Chega às plataformas de streaming nesta sexta-feira (23) o novo disco de Tulipa Ruiz. “Habilidades extraordinárias”, como foi batizada a obra, é seu primeiro álbum de inéditas em quase 7 anos.
Nas palavras da autora, este é um disco “pós-confinamento, com os hematomas e as dores decorrentes de tanta violência social, política, ambiental, nos relacionamentos e trabalhista”.
“Um disco que tenta expurgar o agora, cultivando a coragem em meio a tanta falta de estímulo. Sobre estar viva e presente, sobre renascer a cada dia. Não é à toa que está chegando no primeiro dia de primavera. Sinto que carrego um cajado comigo – literalmente ganhei um de presente, achado nas montanhas de Minas Gerais – que me abre os caminhos e me traz equilíbrio em meio a tantos atravessamentos e desvios”.
Quinto álbum da carreira, o projeto foi gravado em fita analógica e tem produção de Gustavo Ruiz, guitarrista e parceiro de inúmeras outras canções do repertório de Tulipa. Abaixo, você confere a capa.
Já pensou de onde vem esse título? A própria artista te conta como ele surgiu, numa situação bastante tensa, mas não menos curiosa.
“Na última vez em que eu e meu irmão e parceiro musical Gustavo fomos à embaixada estadunidense para tirar mais um visto de trabalho, desta vez para tocar no Lincoln Center nova-iorquino, o cônsul cumpria a lista de perguntas protocolares durante a entrevista quando uma delas quebrou a modorra. De repente, ele perguntou se tínhamos alguma habilidade extraordinária. Como assim, habilidade extraordinária? Praticar Parkour? Trapézio? Voar? Achei bizarro e, meio sem graça, meio sem habilidade, respondi não. Gustavo foi mais sagaz: sim, temos. Ganhamos um Latin Grammy. Ouviu-se um “Whaaaaaaaaat?” demorado, seguido por um silêncio no ambiente. O cônsul ficou passado no ferro de Iansã. “Grammy winners? OMG, con-gra-tu-la-tions!”. E carimbou nosso visto na hora, perguntou nossos nomes artísticos, vibrou. Mais tarde fiquei sabendo que existe um tipo de visto de trabalho para os
Estados Unidos facilitado aos indivíduos que alcançaram a excelência nas suas áreas de atuação, seja na ciência, nas artes, educação, negócios ou atletismo. O requerente tem de cumprir uma longa lista de critérios ou ser ganhador de um prêmio com reconhecimento internacional, como um Nobel ou um Grammy. Apreciei a chancela. Afinal, nós artistas temos o papel de Embaixadores da nossa cultura e, sobretudo agora, a responsabilidade de contar ao mundo o que se passa aqui, onde somos atacados por fazer arte em nosso próprio país. Foi importante recebermos esse reconhecimento de nossa excelência, pois fazer música no Brasil de hoje configura, sim, uma habilidade extraordinária. Ser uma mulher autora, ganhadora de um prêmio dominado pela indústria em um país onde a maior parte da arrecadação de direito autoral privilegia os homens é, sim, uma habilidade extraordinária. Sermos autores e produtores de um dos únicos discos brasileiros independentes a ganhar um Grammy, também configura. À medida que fui incorporando a expressão ao meu dia a dia, passei a enxergá-la em muitos lugares e intuí que ela daria nome ao meu próximo disco. Com tanta coisa acontecendo dentro e fora da gente, na sociedade, com a pandemia, com o jabá́ do algoritmo, com os devotos do fascismo, com tanto baixo astral no planeta, passei a reconhecer como habilidades extraordinárias coisas que antes via como gestos cotidianos, absolutamente normais. Como levantar da cama ou conseguir dormir, como sair e voltar para casa sozinha e em paz sendo uma mulher. Viver e resistir neste
contemporâneo é, sim, mais uma habilidade extraordinária.”
Até lá, você ouve o primeiro single, “Samaúma”.
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