Atração do festival Lollapalooza em 2022, Alessia Cara vem ao Brasil pela primeira vez. Antes de começar esta entrevista, feita por Zoom, eu brinco com ela sobre o dia cinzento estampado na janela – uma ironia, visto que a estreia mais recente de seu repertório, a faixa “When The Sun Goes Down”, trata justamente da beleza poética contida no pôr-do-sol. O lançamento é uma parceria com a cantora Clay.
“Acho que o lugar perfeito para estar ao cair da tarde é justamente na varanda do meu apartamento”, diz. “Adoro ficar ali em um lugar alto observando o tempo mudar enquanto me enrolo em um cobertor”.
Um tipo diferente de calor, este humano, ela vai encontrar ao tocar para um Autódromo de Interlagos lotado no sábado (26), mesma noite em que se apresentam colegas como Miley Cyrus, A$AP Rocky e Marina. Na estrada com o álbum “In The Meantime”, mais um projeto pop norte-americano que se dedica a refrescar a MPB por meio do olhar alheio, a cantora reafirma um compromisso com a nossa música, algo que vai além dos covers que já fez de João Gilberto e Djavan.
Cara ainda prometeu uma surpresa para a apresentação em São Paulo e deixou claro que sua percepção está sempre mudando a respeito do que canta, inclusive em se tratando de amor e autoconhecimento. Nesta conversa, a artista comenta temas como maturidade, retorno aos palcos e busca pela própria saúde mental.
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Papelpop: Você disse em algumas ocasiões que o álbum “In the Meantime” simbolizava “o antes e o depois” de um ano. Agora, com a volta dos shows, consegue dar uma definição pra esse momento?
Alessia Cara: Sabe, acho que vou ampliar essa resposta pra além do âmbito pessoal porque, em certo nível, sinto como se o mundo inteiro atravessasse esse período difícil sonhando de alguma forma com uma nova perspectiva, como se tentássemos nos recarregar ou conquistar algo do tipo. Foi como se tivéssemos feito um reboot de tudo, mais ou menos da mesma forma com que damos um tranco nos nossos celulares quando as coisas não vão muito bem. Pelo menos pra mim, tenho visto os shows sob uma perspectiva totalmente diferente e fico sempre pensando no quão sortudos somos por podermos fazer isso. Quando fomos impedidos de sair em turnê, por um bom tempo ficamos nessa de perceber o quão especial aquilo tudo era. Claro, eu me refiro à conexão que existe entre todos nós quando se sobe ao palco e à gratidão expressa em cada palavra ou gesto dos fãs. Posso dizer que voltar a viajar tem sido interessante e diferente, mas num bom sentido.
Seus amigos te deram dicas do que fazer aqui no Brasil? Quero dizer, vai ser a primeira vez e quem sabe a agenda até permita alguns passeios.
Sim! Eu conheço muita gente da América Latina, pessoas que me deram toneladas de dicas a respeito do que fazer. O meu próprio empresário é colombiano e ele também adora a cultura do Brasil. Dias antes, ele fez meio que um itinerário do que eu devo fazer. Listou tudo o que você pode imaginar, só dizendo coisas do tipo ‘Toma aqui uma lista com todos os restaurantes que precisa ir, todos os pontos turísticos’. Então… têm sido dias bem cheios, como imaginei.
Dias antes, na Argentina, você cantou “Buenos Aires” da Nathy Peluso. Volta e meia, leio comentários de fãs pedindo muito pra que você toque ou grave alguma coisa em português. O que tem a me dizer sobre isso?
Você sabe. Eu quis incluir a bossa nova em algumas das canções do disco novo, e eu sou uma grande fã dessa coisa de fazer covers. Então, definitivamente, planejo fazer algo [no Brasil]. Espero que dê certo.
Você mencionou o disco novo e ele parte, entre outras coisas, da sua relação com as noites insones. Sente que agora, depois de passar essa relação a limpo, consegue ter noites mais tranquilas? Continua desperta?
Com certeza. Minha rotina diária mudou bastante desde que eu comecei a fazer o disco, diria até que foi profundamente transformada. Agora, eu tenho feito muita terapia, refletido mais a respeito de mim mesma e até sobre as mudanças que ocorrem ao nosso redor. Muitos acontecimentos também contribuíram pra isso, então, sinto que minha relação com a noite passou por um processo de melhora, no geral durmo um pouco melhor, sofro menos com a ansiedade. Acho que existe um longo caminho a ser percorrido nesse processo, mas já consigo ver um outro panorama.
Fiz essa pergunta porque também sofro com ansiedade e, por anos, vi as pessoas romantizando as noites em claro como períodos de intensa criatividade. Isso me faz pensar bastante, ainda hoje.
Concordo 100%. Eu até estava falando sobre isso, recentemente, porque existe uma linha tênue entre essas duas coisas. Vejo a discussão desses tópicos como algo extremamente necessário, pra chamar a atenção das pessoas quanto ao fato de estarem sempre focadas nessa ideia de transformar a dor em algo concreto, em uma ferramenta que se pode aproveitar de alguma forma. De fato, existe algo de poderoso nisso, embora já saibamos que, ao mesmo tempo, ao cruzar essa linha, você pode cair em uma armadilha de glamourização. Não existe nenhum glamour. Qualquer pessoa pode enfrentar uma depressão, transtornos de ansiedade ou mesmo se sentir melancólica. Entender isso nem sempre é simples, o agridoce das coisas nos faz saber que é preciso dar o devido peso a cada situação. Não é divertido e, na verdade, enxergo esse enfrentamento como sendo bastante difícil, obscuro, confuso. Podemos até fazer parecer com que soe engraçado algumas vezes, a depender da abordagem e, como você mesmo apontou, podemos fazer algo a respeito a partir desse movimento de colocar pra fora dores e angústias. No entanto, eu gosto mesmo é de ver as coisas por um viés realista.
Presto muito atenção nas letras e sons e uma das minhas faixas favoritas do seu repertório é “Fishbowl”. Sinto que ela sintetiza bem essa preocupação aparente em fazer com que cada canção seja única, e ao mesmo tempo tão cheia de detalhes. Isso é algo involuntário ou estrategicamente pensado?
Há um pouco de ambos. Eu sempre consumi muita música, de diferentes gêneros, e a minha mente se perde por aí muitas vezes em termos de gosto. Às vezes, quero fazer algo mais popzinho, às vezes quero soar mais jazz, mais folk, um pouco hip hop. Muito disso vem da indecisão, mas também de um senso de tentar criar o próprio som misturando várias e várias coisas até chegar a um coeficiente que me deixe confortável.
Antes de ir, queria mencionar que você também compõe com muita franqueza e simplicidade sobre amor, discute temas ligados a personalidade, desencontros. Um excelente exemplo disso é “You Let Me Down”, capaz de abrir os olhos alheios sobre uma relação falida. Concorda que precisamos ver o amor como algo cada vez mais descomplicado?
Meu Deus. Sim. [risos]. Minha família e meus amigos estão cansados de me ouvir falar sobre isso, mas… acho que uma das coisas que mudou pra mim imensamente, e acontece com a maioria das outras pessoas, é o fato de que, conforme crescemos, o que pensamos que o amor deve ser, acaba sendo algo completamente diferente. Eu costumava achar que viver um amor incondicional significava amar apesar da toxicidade, e estar lá tentando fazer as coisas funcionarem mesmo não obtendo o menor resultado em troca. É o velho lance de esperar algo das pessoas. Hoje, o que acho que o amor não precisa ser tão profundo, ao ponto de machucar, de ser difícil. Você pode amar as pessoas apesar de seus defeitos, mas tem que ser fácil, como uma chuva branda caindo lá fora. Não uma tempestade [risos]. Minha visão é completamente distinta agora, tanto que minhas primeiras canções tem muito dessa idealização. É difícil se dar conta, mas quando acontece, todo o resto meio que cai nesse lugar.
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O show de Alessia Cara no Lollapalooza Brasil acontece no sábado (26), às 19h05. Ela toca no Palco Adidas, que também recebe no mesmo dia Alexis on Fire, Jup do Bairro e MC Tha.
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