A poesia que consagrou o duo Perotá Chingó, formado pelas musicistas argentinas Júlia Ortiz e Dolores “Lola” Aguirre, saiu da Argentina e cruzou as ruas de diferentes capitais da América Latina – esse lugar inspirador na mesma proporção em que complexo.
Nesta semana, seus versos minimalistas tomam de súbito as plateias em São Paulo, onde se apresentam no Popload Festival, nesta quarta-feira (12), e no Rio de Janeiro, no dia 15, no Circo Voador.
Entre o folclore argentino, consagrado por aqui décadas antes com os discos de protesto da conterrânea Mercedes Sosa, e a potência das ruas que, hoje, colocam os gêneros urbanos no lugar de maior destaque da vitrine, a dupla parece construir uma narrativa cheia de magia, em que sua música cumpre a função primordial da arte de dar vazão às emoções – o que, para Júlia, provoca um novo despertar.
“Quando um artista canta ou compõe uma canção, ele entrega ao outro a possibilidade de tomar aqueles versos para si e criar uma identificação, e reinterpretá-la”, diz ela. “Me parece que a imaginação gera um tipo de criatividade e esse entusiasmo interno que são fundamentais para a nossa existência e apreensão do mundo. De repente, estamos diante da possibilidade de saber que nem tudo é tão linear como pensamos, que nem tudo está centrado aqui na terra, que podemos voar um pouco”.
Em entrevista por telefone ao Papelpop, Ortiz comentou aspectos pontuais de sua obra, falou sobre a relação que tem com o país e se disse honrada por viver em um momento de intensas transformações no pensamento crítico da América Latina.
Papelpop – O Perotá Chingó é um nome muito singular nos festivais do Brasil, um país que já se sabe, alimenta uma ampla resistência linguística quando se trata do consumo de música em espanhol. Como foi receber mais esse convite pra tocar por aqui?
Julia Ortiz – Ir ao Brasil nos enche de alegria por vários motivos, mas principalmente porque somos uma banda argentina, que se comunica em espanhol. Só o fato de ir até aí já seria algo significativo, mas acho que neste momento, às vésperas de uma eleição importante, ganha outros contornos. A situação que vive o país é profunda e potente. Então, para nós sempre foi interessante observar o carinho com que os fãs brasileiros sempre nos receberam, porque esta era justamente a percepção que conservávamos do Brasil em nosso imaginário. Sinto que o país tem uma cultura muito fechada para o que acontece ao redor, em países vizinhos. O público ou escuta a sua própria música, ou coloca pra tocar bandas norte-americanas e europeias que já são parte do mainstream. Perotá Chingó é uma banda independente, formada por duas mulheres argentinas. Acho que isso significa muito. Queremos devolver esse abraço de alguma maneira porque, de fato, existe uma conexão muito bonita entre nós.
Papelpop – Você falou há pouco sobre o fato de ser uma banda independente. Ainda que vocês tenham conquistado tantas coisas nos últimos anos, segue sendo um desafio, não?
Julia Ortiz – Tudo tem essa dualidade do positivo/negativo, mas para nós duas… sentimos que existe uma comunidade que nos acompanha. Isso sempre foi muito importante, ao longo do tempo fomos criando laços com produtores locais, com pessoas da cena independente que nos permitiram ter um apoio. Nós duas, Lola e eu, também seguimos apoiando outras bandas que trilham os mesmos caminhos. Hoje em dia, as gravadoras estão mais focadas em coisas como fazer com que apenas uma banda insurgente bombe ao ponto de chegar ao mainstream, né? Mas depois de ter lançado uma porção de projetos que são super lindos e super válidos, ainda que igualmente menores, isso pode ser enxergado como algo valioso também. Então, sinto que agarrar um público pequeno e não ter a aspiração de ser ‘a banda número 1 do mundo’, formando uma família, uma comunidade singela… isso, para mim, já pode ser considerado como o sucesso.
Papelpop – As canções do Perotá trazem referências muito claras dos vários países pelos quais vocês passaram e me parece ser fundamental para um artista que quer ser ouvido nas ruas esse desejo de ganhar o mundo, de percorrer longas distâncias em um encontro com quem eventualmente o ouviria. Em que medida as ruas de Buenos Aires têm sido inspiradoras?
Julia Ortiz – Buenos Aires é a nossa cidade natal e, consequentemente, é uma influência forte. Acho que no início, Lola e eu estávamos mais conectadas com o folclore argentino, que vem do norte. Sons como as coplas populares e a canção raíz. Mas acho que neste momento temos nos permitido fazer uma abertura cada vez maior para entender e experimentar junto à cena urbana, que cada vez mais ganha visibilidade por aqui. O próprio tango, que é um clássico, faz parte disso. Aliás, vamos cantar um tango no show do Brasil. Queremos compartilhar um pouco do que somos, coisas que vem de onde saímos. É super inspirador caminhar pelas vielinhas de Buenos Aires, porque você nota que existe toda uma beleza real. Diria que hoje o que mais me inspira é Buenos Aires.
Papelpop – Em “Barro”, vocês fazem uma metáfora com o fogo da qual gosto muito. Como a poesia pode auxiliar na aquisição de uma visão mais ampla dos sentidos e das nossas inquietações?
Julia Ortiz – Quando você compõe uma letra, sempre sinto que depois de entregue ela passa a oferecer uma interpretação que é única para cada indivíduo. A imaginação é a chave para o despertar e me parece que a alquimia está nisso, existe uma química nesse processo. Eu mesma escrevi a letra de ‘Certo’ e muitas pessoas me questionaram ao longo desses anos o significado dos versos ‘Donde duela nunca dudes’ (‘Onde dói, nunca duvide’, em tradução literal). Para quem escuta, ela pode significar muitas coisas, coisas diferentes do que eu mesma pensei. Pra mim existe uma certa graça nesse processo, na união do ouvinte e do artista. A interpretação faz com que se produza uma nova obra.
Papelpop – Vejo a natureza como um ponto fundamental para a direção artística da sua obra, e isso tem se intensificado nos trabalhos mais recentes. Vivemos na América Latina um momento de profundas transformações, em que há muita violência contra as florestas e os povos originários, mas também um forte desejo de transformação. Como criadoras, como sentem o que acontece ao seu redor?
Julia Ortiz – Olha, nós estamos muito comprometidas com a natureza que somos, porque sentimos que somos parte delas. Então, é natural que nós apoiemos e tentemos nos conectar a outros artistas que tenham ideais semelhantes, que trabalhem efetivamente neste sentido. Nós queremos que as pessoas se conectem com a natureza que são. Queremos encontrar uma harmonia e nossa missão é, justamente, expressar essa essência para que todos possam entender a necessidade de salvar o meio natural. Nosso compromisso com as causas socioambientais sempre estiveram aí e tenho a convicção de que sempre que exista a possibilidade de apoiar uma causa, vamos nos colocar a serviço dela.
Papelpop – Sinto também o emprego de uma estética mais minimalista nas novas canções. Interna e artisticamente, acha que esse movimento de abdicar dos excessos pode ser determinante na hora de investigar e partir em busca das coisas mais básicas?
Julia Ortiz – Sinto que a coisa mais difícil do mundo é ser minimalista e encontrar a síntese das coisas (risos). Quer dizer, as pessoas tendem a encher, encher, encher tudo para conseguir tampar vazios. Criar sons com, sei lá, 50 adereços, é algo que dificulta o processo de se despir. Mas esse caminho que tomamos agora é interessante, queremos encontrar o que é justo, nem mais, nem menos. Nós, quando cantamos a capella, parece que encontramos essa síntese, não precisamos nem de um violão. É motivante trabalhar nisso.
Papelpop – E o folclore, que falávamos há pouco, traz muito disso.
Julia Ortiz – Totalmente! A copla, por exemplo, é um canto típico de mulheres do norte da Argentina, em geral feito enquanto se está cercada por cabras no campo e tocando um tambor. Essa simplicidade me emociona, é tão pura, sem adornos, sem nada extra. É muito emocionante.
Papelpop – Na faixa “Infinito” vocês evocam, entre metáforas que abarcam os elementos básicos da vida, muitos medos e a necessidade de seguir compartilhando experiências. O que considera infinito?
Julia Ortiz – Boa pergunta. (Ela ri, e pensa por um momento) O que seria infinito pra você?
Papelpop – Acho que os livros (risos). Você sempre pode voltar a eles.
Julia Ortiz – Boa. Acho que eu diria que os seres humanos são infinitos. Nós estamos de passagem por aqui, mas depois seguimos viagem. Para mim, parece que existe um fio imaginário, que continua a se desenrolar infinitamente. Há que se pensar.
Papelpop – Ao pensarmos o contexto artístico e sociopolítico, seria possível dizer que América Latina ensaia a chegada de mais uma primavera?
Julia Ortiz – A América Latina vive um momento de empoderamento e de reconhecimento de seu valor. Sempre houve uma série de percepções equivocadas lá fora, que reforçavam a ideia de que estávamos em ascensão, ou mesmo em uma posição de inferioridade. Agora sinto que estamos tendo consciência do que podemos fazer, e que podemos ter um alcance. Fomos muito oprimidos ao longo dos tempos. E é por isso que agradeço a chance de viver e de fazer parte desse processo tão ativamente. Me parece que algo bonito está surgindo.
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PEROTÁ CHINGÓ NO BRASIL
Data: 15/10/2022
Abertura dos portões: 22h
Local: Circo Voador
Endereço: R. dos Arcos, s/n – Lapa, Rio de Janeiro/RJ
Classificação etária 🚫: 18 anos.
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LOCAL: Bilheteria do Circo Voador
ENDEREÇO: R. dos Arcos, s/n – Lapa, Rio de Janeiro – RJ
FUNCIONAMENTO: A bilheteria do Circo Voador abre 2 horas antes da abertura dos portões. Ingressos disponíveis para toda a programação.
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