Uma das maiores bandas de rock brasileiro de todos os tempos, o Capital Inicial tem muito o que celebrar em 2022. Neste ano, Dinho Ouro Preto e trupe comemoram 40 anos de estrada com o projeto “Capital Inicial 4.0.”, uma grande festa anunciada nesta quarta-feira (13) e que se desdobra em diferentes frentes.
Além de um álbum e um DVD, já gravados e previstos para o segundo semestre, eles saem pelo país em turnê selecionando grandes êxitos e sentindo na prática a sensação de atravessar o tempo deixando marcas indeléveis de sua atemporalidade.
Tamanha ela é que, além de revisitar hits, os rapazes também lançam uma edição especial do CD/DVD, captados na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, e com 5 faixas inéditas. Parceiros veteranos como Pitty, Samuel Rosa e Carlinhos Brown dividem o microfone com gente das novas gerações. Vitor Kley, Ana Gabriela e Marina Sena brilham em interpretações que só reforçam o frescor da banda.
Marina Sena, aliás, é quem interpreta versos da libertária canção “Natasha”, a ser lançada no próximo dia 22. Para Dinho Ouro Preto, ela é a personificação da “grande estrela pop nacional contemporânea”.
Em entrevista ao Papelpop, o cantor e compositor revisitou seus inícios, ainda em Brasília, além de comentar os ideais de subversão que alimentavam no Brasil pós-ditadura.
O artista aproveitou, também, a oportunidade para repassar a estreita relação que ele e os colegas construíram com os fãs, a despeito das complexas interconexões existentes com a América Latina em sua obra, quase sempre feitas “à sua maneira”.
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Papelpop – São 40 anos de estrada, muitas histórias contadas, vividas. Que balanço se pode fazer dessa jornada musical?
Dinho Ouro Preto – Eu devia ter uma resposta pronta, na ponta da língua pra essa pergunta, deveria ter matutado, ruminado [risos]. Diria que foi uma surpresa, sabia? Foi inesperado ter chegado tão longe, ter durado tanto tempo. Tudo começou de modo muito despretensioso, tudo parecia muito improvável. Por diferentes motivos, estávamos longe dos centros e polos culturais do Brasil, embora morássemos na capital…
Papelpop – Brasília naquela época era uma cidade inacabada.
Dinho Ouro Preto – Sim! Você tinha um monte de mato dentro da cidade, e fazíamos rock, algo impensável no Brasil. Eram raríssimos os shows gringos que vinham pra cá, o rock brasileiro em si era uma coisa muito menor do que se tornou. Éramos inocentes na nossa adolescência, queríamos só criar um tipo de entretenimento. Era um tédio, era um saco. Não tinha a vida noturna de São Paulo, não tinha a praia do Rio. A coisa ter, gradualmente, ficado cada vez maior, e não só pra nós, pra outros artistas da turma como os Paralamas, a Legião Urbana, foi uma surpresa. Hoje, quando vejo quatro décadas depois todas as turnês que fizemos, os discos, tudo isso me deixa estupefato. Nunca passou pela minha cabeça que esta seria a minha profissão, ou menos ainda que eu pudesse estar aqui e ter encontrado uma ressonância. É uma gratidão enorme. Precisamos celebrar.
Papelpop – Vocês também faziam rock em uma época em que o sertanejo, a monocultura já dominava as grandes rádios. Como foi se estabelecer nesse cenário?
Dinho Ouro Preto – Em Brasília, você tinha pequenos grupos que tocavam em quadras, existiam festivais dentro da Universidade de Brasília (UnB)… mas nós estávamos olhando pro punk rock, pra uma música que achávamos que era profundamente subversivo. Achávamos que era relevante pro momento político que o Brasil passava. Fazíamos um tipo de rock que era mais visceral. Era uma fase de redemocratização e nós nos importávamos em fomentar que a juventude tivesse voz e participasse daquela transformação. Não deixa de ser importante, porque parece que 40 anos depois estamos atravessando outro desafio democrático. Mais uma vez estamos falando de ditadura, enaltecendo o apreço e o valor da democracia… Era pretensioso, claro, mas dávamos um valor político. Soa meio ridículo dizer isso hoje, mas era como se a gente estivesse contribuindo pro fim do regime [risos]. Éramos muito sem noção, tínhamos 16, 17 anos. Quando votou-se a lei das Diretas (1984), nós estávamos lá no gramado do Congresso. A censura pra que o Renato Russo comparecesse pra prestar explicações, a ditadura já tava moribunda, mas ninguém aparecia pra dar explicação pros caras. Não que eles vinham bater na nossa porta, mas, no entanto, anos mais tarde quando o Capital lança o primeiro disco, eles vêm encher o nosso saco e pedem pra tirar uma das músicas. “Veraneio Vascaína” foi negociada, queriam que riscássemos depois e a solução que encontramos foi lacrar o disco com uma tarja de “Proibido para menores de 18 anos”. Usamos como uma ferramenta de marketing. A gente dizia ‘Se você não tem 18 anos, peça pro seu irmão mais velho comprar pra você’. Acabou tendo um efeito inverso, acabou chamando muito mais atenção. Acaba sendo um item promocional. É curioso, eu encontro coisas similares entre o passado e o presente.
Papelpop – No novo DVD, que celebra a trajetória da banda, os arranjos empregados nos clássicos foram uma forma de revisitar faixas já conhecidas, mas também de trazer um frescor, uma modernidade. Nesse sentido, a Capital Inicial teve um papel muito relevante não só ao dialogar com o público jovem dos anos 1980, instigando a participação e o pensamento crítico, mas também ao se manter na ativa e renovar seu público. Como você observa esse movimento?
Dinho Ouro Preto – Percebo que, em geral, quem tá ali na frente do palco é gente mais jovem e vai ficando mais velho na medida em que você vai se distanciando, os fãs das antigas não estão mais tão dispostos a ficar ali sendo amassados. Mas tem gente de todas as idades e acho que a garotada quis se debruçar sobre a nossa obra. O que eu acho legal da nossa obra é o texto, gostaria que as pessoas focassem nisso, foi uma coisa escrita em grande parte com Alvin Erick, nosso companheiro de mais de 30 anos, e tudo sempre feito com muito cuidado. Gostaria, acho que a garotada que para pra ler vai se surpreender e vai se reconhecer. Com frequência sou abordado e as pessoas me dizem que se identificam com o que está sendo dito. É uma coisa que eu sentia, adolescente, antes de me meter a compor, com a obra do Renato Russo. Parecia que ele escrevia sobre a minha vida, as minhas angústias e inseguranças, entre baladas e momentos hedonistas. O Capital, em alguma medida, conseguiu realizar algo parecido e isso é a minha grande realização. Demos voz a sentimentos adormecidos, verbalizar coisas que estão nas sombras. Em termos artísticos, essa é uma das maiores virtudes de se fazer algo contundente, relevante.
Papelpop – Uma canção com Marina Sena tá chegando nesse novo DVD. Pra vocês, ela é hoje a definição do pop contemporâneo feito no Brasil?
Dinho Ouro Preto – Acho ela maravilhosa! A gente ligou pra ela, consultamos se ela queria fazer. Ela respondeu já dizendo que era a Natasha, personagem que dá título à nossa faixa. Ela vem de Taiobeiras, cidade no Norte de Minas Gerais, e ela dizia que era tratada quase como um extraterrestre. Por isso houve essa identificação, ela se via como uma figura fora das expectativas, não pertencente ao mundo comum. Ela apareceu em estúdio transbordando entusiasmo, descobri depois que o namorado e produtor dela era também filho de uma das minhas melhores amigas minhas de Brasília… Qual seria a probabilidade de algo assim acontecer? Parecia uma espécie de conspiração pra que essa parceria desse certo e foi uma simpatia muito fácil de sentir. Só não conseguimos, por questões de agenda, que ela participasse presencialmente da gravação. Foi uma surpresa agradável. E, sim, ela é o maior nome do pop dos últimos anos. Ela é tudo de bom.
Papelpop – Pensando a curadoria de faixas que integra esse projeto… ela dialoga muito sobre a relação que a Capital Inicial tem com os fãs, e isso remete de alguma forma também à relação que vocês construíram, enquanto criadores e consumidores, com a música em espanhol. ‘À Sua Maneira’ é uma versão de ‘De Musica Ligera’, uma das maiores canções do rock latino gravada pelo Soda Stereo. Que sensação você tem ao cantar essa faixa? Chegou a trocar uma ideia com o Gustavo Cerati em vida?
Dinho Ouro Preto – Eu ouvi pela primeira vez Soda Stereo no começo dos anos 1990, acho que em 1992, na época do ‘Canción Animal’. Fiquei muito impactado, mas esse tópico ficou adormecido. Esqueci, a vida continuou, fizemos muitos discos, até que nos ligamos que nossos discos sempre traziam versões de músicas que gostávamos. Sempre tinha uma releitura, mas mal imaginávamos que a coisa tomaria a proporção que tomou como aconteceu nesse caso. São surpresas onipresentes, como eu falei no início, está muito presente na carreira da Capital. Quando regravamos, em 2001, tivemos pronta autorização, mas nunca cheguei a conhecê-lo. É uma pena que não exista um intercambio maior entre os dois sentidos, que bandas brasileiras não tenham muito espaço na América Latina e vice-versa, que eles não possam circular por aqui. Acho que quem melhor transitou entre esses países foram os Paralamas. Eles regravaram Fito Páez, Charly García… a gente chegou a fazer shows, conheci o Fito no backstage e acho a obra dele sensacional. Adoraria que houvesse mais oportunidades, seria extraordinário. Isso acontece, talvez, em parte por culpa nossa. Poderíamos ter criado mais espaço, termos insistido em tocar mais vezes lá.
Papelpop – É algo que você faria diferente?
Dinho Ouro Preto – Com certeza. Eu teria tentado sair mais do Brasil. Todos os brasileiros que tentaram, acabaram conseguindo de alguma forma. O Sepultura, é um ótimo exemplo. O rock brasileiro, o talento dessa geração, teria sido reconhecido, é excelente, temos grandes compositores aqui. Mas ficamos virados, pela dimensão, nos concentramos aqui. É, sem dúvida, algo que mudaria. A exportação do rock brasileiro.
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O álbum/DVD com 12 faixas tem lançamento previsto para 26 de agosto e uma versão Deluxe, com 5 canções extras, estará disponível em novembro. A nova turnê da banda tem estreia marcada para 9 de setembro, no Palco Mundo do Rock In Rio.
Estão previstas apresentações em outras capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Recife.
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