando seu retorno?
Mahmundi – Estou feliz demais. Estou com a mesma sensação de quando eu tinha 26 anos, quando lancei ‘Desaguar’ e ‘Calor do Amor’, porque é meu, sabe? Eu fiz aquilo, eu estava lá, a gente montou junto. Eu fazia isso com meus amigos nos nossos clipes baratos. Chega um momento que é massa, que você tem uma equipe gigante trabalhando, mas eu ainda curto esse manual. Estou em paz [com esse lançamento]. Mesmo se o público não gostar — mas eu sei que eles vão gostar [risos] —, eu vou ficar bem também.
Papelpop – “Sem Necessidade” é uma composição de Josefe, um artista e um amigo seu de São Paulo. Como a música foi parar nas suas mãos e por que foi a escolha para o seu retorno?
Mahmundi – Josefe compõe para algumas pessoas, participa desse processo de song camp. Não sei, acho que ninguém comprou muito a ideia dessa música e ele falou: “ó, tem essa música aqui, vou te mandar um áudio”. Quando ouvi, fiquei louca. Falei: “essa música é muito f*da e pode ser tanta coisa, pode ser um pop, pode ser um trap, pode ser tudo”. Fui produzindo, pensando nessas sensações. Chegamos à conclusão de que era uma música jovem, porque conseguia ter a angústia da necessidade de fingir e desse joguinho que a gente acha que não vai viver aos 30 anos, mas vai. Vai fazer joguinho com 40, com 50, com 80 [risos]. E aí, quando Tagua Tagua trouxe a aura dele, com as guitarras e tudo mais, a gente viu o poder da música. Eu gosto muito dessa história de que uma boa canção é uma boa canção. Fico perseguindo a canção, sabe?
Papelpop – O single trata do joguinho com um “pedido”: para que alguém não finja, baixe a guarda e fique. Acaba sendo um “pedido” por transparência e sinceridade em uma relação, né? Qual é a sua visão sobre isso?
Mahmundi – É muito doido porque tem uma coisa nos joguinhos que é emocionante. Mas estava conversando com uma amiga minha que falou: “cara, eu não gosto desse negócio de jogo, eu gosto de acordar com a pessoa, que ela esteja lá e que a gente divida uma vida”. Eu falei: “pô, ou você está encontrando uns homens muito maneiros ou, em algum momento, você teve que fazer essa pergunta para jogarem limpo e serem sinceros”. Eu acho que é isso que acontece. Quando eu me relacionava muito com homens, ficava só indo, tendo aquela relação. E aí você começa a se relacionar com mulheres, com outras pessoas, e você vê que tem uma transparência que dá para mapear. Acho que essa música tem muito disso: deixa o tempo passar, esquece, vamos ficar aqui vivendo essa realidade comum. Acho que o mundo está ficando tão solitário, tecnologicamente falando, porque é tanta gente fazendo mal que a gente acaba querendo só ficar em paz. Mas esse “em paz” pode acabar virando uma solidão. Então o pedido de “Sem Necessidade” é esse. Não precisa de tantos jogos, não precisa fingir. O tempo que a gente passa fazendo isso, a gente pode só dar o nosso melhor junto.
Papelpop – “Sem Necessidade” ainda vem com um clipe todo em preto e branco, com imagens suas e de paisagens urbanas. Como foi o desenvolvimento desse registro audiovisual?
Mahmundi – Eu e Guilherme Junqueira, que é o diretor criativo desse projeto, pensamos muito nessa história de não ter lugar nenhum. Tem imagens de Nova York, tem imagens do Rio de Janeiro, tem imagens de São Paulo, todas muito picotadas e editadas. É um lyric video muito rápido, todo gravado em película. A gente fez as fotos em 35mm e usou rend cam no espaço em branco. Fui cantando a música várias vezes e dando outras sensações, com imagens que faziam sentido com aquilo. Tem pessoas outras, aleatórias. E acho que o preto e branco tem uma coisa do zero para mim. É como [se eu estivesse] começando de novo. As próximas músicas vão colorindo isso – ou não. Foi um processo muito massa. Ele monta, desmonta, apaga, volta…
Papelpop – Além de marcar seu retorno, “Sem Necessidade” abre caminhos para o disco “Amor Fati”. O que você pode adiantar dessa nova produção?
Mahmundi – O lançamento é agora em abril. Bem pertinho. E é um álbum de nove faixas que a gente lança para já dar continuidade a um novo mundo no segundo semestre. Estou bem feliz, esperando que vocês gostem e ouçam.
Papelpop – As faixas têm a mesma sonoridade e tema de “Sem Necessidade”? O que podemos esperar desse álbum a nível de estilo musical e letra?
Mahmundi – Tem uma faixa que fala de cidade. Tem umas que falam de amor. Tem a volta das guitarras, tem algumas synth. Tem muitas coisas que lembram a Mahmundi de 2012. Eu adorei fazer um disco com violão e bateria, mas eu gosto mesmo de uma bateria eletrônica, de um synth. Sou viciada [risos]. Estou animada.
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