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Entrevista: Tim Bernardes surge reflexivo e filosófico, mostrando diferentes facetas, no segundo álbum da carreira, “Mil Coisas Invisíveis”

Cinco anos após o lançamento de “Recomeçar”, Tim Bernardes está de volta com seu segundo álbum solo, o “Mil Coisas Invisíveis“. Com 15 faixas, o disco chega nesta terça-feira (14) em todas as plataformas digitais pela Coala Records, selo do Coala Festival.

Vocalista da banda O Terno, o cantor e compositor utiliza de sua experiência com o grupo e suas vivências pessoais como o fio condutor de um projeto íntimo e de fácil identificação. Ao abordar temas como autoconhecimento, amadurecimento, pertencimento e contemplação do mundo, o artista faz com que o ouvinte se enxergue naquelas situações cantadas por ele.

Diferente de seu primeiro trabalho solo, que trazia uma vibe mais melancólica e solitária, Tim apresenta aqui um trabalho mais otimista e reflexivo, seguindo algo mais parecido com o “<atrás/além>”, último disco d’O Terno, lançado em 2019. Na obra, ele se permite desabafar em músicas extensas sobre os mais diversos assuntos, e avalia que o disco poderia muito bem ser um livro de ensaios filosóficos.  

Contando com os singles “Nascer, Viver, Morrer”, “BB (Garupa de Moto Amarela)” e “Mistificar” como prévia para o “Mil Coisas invisíveis”, o intuito do artista era mostrar as diferentes facetas do projeto, indo desde a parte mais reflexiva, passando pela balada de amor e chegando ao realismo fantástico. Para fechar a tétrade do álbum, o clipe de “Nascer, Viver, Morrer” também chega hoje, mostrando que existe espaço para um pouco de melancolia em sua nova fase.

Em entrevista ao Papelpop, Tim contou um pouco mais sobre o processo criativo do álbum, suas principais inspirações para as composições e como as músicas se refletem em sua vida. Ele, também, falou sobre a sua conexão com o público e quais são seus próximos passos para a segunda metade deste ano. 

Papelpop – Bom, faz cinco anos desde que você lançou o “Recomeçar”, seu primeiro álbum solo. O que você sente que mudou na sua arte de 2017 para cá? (Considerando que passamos por uma pandemia neste meio-tempo e também os seus trabalhos com O Terno).

Tim Bernardes – Enquanto está rolando, a gente não saca muito, né? Mas assim, se eu olho pra minhas coisas, o fato de ter o “<atrás/além>” no meio do caminho mostra que existe uma transição que é gradual. Acho que o “Recomeçar” foi um momento em que eu realmente expus pela primeira vez canções com um teor mais íntimo, uma coisa mais intimista ainda. Era mais solitário, com algumas canções mais melancólicas, coisas assim. Essa era uma marca do “Recomeçar”. Ele era um disco que eu já tinha pronto em minha cabeça. Quando eu fosse fazer outro disco, seria outro o espírito da coisa. E eu acho que o  “<atrás/além>” já mostra um pouco disso.

É um disco onde as canções são todas minhas também e a temática é outra coisa. E agora nesse [“Mil Coisas Invisíveis”], vejo como um desenvolvimento do meu estilo, tanto de compositor, como de arranjador, de produtor, de cantor. Uma coisa que eu vejo de diferente, por exemplo, foi que a turnê cantando o “Recomeçar” fez eu ganhar uma solidez e me entender enquanto cantor. Com o “<atrás/além>” d’O Terno, eu também ganhei essas experiências. Então, acho que de lá pra cá, me sinto mais cantor das minhas próprias músicas, que não era a minha intenção quando eu comecei O Terno. Eu cantava as músicas, mas era uma parte do pacote. Isso é um exemplo, mas eu poderia falar de muitas coisas que eu reparo nos detalhes, nas sutilezas, que foram mudando. 

Papelpop – E como você se divide entre o Tim Bernardes vocalista d’O Terno e o Tim Bernardes artista solo? Como essas duas partes se juntam e se separam nos seus momentos de criação?

Tim Bernardes – Eu acho que o jeito que elas se juntam é que pra mim é uma discografia só de compositor, sabe? Então, tem assuntos ali no “Recomeçar” que continuam dentro do  “<atrás/além>”, que atravessam e podem continuar agora nesse disco. Como eu sou o único compositor n’O Terno e sou diretor musical também na banda, é um projeto que eu coloco muito do meu Eu autor, então acho que se aproxima dessa forma.

Já a diferença é pensar quais músicas fazem sentido pra gente como banda, por exemplo, quando eu componho. Quais as músicas que os meninos gostaram mais, testar elas com a gente tocando juntos. Imprimir ali n’O Terno, através das minhas músicas, o jeito que a gente improvisa e soa juntos. Mas existem canções que poderiam caber em qualquer um dos dois discos, assim como existem algumas que eu falo “não, essa aqui com certeza é pr’O Terno”, sabe? Como “Bielzinho”, “Culpa”, músicas que combinavam com o clima da banda. Enquanto “Não”, por exemplo, já é uma canção mais intimista, então eu já sabia quando compus que era melhor guardar para algum momento quando eu fosse fazer um disco solo.

Isso é muito bom pra mim, porque eu acabo podendo ter um pouco de dois mundos muito legais: poder fazer um show com O Terno com gente de pé, banda, instrumentos de sopro, e depois poder fazer um show num teatro sozinho, que tem a coisa do intimismo, um show de cantor e compositor. Pra mim é uma coisa legal poder misturar os dois mundos. 

Papelpop – Como se contasse uma história, em “Mil Coisas Invisíveis”, você canta de forma bastante reflexiva e otimista sobre experiências da vida e processos pessoais, como autoconhecimento, amadurecimento, pertencimento, com espaço também para canções de amor. Como foi o processo criativo desse disco? O que ele significa para você e o que as pessoas podem absorver dele? 

Tim Bernardes – Não é à toa que ele se chama “Mil Coisas Invisíveis”, é um disco mais múltiplo na minha cabeça. Ele reflete canções que eu venho fazendo de 2018 até 2020. Eu me permiti depois do “<atrás/além>” fazer algumas canções com letras mais longas, que eu ia desabafando e discorrendo sobre coisas de maneira meio ensaística, meio poética, meio objetiva, meio abstrata. Então eu acho que o “<atrás/além>” meio que destampou algumas coisas em minha cabeça e eu comecei a compor esse tipo de música. Acho também que, quando chegou 2020 e eu comecei a ver essa músicas, eu me inspirei e comecei a compor mais algumas já na pandemia, como “Nascer, Viver, Morrer”, “Fases”, “Esquiar”, “Mesmo Se Você Não Vê”. Então com essas canções eu queria dar uma continuidade pro meu estilo, mas eu queria achar no que ele se diferia do “Recomeçar”. Acho que a capa ilustra bem isso, do “Recomeçar” ser uma foto mais próxima, um pouco mais sombria, enquanto esse já mostra um dia claro, um clarão, uma coisa que já é um respiro – o que não significa que ele não tenha músicas tristes ou momentos mais densos, mas eu acho que ele tem a coisa do clarão de vida, da beleza da existência de uma maneira mais ampla e profunda, sabe? Acho que ele tem cara de segundo disco de cantor e compositor. Ele é um retrato de um outro momento da carreira. 

Foto: Marco Lafer

Papelpop – Eu senti justamente isso. É muito fácil da gente se conectar, se ver nessas canções, porque você fala sobre muitas experiências de vida, sobre contemplação do mundo, entender o seu lugar aqui. Realmente parece um livro, como você disse, como se cada canção fosse um capítulo de uma história. 

Tim Bernardes – Tinha uma coisa do “Recomeçar” ter uma vibe meio cinematográfica e a gente brincou com essa imagem dele ser tipo um filme, como se você pudesse criar uma narrativa na cabeça. Esse, quando eu digo que ele tem a ver com um livro, acho que é mais nesse sentido de um livro de ensaios filosóficos, menos narrativo. Claro que, como são experiências de primeira pessoa, são coisas que a gente consegue encaixar na nossa vida, mas ele me vem menos como “ah, agora o personagem veio pra cá, agora vai pra lá”. É mais um livro de reflexões, observações do mundo, dos sentimentos e dos afetos. 

Papelpop – Apesar de perceber referências a clássicos da MPB enquanto ouvia o “Mil Coisas Invisíveis”, eu senti que você apresenta uma sonoridade bem diferente do que estamos acostumados a ouvir, até mesmo em artistas alternativos do cenário nacional, como se ele fosse parte da trilha sonora de uma ficção científica ou de um drama independente. Quais são as suas maiores inspirações, no meio musical ou não, e como elas se refletem na sua música? 

Tim Bernardes – Eu acho que, de alguma forma, eu não me deixo influenciar muito por coisas muito próximas de mim. A minha influência está menos na cena contemporânea brasileira ou na cena da música alternativa daqui. Às vezes, realmente tem uma trilha sonora de um filme antigo que tem o tipo de sonoridade que eu gosto. Um tipo de som de bateria que tem num disco ao vivo da Nina Simone que eu gosto. Essas coisas vão se incorporando no meu gosto. Um tipo de som de voz de uma banda moderna do indie americano, ou tipo de arranjos e orquestração tropicalistas que eu acho que continuam modernas hoje em dia. Então é uma curadoria que acontece naturalmente no meu gosto que, por ser um gosto específico, resulta numa música específica. Eu não penso: “Como é o indie brasileiro hoje? Deixa eu soar assim”, muito pelo contrário. É o que eu tenho de peculiar na minha soma de referências e como eu vou ser o mais Eu possível. 

Papelpop – Dentre todas as 15 faixas, você escolheu quatro delas como single. O que tem de diferente nelas que o fez pensar que poderiam ser uma boa prévia para o álbum? 

Tim Bernardes – Eu queria mostrar um pouquinho de lados diferentes do disco, mas foi muito difícil escolher os singles, porque poderia ter sido outras quatro, cada uma com uma faceta. De alguma forma, eu quis inaugurar com “Nascer, Viver, Morrer” porque – não à toa eu escolhi ela pra abrir o disco também – é uma música que contém, de certa maneira, o DNA do espírito do que vai de desdobrar no disco. Por ser um álbum que, independente do assunto que ele tá tratando, ou do sentimento, ele tem uma vibe transcendental e essa música me passa isso. Aí depois “BB” foi pra mostrar um lado um pouco mais pop, que combina com um single, por ser uma canção de amor mais leve. O “Mistificar” eu acho que traz esse lado mais místico do disco, com reflexões que tem, por exemplo, em “Meus 26”, sobre olhar o universo e reconhecer o ministério interno também, ou do espaço pra alma que tem em falta, ou que o céu já tá estrelado, mesmo se você não vê, em “Mesmo Se Você Não Vê”. Ele tem esse lado mais realismo fantástico do disco, que eu acho que “Mistificar” ilustrava, e tinha a coisa dos arranjos maiores, então eu quis colocar por isso. E “Última Vez” acho que foi uma canção de cantor e compositor mais forte, com letra mais densa, uma sofrênciazona, que eu também tinha vontade que tivesse uma desse tipo entre os singles. São quatro famílias ali dentro do disco, mas pra mim é quase como se tivessem 15 famílias, sabe? Porque cada música é uma própria coisa. Então, isso foi um jeito de apresentar um pouco o disco sem dar muito spoiler, mas também sem enganar, sem colocar só as músicas alegres e de repente ter músicas tristes. 

Foto: Marco Lafer

Papelpop – E como você está sentindo que está sendo a recepção do público até agora?

Tim Bernardes – Eu estou gostando muito, tá sendo boa! É legal, porque com single a pessoa fala: “ah, então o disco vai ser assim”, aí chega outro: “nossa, o Tim tá apaixonado”. Isso mostra que o disco é realmente mais múltiplo, mais expandido do que outros, mas ele tem uma coisa em comum que toca nas pessoas de alguma maneira que entra na vida da pessoa. A pessoa veste aquela pele. Então, eu tenho visto isso nos comentários. Nos meus discos e nos d’O Terno eu já sentia essa peculiaridade do meu público, que ouve mesmo a música, sabe? Deixa aquilo bater. Então estou feliz de ver que esse disco também está batendo, pelo menos até agora.

Papelpop – Com essa conexão do público com as letras que você mesmo escreve, teve alguma mensagem específica que você queria passar com o “Mil Coisas Invisíveis”?

Tim Bernardes – Eu acho que não teve uma mensagem específica com o álbum, no sentido de que eu não não tinha ele fechado na cabeça, sabe? Acho que é muito raro a gente pensar “eu quero falar isso, então eu vou compor um álbum sobre isso”. Mas existe uma coisa em todo álbum que eu faço – e que talvez nesse disco apareça um pouco mais explicitamente -, que é o amor à música. Como um jeito de falar também sobre amar o que você tá fazendo, ou fazer as coisas com afeto e com calma, no devido tempo. Porque eu acho que num tempo hoje em que as coisas às vezes estão rápidas demais e mais superficiais, é entregar pro mundo uma coisa que você fez de coração, que tem um outro tempo, e conseguir convidar a pessoa a mergulhar num momento menos frenético. Pra mim isso é uma coisa que o disco tem e que eu espero que possa bater pras pessoas. Isso de fazer o que você ama e colocar afeto no que você tá fazendo, porque a gente também vive épocas de muito descaso e ódio. Então é na sutileza, não é uma mensagem de “faça isso”, “faça aquilo”, mas é uma coisa tipo “calma aí, respira. A gente tá vivo agora, vamos aproveitar”.

Papelpop – E agora que estamos passando por esse momento de recomeço, principalmente para o meio artístico, quais são seus próximos planos para a segunda metade deste ano? Tem mais alguma novidade vindo por aí?

Tim Bernardes – Bom, para a segunda metade do ano, os planos são os shows de lançamento desse disco pelo Brasil. Em outubro, uma turnê na Europa também, especialmente Portugal, que é onde eles entendem as letras e tem mais público. Mas eu vou esquentar essa turnê do disco indo agora para os Estados Unidos abrir os shows da turnê dos Fleet Floxes. Eles são uma banda que eu sou muito fã e que eu participei do último disco deles, um negócio que eu nunca nem ia imaginar. Eu realmente ia lá, comprava o disco, fui no show. Vou sair do casulo em uma situação muito diferente das coisas que eu já fiz, então estou animado e curioso. 

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