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Entrevista — Deize Tigrona retorna audaciosa, exalta liberdade em álbum de funk e eletro e sonha em feat com Ludmilla

É com o tapete vermelho estendido e a coroa posta em sua cabeça, que Deize Tigrona faz o seu aguardado e respeitado comeback nesta sexta-feira (23).

Entregando um projeto de inéditas — o primeiro desde “Garota Chapa Quente”, de 2008, uma das pioneiras do movimento do funk chega carregada de suas histórias, melodias e composições, retomando a escrita brilhante, conhecida por quem acompanha o ritmo.

Em uma entrevista ao PAPELPOP, a rainha do funk — título que ela gentilmente dispensa —, não apenas falou sobre o “Foi Eu Que Fiz”, novo disco sob o selo Batekoo, como contou sobre a liberdade que abraçou em sua vida pessoal, enquanto ficou longe dos holofotes.

“Eu posso ser quem eu quiser. Eu posso também me relacionar com quem eu quiser. O potinho no arco-íris significa isso: a liberdade.”

Foto: Pedro Pinho

Ao longo das 7 faixas, o novo trabalho traz a Deize de sempre, mas mais imponente do que nunca. A audácia está ainda mais grave em suas composições explícitas — que amamos.

A batida que mistura o funk e o eletro vem acompanhada de nomes relevantes do segmento, como Malka, JLZ, Teto Preto, Baptista, DJ Chernobyl e Francês Beats.

Toda a sua bagagem como a principal estrela do funk carioca do final dos anos 1990, e início dos anos 2000, também não foi deixada de lado. Em um cenário limitado, Deize fez o que ninguém antes havia feito e atingiu o que ninguém antes havia atingido.

O primeiro lançamento de sua carreira, “Injeção”, ao lado de DJ Malboro, foi sucesso internacional logo de cara. Realizando shows em toda a Europa, a faixa foi usada por Diplo como sample para “Bucky Done Gun”, de M.I.A. — com quem já se apresentou.

Para a brasileira, o olhar do mercado internacional sempre esteve voltado para o funk: “Seria inevitável essa conjunção não levar a essa abertura [de poder cantar fora do Brasil]. Estamos entrando em um espaço que já era nosso”.

Foto: Pedro Pinho

Ela também levou as batidas ao palco do Rock In Rio Lisboa, em 2008, quando ninguém sonhava com a possibilidade do gênero ser acolhido por grandes festivais — e muito antes do que se é afirmado. Naquele ano, Deize fez uma participação no show do grupo Buraka Som Sistema. No bate-papo, ela reforçou que não há limitações para a arte:

“Muitas pessoas têm esse receio de não ser um espaço para artistas pretos. […] Não tem porquê não abrir a porta para o funk.”

No final da década de 2000, quando experimentava o auge de sua carreira, Deize deixou a música para cuidar da família e tratar de uma depressão que a acometeu. A arte nunca esteve longe dela, enquanto retomava sua vida como gari, ela também se descobriu como artista plástica.

De volta ao lugar que sempre esteve à sua espera, Tigrona comentou sobre sua música mais recente a viralizar, mas que, na verdade, foi criada nos anos 90. Trata-se de “sadomasoquista”, que ganhou o público do TikTok em um mashup com “S&M”, de Rihanna.

“Na maioria das vezes que eu ia fazer baile nas favelas e tinha crianças, eu pedia pra tirar as crianças para eu poder cantar. E hoje em dia, elas estão cantando ‘sadomasoquista’ e fazendo dancinha. Eu fiquei assustada com isso.”

Foto: Pedro Pinho

De olho nos novos nomes do funk, a cantora guarda o desejo de um dia colaborar com Ludmilla, por quem tem grande admiração: “Sendo uma mulher preta e chegando onde está chegando, eu faria um feat com Ludmilla.”

Enquanto aproveitamos “Foi Eu Que Fiz“, nos resta aguardar por essa parceria! Será que vem aí? Leia a entrevista na íntegra:

Papelpop – Em 2021, você fez o seu último lançamento, mas há muitos anos não vemos Deize Tigrona lançando um álbum de inéditas. Agora, sexta-feira você lança o “Foi Eu Que Fiz”. Conta para gente um pouco do processo criativo desse disco! 

Deize Tigrona – Olha, sinceramente eu estou bem nervosa com esse lançamento, porque depois de tantos anos isso está saindo, né? Mas também compreendo o porquê desse tempo, já era de se esperar, mas não pensei nesse meu humor de nervosismo em relação a esse lançamento. Até mesmo porque, conforme a gente vem acompanhando o tempo de hoje, você sabe que você está situada, mas mesmo assim ainda duvidando se é isso mesmo, né? É complicado.

O processo criativo foi… nossa, é isso, né? Veio a pandemia, assinei com a Batekoo em 2019 e aí veio a pandemia, que abalou ambas as partes. A maioria das carreiras por aí não teve uma estrutura, porque o emocional de ninguém estava bom nessa época. Tivemos que seguir esse fluxo, entender essa situação e logo que deu uma amenizada, voltei na ativa com as composições e a Batekoo voltou também com toda força e começamos a pôr em planejamento esse lançamento.

Papelpop – Você falou das composições: você resgatou algumas músicas que estavam guardadas ou se dedicou totalmente para escrever novas para o novo disco?

Deize Tigrona – Tem uma música, que é “Sobrevivente de Rave”, que eu escrevi em 2008 ou 2009. Eu estava andando de moto e decidi escrever uma música diferente. Eu cantei ela num show em Portugal e o cara deu uma remixada e botou a música no Youtube, mas não tive a oportunidade do estúdio, da plataforma. Mas assim que cheguei no Brasil já fui registrando e tudo mais. Essa é uma música antiga, o restante, no caso, eu fui compondo durante o processo de preparação desse projeto.

Papelpop – A musicalidade desse disco vai ser só funk ou teremos você explorando outros ritmos?

Deize Tigrona – Na minha carreira toda, sempre me misturei com o eletro e meu início musical veio de poesia e rap, então escrevi um trap, que é “A Mãe Tá On”, que diz muito sobre uma parte do que vivi e de ter amizades ou acreditar em pessoas e de entender que não é porque é fã, que é súdito. Eu conjugo bastante esse fato.

“Ah, rainha!”, eu fico bem sentida perante a isso porque, ainda mais para nós, mulheres pretas, não é isso. Ainda mais eu que vim de uma época do funk do final dos anos 1990 pra cá, não teve esse negócio de internet. Hoje em dia, vendo o funk do jeito que está, coloquei na cabeça que não é assim… ser rainha. “A Mãe Tá On” vem dessa lembrança da escrita do hip-hop, do início da minha carreira e de uma parte que eu estou vivendo até hoje.

Papelpop – Deize, o que tem no potinho no final do arco-íris, que você disse que vai contar na sexta-feira?

Deize Tigrona – Eu acredito que emoção, motivação, liberdade… estou contando com isso, também. Principalmente, esse fato de ser livre, de viver e entender quem você é ou entender quem você pode ser. Eu vejo que o potinho do arco-íris é a liberdade. 

Papelpop – Você sente que está recuperando essa liberdade?

Deize Tigrona – Sim. Eu sinto isso porque eu tive oportunidade de sair um tempo e pensar em mim, pensar na minha vida. Mesmo tendo três filhos, eu consegui fazer isso e entender que eu posso ser quem eu quiser. E que eu posso também me relacionar com quem eu quiser, entende? Então, esse potinho no arco-íris significa isso: a liberdade.

Papelpop – Suas músicas sempre tiveram um duplo sentido, uma veia mais cômica por trás. Você é essa pessoa engraçada no seu cotidiano?

Deize Tigrona – (Risos) Eu sou bem engraçada, sim.

Papelpop – No novo álbum, existe alguma música que tenha alguma história engraçada, tanto na inspiração quanto nos bastidores?

Deize Tigrona – (Risos) Olha, tem a “Monalisa”. Ela vem de uma situação realmente engraçada, óbvio que foi drástico, mas, no final, foi bem engraçado. Porque é isso, a gente vai se descontrolando, mas aproveita pra rir quando eu digo: ‘Agora veja seu fantasma descer e subir, de quatro, me instigando e dando o dedo pra mim”. Porra! Imagina você olhando pro quadro da Monalisa e imaginando mil coisas, né?  

Foto: Pedro Pinho

Papelpop – Você já provou que o mercado internacional sempre esteve de olho no funk, tanto que já nos anos 2000 tinha seu histórico de parcerias, e “Injeção” ficou conhecida mundialmente. Como você enxerga o movimento do funk hoje em dia?

Deize Tigrona – Isso seria inevitável, porque os beats do funk são todos, a maioria, internacionais. Digo, então, que seria inevitável porque não teria como nós, brasileiros, não termos esses feats com esses beats de lá para cá. E que, com isso, fosse ter essa volta do internacional ter sede na nossa letra, no nosso português. Acho que já era inevitável, querendo ou não.

Eu, no caso, sempre tive essa gana de ficar na Europa, de expandir a música e de mostrar o funk e a minha escrita e quem eu sou. Seria inevitável essa conjunção não levar essa a abertura. Estamos entrando em um espaço que já era nosso, com a nossa inteligência musical e com a nossa interferência, querer estar no nosso espaço. Essa nossa persistência de querer ficar, de querer estar e de querer agir em um espaço que já é nosso.

Papelpop – Você diz que tinha uma gana de ir para a Europa e ficar por lá. É uma vontade que continua?

Deize Tigrona – É claro que sim, não tem como não. Todas as quatro vezes que fui na Europa, não foi a convite de um mês, de meses, era convite de semanas, era convite de dias, e eu simplesmente falava que ia ficar e ficava. Fazia feat, fechava alguns eventos em outros países e ficava lá sobrevivendo e fazendo essa conjunção do Brasil com a Europa, o mercado internacional do funk. Mesmo que não fosse uma colheita só para mim, mas que fosse uma colheita do funk.

Hoje em dia, dou graças a Deus de vários funkeiros estarem tendo essa oportunidade, mas a minha ganha foi tão permanente de fazer, e fiz a ponto de ficar distante da minha família e dos meus filhos, na época. Eu não tinha experiência no mercado fonográfico, mas tinha uma referência do que seria o funk mais tarde, não só para mim, mas para outras pessoas também.

Até mesmo para entender as teorias afrofuturistas. Eu sou dessa vertente e, na época, não tive essa experiência financeira, mas tive essa referência em questão a prever esse mercado internacional.

Papelpop – Muito tem se falado sobre o funk ter tomado grande espaço no Rock In Rio 2022, e alguns artistas até se dizem pioneiros, neste assunto. Mas todo mundo sabe e a história está aí para se provar que você, lá em 2008, já estava na edição do festival em Lisboa, tocando com Buraka Som Sistema. Como você enxerga a relação do festival com este gênero musical? 

Deize Tigrona – Como falei antes, seria inevitável. O funk é um mercado total mecânico, onde seria total inevitável não ter essa conjunção com outro gênero. Hoje, muita gente fala do Rock In Rio, mas teve o Tim Festival, onde eu estava no palco com a M.I.A, com o Diplo. E fora outros festivais também por aí afora, que teve outros artistas. Falar do Rock In Rio é porque muitas pessoas têm esse receio de não ser um espaço para artistas pretos. 

Só que o funk é um movimento total eletrônico e, por mais que o Rock In Rio tenha esse nome, a gente está nessa conjunção de gêneros onde eles convidam outros artistas também, os sertanejos, o pessoal do Axé e também fazem esse feat com nós. Não tem porquê não abrir a porta para o funk. 

O nosso som ainda recebe essa pancada do preconceito, mas é um mercado onde é mais consumido, onde é mais misturado. O funk hoje em dia é a galinha dos olhos deles. Não tem como não. Tocar e não convidar seria bem irônico.

Papelpop – Você é um ícone e recentemente viralizou também no Tiktok com a música “Sadomasoquista”. Como foi acompanhar essa mudança na maneira de consumir música? Você esperava todo esse sucesso?

Deize Tigrona – Sinceramente, a maioria das minhas músicas estão indo para as plataformas agora, até mesmo a do primeiro álbum, e agora a do segundo. Até mesmo para mim, ainda é bem impressionante, apesar de ter escrito essa música no final dos anos 1990. O Tiktok é a terra da dancinha, dos adolescentes e até das crianças. E, para mim, realmente foi um pouco complicado porque, na maioria das vezes que eu ia fazer baile nas favelas e que tinha crianças, eu pedia pra tirar as crianças para eu poder cantar. E hoje em dia, elas estão cantando ‘sadomasoquista’ e fazendo dancinha. Eu fiquei assustada com isso. 

Fiquei assustada, também, com a proporção de artistas globais, ricos e famosos, fazendo a trend e cantando a música. Mas o mais impressionante de tudo é não entender o porquê não procuravam saber quem estava cantando para poder seguir, dar um ‘oi’, ou [procurar saber] quem é esse artista, o porquê da letra. Isso, para mim, foi o mais impressionante, porque tem muita gente que faz a trend e não me marca, não segue. Que porra é essa? Eu antigamente ficava pensando como as pessoas ouvem a música, dançam e falam dela, mas não se interessam pelo artista. 

Antes eu ficava pensando quanto tempo duraria até a pessoa esquecer a música, mas “sadomasoquista”, ela está levando praticamente um ano, um ano e meio tocando nas plataformas, nos bailes e me trouxe bastante shows. O que mais me deixa impressionada é isso, o Tiktok é a terra dos famosos, onde todo mundo quer aparecer, mas ninguém está nem aí. Querem só fazer a trend, mostrar que sabem dançar. 

Papelpop – Agora que o funk tem muitas mulheres na cena, você tem admiração por alguma? Tem o desejo de colaborar com alguma, talvez? 

Deize Tigrona – Eu tenho uma admiração pela Ludmilla, eu conheço a história dela. Acompanhei a trajetória de como ela veio, saiu de um empresário para outro e que hoje ela está na carreira que está, sendo uma mulher preta e chegando onde está chegando. Eu faria um feat com Ludmilla. 

Queria muito também — espero que esse querer seja poder — com a MC Sabrina. Vou aguardar ela voltar a carreira pra gente poder fazer. Acho a Sabrina uma voz incrível do funk.

Papelpop – E agora que está de volta com tudo, como você se apresentaria para essa nova geração que vai conhecer Deize Tigrona?

Deize Tigrona – Eu não esconderia a minha história. Eu quero que os jovens de hoje tenham essa noção de que não é fácil chegar no patamar da Ludmilla, vamos dizer assim. Tem altos e baixos, para tudo. Eu seria eu mesma e mostraria que não é complicado se tem talento, realmente. 

As músicas que estão vindo agora vão ser apresentadas, a maioria, com a minha autoria. E se eu pudesse falar para os jovens é que o tempo passa rápido, e que pra tudo tem que ter paciência e, se não tiver, dê graças a deus por ter saúde. Não é nada fácil. Independente de números e de seguidores, porque parece que é isso que importa, mas a real não é essa. Você vive melhor quando é sincero, não ocultaria muita coisa. 

***

Ouça aqui “Foi Eu Que Fiz”, novo álbum de inéditas de Deize Tigrona:

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