Já faz um tempo desde que a turnê “Sin Cantar Ni Afinar” circula por países da Europa e Américas do Norte e do Sul. Veio aqui do ladinho, para o Chile, Colômbia e Argentina. Desde então, tenho reclamado também a necessidade desse espetáculo ser empurrado um pouco mais para a direita no mapa e passar pelo Brasil.
Não só porque a projeção de C. Tangana, conhecido injustamente como “o ex da Rosalía”, poderia ser muito maior, mas também pelo fato de que estaríamos presenciando um dos melhores shows da temporada em termos artísticos e, claro, técnicos.
São cerca de 1h30 de apresentação que começam evocando um grande cabaré para, ao longo do percurso, irem se firmando como uma grande e despretensiosa reunião entre amigos. Basicamente, é um Tiny Desk expandido em que todos podem erguer sua taça e rogar por saúde.
E, nessas horas, até os “ateos” se deixam levar pelos encantos de Pucho, o jovem madrileño que tem conquistado gerações de Omar Apollo a Omara Portuondo. Abaixo, estão seis motivos pelos quais você deveria querer uma temporada desse show por aqui.
São três telões gigantescos posicionados de modo a não deixar que o espectador perca um só segundo. É claro, se você escolhe ficar um pouco mais à frente, certamente, vai criar outro tipo de conexão com Antón e banda, que adoram fazer contato visual.
Por outro lado, a experiência quando vista de um ponto distanciado se revela quase que bidimensional. Isto porque, o tempo todo, existe um câmera que acompanha o madrileño criando uma espécie de atmosfera cinematográfica. É interessante e é inovador, diferente de qualquer outra projeção vista por aí em grandes shows de pop.
Em geral, “Sin Cantar Ni Afinar” apresenta 29 canções. Basicamente, é o disco “El Madrileño” sendo executado na íntegra ao lado de algumas adições da edição “La Sobremesa”, bem como de pérolas da carreira menos conhecidas. “Still Rapping”, “Llorando en la Limo” e “Tranquilísimo”, cheias de ostentação, ganham um super destaque. Dimensões que uma gravação em estúdio é incapaz de captar.
Essa preciosa curadoria vai criando conexões inimagináveis e engloba ainda sucessos do flamenco como “Alegría de Reír”, de Ray Heredia, e a salsa “Suavemente”, do ícone Elvis Crespo. A cereja do bolo, eu diria, é “Bizarre Triangle Love”, do New Order, que só expande a premissa de concepção desse álbum: uma grande “salada de frutas” que mistura tudo e ainda assim é capaz de provocar encanto.
Ánton Álvarez é talentoso e muito, muito gato. Nesse espetáculo, ele veste seus melhores ternos e esbanja charme ao criar uma performance que é, sobretudo, intimista. Cada apresentação traz o artista com um visual diferente e desmistificando aquela velha ideia de que homens no showbizz estão sempre se vestindo com o clássico black & tie. A dúvida que fica é: o que ele vestiria no Brasil?
Um dos momentos mais interessantes do show de C. Tangana é quando ele canta “Comerte Entera”, sua parceria com o brasileiro Toquinho. A faixa é uma mistura de funk carioca com guitarra flamenca, sem deixar de flertar com a bossa nova. O público, como é possível perceber neste vídeo acima gravado na cidade espanhola de A Coruña, mostra que está com a letra na ponta da língua.
Ao vivo, ela ganha batidas ainda mais robustas e uma interpretação efusiva, que se enche com o sample de MC Daniele e DJ Wagner. Aqui, não temos dúvida: a plateia iria enlouquecer. Seria, sem dúvida, a parada mais inesquecível da turnê.
No último festival Sónar, em Barcelona, Tangana recebeu ninguém menos do que Nathy Peluso para cantar o hit “Ateo”. A presença dela não é algo extraordinário, visto que ambos já dividiram o palco várias e várias vezes ao longo da “gira”. Agora, este é também um fator curioso porque, se “El Madrileño” é um disco de participações, seu show não fugiria à regra. É constante a participação de amigos e colegas. Já passaram pelo palco nomes como Jorge Drexler, Andrés Calamaro, Omar Apollo, Kiko Veneno… e a brilhante La Húngara, pouco conhecida por aqui, mas que arrasou corações ao emprestar seus vocais a “Tú Me Dejaste de Querer”.
A vida não anda a mil maravilhas. Há coisas horríveis, absurdas, acontecendo no Brasil e ao redor do mundo. Mas, de forma simples como abrir uma garrafa e tomar uma taça de vinho, C. Tangana nos lembra que é preciso abraçar a cultura para lembrar e exaltar quem somos. É a partir dessa ideia que “Sin Cantar Ni Afinar” se faz um espetáculo necessário aos tempos sombrios. Só a arte salva e é capaz de nos lembrar que o amor está em todos os cantos. Até mesmo quando não parece mais haver saída possível.
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“El Madrileño”, o disco, está disponível em todas as plataformas digitais.
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