A morte da jornalista Glória Maria pegou a todos e todas de surpresa nesta quinta-feira (2). Um símbolo da era moderna na televisão brasileira, ela faleceu vítima de complicações de um câncer, no Rio. Além de fãs, amigos e admiradores, ela deixa um legado marcado por grandes aventuras.
Suas entrevistas, por exemplo, são um marco na história da cultura pop. Antes dela, nenhum profissional teve tantas oportunidades de estar cara a cara com figurões da indústria, para além das diversas personalidades políticas. Glória Maria abriu portas e mostrou que era possível, sim, inaugurar uma nova forma de conduzir conversas importantes, inteligentes, respeitosas.
Do seu jeito, ela conseguiu equilibrar bom humor e pautas relevantes. Abaixo, você relembra alguns desses momentos.
Em 1985, o líder dos Rolling Stones, Mick Jagger, veio ao Brasil para a gravação de um videoclipe. À época, ele trabalhava em seu primeiro disco solo, “She’s the Boss”. A entrevista, como acontecia de praxe, dividia-se entre o inglês e o português. Jagger, sentado no sofá, já tinha falado com a imprensa em coletiva, mas topou receber Glória Maria em particular.
Foi tudo muito rápido. Gente como a gente, a jornalista aproveitou a oportunidade para tietar o ícone e pedir um autógrafo. O que ela não esperava era que Jagger, bastante amistoso, se despedisse com um beijo. Anos depois, eles se tornariam próximos. Foi a própria repórter quem apresentou o astro à então modelo brasileira Luciana Gimenez, tempos depois mãe de seu filho Lucas Jagger.
Xuxa, Marília Gabriela, Paulo Henrique Amorim, Zeca Camargo… todos esses colegas e amigos de Glória Maria já tinham entrevistado Madonna. A sensação era uma só: pavor. A rainha é conhecida nos bastidores por ser uma pessoa extremamente esperta diante da câmera, não dando a menor chance para um momento de descuido.
“Eu nervosíssima, achei que ia me enrolar numa palavra. Ela deixou passar batido, entendeu tudo. Aquela mulher temperamental, grosseira que diziam, foi uma das pessoas mais delicadas, gentis que eu encontrei pelo caminho”, contou a jornalista após se sentar para conversar com a pop star, em 2005, durante a divulgação do disco “Confessions on a Dance Floor”.
“Ela foi de uma simpatia, de uma gentileza”, completou. Anos depois, ela relembraria o episódio para o programa Memória Globo. À ocasião do bate-papo, Madonna estendeu a curtíssima janela de tempo dada à brasileira e ainda ganhou um presente.
No ano de 1996, o rei do pop Michael Jackson veio ao Brasil ao lado do cineasta Spike Lee. Juntos, eles subiram o morro Santa Marta, no Rio de Janeiro, para as gravações daquele que seria um de seus videoclipes mais lembrados até hoje: “They Don’t Care About Us”.
Ele e Gloria Maria não conversaram à frente da câmera, e sim nos bastidores. “A gente conversou antes, ele me disse ‘Não dou entrevista, mas quero conversar com você'”, contou a artista à GloboNews, em 2015.
“Aí conversamos, foi quando descobri que ele tinha vitiligo, e eu me senti muito mal por ter como todo mundo achado que ele queria embranquecer”, disse. Era muito mais fácil clarear os 20% que faltavam do que os 80% de pele negra que ainda restava. Ele quis saber, quem eu era, por que as pessoas gostavam de mim, por que me gritavam. Expliquei que era praticamente uma das únicas negras que trabalhavam na TV brasileira e fui a primeira repórter do Brasil. Ficou encantado. Vou permitir que você me faça uma única pergunta. Terminaram as gravações e ele mandou me chamar”.
Em agosto de 2020, em plena pandemia, Glória Maria abriu o próprio baú e resgatou em seu perfil no Instagram um trecho da entrevista que realizou com o ator Harrison Ford. A data em que as gravações ocorreram? Segundo ela, há pelo menos 20 anos. Qual a coisa mais importante do mundo pra você?, questionou a brasileira.
“Acho que a coisa que realmente importa é não passar a vida inteira atrás de coisas e no final não ter nada para mostrar além de coisas”, disse o galã. Glória ainda brincou dizendo: “Ainda podia enxugar o rosto suado dele no calor da Bahia com a minha toalhinha de mão”.
Foram várias as conversas que Glória Maria teve com o rei, Roberto Carlos. A mais expressiva, entretanto, talvez tenha sido a entrevista de 2005 em que ela fala sobre a decisão do cantor de se tratar contra um transtorno obsessivo compulsivo, popularmente conhecido como TOC. A conversa abordou temas como fé, amor, fama e anonimato, além de trazer uma questão central: pesa ser o rei em algum momento?
“Em primeiro lugar, não me sinto assim [como rei]. É uma coisa que as pessoas me deram, um tratamento com muito amor e carinho, mas não me sinto”disse. Gloria insistiu: Saberia ele viver sem essa pecha? “O povo me mima realmente, e isso é muito bom. Logicamente, é uma coisa que a gente se acostuma”, brincou.
Em 2019, durante a gravação de um show em Jerusalém, em Israel, o artista convidou a amiga para se juntar a ele no palco. “Foi um momento lindo de verdade e, para mim, foi mais lindo porque fui convidada a apresentar. E teve a surpresa dele me pegar e a gente começar a dançar. Roberto estava em estado de graça, estava tudo maravilhoso. Um momento de confraternização e espiritualidade fortíssima”, comentou Glória.
Para o “Fantástico”, Glória Maria viajou até Nova York no dia em que Mariah Carey recebeu 8 indicações para o Grammy pelo disco “The Emancipation of Mimi” (2005). Com franqueza e confiança, a cantora se permitiu falar sobre o momento que vivia, dando a volta por cima. Além de ser questionada sobre a fama e os desafios da carreira (entre eles um divórcio e o fato de a estreia do LP “Glitter” ter acontecido justamente no dia 11 de setembro de 2001), a artista também se viu diante de uma pergunta importante sobre sua birracialidade.
“No Brasil é tudo diferente, a grande maioria das pessoas é miscigenada. Mas aqui nos Estados Unidos pedem que eu explique sempre o que sou”, explicou. “Foi muito difícil a minha infância, quando estava com meu pai negro eu via o racismo nos olhos das pessoas. Quando estava com a minha mãe, uma irlandesa bem branquinha, o tratamento era muito diferente”.
Ela esteve presente na aterrissagem da banda na capital carioca e pode entrevistar o frontman da banda, Freddie Mercury, na sacada do hotel Copacabana Palace – diante do mar. É bem verdade que o inglês de Glória não era o melhor de todos, mas a simpatia da jornalista fez com que o líder do Queen, entre um trago e outro, se divertisse durante a rápida conversa com o fato de ela traduzir as perguntas. Ao ser questionado se tinha alguma surpresa para o público, o cantor se divertiu dizendo “Eu sou a surpresa”. Ele também abraçou Glória durante a rápida conversa.
Naquele mesmo Rock In Rio, Glória atuou fortemente nos bastidores. Entre as estrelas brasileiras, ela fez questão de conversar com Rita Lee, que acabava de sair do palco. No êxtase do momento, a mãe do rock quis saber de Glória o que ela própria tinha achado do concerto. Ao dizer que Rita estava linda em cena, a cantora tomou sua opinião como a síntese definitiva do espetáculo.
É difícil imaginar que uma artista da magnitude de Gal Costa não tenha sido questionada sobre absolutamente todos os assuntos. Mas, nos anos 1980, Glória Maria teve a chance de visitar Gal na orla carioca para falar sobre seu novo hobbie: dirigir. É uma pena que o registro completo dessa entrevista, veiculada no “Fantástico”, não esteja disponível. O encontro entre as estrelas do jornalismo e da música exala uma energia leve, divertidíssima.
Gabaritando o clã de grandes estrelas, a jornalista foi até o Reino Unido para visitar Elton John, em 2001. A locação? O castelo em que o astro vivia. Em sua sala de estar, ele a recebeu de roupa de ginástica para uma conversa descontraída que tratou de escândalos, paixões e felicidade.
“Só consegui ver a vida diferente quando deixei as drogas e o álcool”, disse. “Agora eu acredito no amor, encontrei a grande paixão de minha vida, com quem estou casado há 8 anos”. Glória quis saber também qual seria seu segredo para o sucesso: “Adorar o palco”. Pelas cenas, o que podemos dizer também é que ambos se adoraram.
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