Voltar para o topo

Agora você pode adicionar o PapelPop a sua tela inicial Adicione aqui

Foto: Rafael Sandim/Divulgação
Foto: Rafael Sandim/Divulgação
música

Entrevista com Bemti, que lança novo clipe e disco: “Meu som demanda um coração aberto”

No clipe de “Quando o Sol Sumir”, o cantor Bemti dá um novo fôlego à narrativa dual de “Logo Ali”, segundo disco da carreira entregue em setembro. É dual, vale explicar, porque simboliza ao longo de suas 12 faixas tanto a desesperança provocada pelo iminente Armagedom, quanto um sentimento de recomeços prósperos.

O registro, lançado nesta quarta (24), procura nas estrelas e na fantasia a guia necessária para uma longa jornada que atravessa frequentes pontos de escuridão.

 

Com faixas escritas antes e durante a pandemia, “Logo Ali” chegou ao streaming com expectativa após outra estreia bem-sucedida. “Era Dois” (2018), seu debut, tem algo de inaugural e foi responsável por apresentar a incursão da viola caipira em narrativas pop.

O instrumento continua lá, firme nesta nova safra, embora siga novos rumos – a maioria, fruto dos encontros que promove. Mais assertivo em suas escolhas, Bemti convida para estar perto de si nomes como Hélio Flanders, Marcelo Jeneci, Jaloo, ÀVUÀ e Josyara.

Dias antes da estreia, o artista mineiro falou com o Papelpop a fim de apresentar o projeto e discutir pontos centrais de suas criações, entre eles a colaboração com Takai, de quem se declara fã desde os inícios da Pato Fu.

***

Papelpop: Muitas canções surgiram em 2020, mas acabaram ganhando novas formas. Como foi colocar ordem nesses escritos? 

Bemti: Uff. Foi um trabalho muito complexo. Desde que eu escrevi o projeto, no fim de 2019, o título já era ‘Logo Ali’, pensando na iminência de algo gigante que vem e muda tudo, talvez um apocalipse ou um futuro utópico. Infelizmente e sem que pudéssemos prever, veio o apocalipse. No ano passado, algumas músicas ganharam muito mais força, outras perderam o sentido, mas houve também uma safra nova nascida em modo “heavy metal pandemia” [risos]. Chegou em um ponto em que, com os atrasos provocados por esse contexto, eu já tinha 3 anos de composições acumuladas. Gravei boa parte das músicas em Belo Horizonte, mas em fevereiro decidi fazer uma imersão em Gargolândia [estúdio em Alambari, interior do Estado de São Paulo], onde me dei conta de que a gente tinha 18 músicas consideradas para uma versão final. Eu, como roteirista, já que sou formado em audiovisual, comecei a pensar o que fazia sentido dentro do que esperávamos contar nessa história. Você pode perceber, é um disco muito narrativo, com um lado A e um lado B muito bem definidos. É um trabalho que fala sobre o agora, sobre essas experiências pessoais atravessadas sobre a sensação de fim de mundo que você precisa aguentar. No fim, ‘Logo Ali’ virou uma jornada em que a mensagem é ‘Precisamos suportar até chegar ao outro lado’.

Eu sinto que “Logo Ali” é mesmo um disco agridoce, que passeia por sentimentos diversos, por rupturas e recomeços, dores e futuro.

Sim, ele tem umas músicas que se voltam pra esse tema, essa sensação de luta. O disco já abre com ‘Canto Cerrado’, um chamado a caminhar, a aguentar o que quer que seja. Mesmo as músicas que são sobre amor, desamor, solidão, em todas elas houve um esforço de explicitar questões de sociedade se dissolvendo, não só por causa da pandemia, mas também do cenário político.

Você cresceu vendo Fernanda Takai na TV e hoje tem a chance de colaborar com ela. É muito interessante observar como o trabalho da Pato Fu se tornou referência em termos de composição, são quase 3 décadas de carreira com um frescor singular. Na posição de compositor, como você observa isso? É o aspecto que mais admira na banda?

Fico até arrepiado com essa pergunta porque sou muito fã de Pato Fu, da própria Fernanda. Acho incrível pensar em como a Pato Fu é uma banda de pop/rock “alternativo” [faz sinal com as mãos], que tava ali fazendo discos com níveis altos de experimentação estética, mas que ao mesmo tempo conseguiu vender centenas de milhares de álbuns, tocava muito nas rádios, ganhou vários prêmios da MTV, fez show no Rock in Rio. Que incrível foi ter um projeto com essa pegada conquistando tanto. Que banda alternativa hoje está perto de chegar ao #1 das rádios? Não temos ninguém. Logo, é incrível o fato de eles terem influenciado tanta gente. Aliás, uma curiosidade: o primeiro festival de música que eu fui, em Uberlândia, aos 13 anos, tinha Pato Fu no lineup. Foi à época da “Toda Cura Para Todo Mal” (2005), um disco que marcou demais o meu ensino médio. Depois que gravamos no meu álbum e fui ouvir coisas da banda, percebi que sabia todo o disco de cor. Tem também o trampo solo dela, que acho genial! Bem, Fernanda tem toda uma importância pra mim, um momento divisor de águas na minha tomada de coragem pra fazer um trabalho solo foi ter tocado viola no show dela, antes até de a gente se conhecer.

Você citou Uberlândia. Como tem sido observar uma proposta de música regional, que também é queer e pop, ganhando projeção nacional? Que peso isso tem na sua produção artística?

O meu irmão sempre brinca comigo dizendo que eu espero demais das pessoas, que espero demais que elas entendam o que eu tô fazendo. Mas não é tão difícil… Se você vai no âmago do âmago, do âmago do meu trabalho, você vai ver que o meu som é pop, mas com muita referência de indie estrangeiro, com referências de MPB, de música caipira e sertaneja. Faço isso tudo tendo como base uma viola caipira, um movimento que torna o meu som único, não conheço ninguém que esteja fazendo algo parecido, ainda mais combinado a arranjos megalomaníacos e pedais de guitarra, que estão muito presentes, especificamente, no segundo disco. Tudo isso ainda sendo um artista LGBTQIA+. As pessoas querem me definir, mas eu só consigo esperar o melhor. Não quero subestimar ninguém, quero que elas abram seu coração pra um som que tem definição complexa, mas que não é inédita. Você falando de projeção nacional, eu acho, sinceramente, que ‘Logo Ali’ tem um potencial de público, de alcance muito grande. Existem pelo menos dois grandes momentos, a música com a Fernanda, “Livramento”, esta última uma faixa com produção de Marcelo Jeneci… Mas também me questiono como eu, artista independente, sem selo, sem gravadora, vou alcançar esse público. Hoje você precisa convencer as pessoas a escutarem. Com duas semanas de vida, o disco já tinha 350 mil plays no Spotify, já recebi muita mensagem de gente que me seguia sei lá por qual motivo, mas que ainda nunca tinha escutado dizendo ‘Como assim? O seu disco é muito bom, as músicas são muito boas’. Sim [risos], porra, eu passei 1 ano e meio trabalhando nessas faixas, é pra ser isso. ‘Logo Ali’ não é um som hermético, é pop, mas um pouco complexo. Em suma, acho que meu som demanda um coração aberto, pra você se permitir entrar.

Os seus arranjos estão mais elaborados do que no último trabalho. Como evoluiu a sua relação com a viola caipira? Quais descobertas fez nesse aspecto?

O ‘Logo Ali’ tem muito de uma experiência de estrada que eu tive com o álbum anterior, tocando em locais e formatos completamente diferentes. A imersão de Gargolândia, por exemplo, teve participação da Bianca Pedreti [baterista] e Cauê Lemes [pianista e pré-produtor do álbum], que já tavam me ajudando e criando coisas em parceria. Tem um peso a mais dessa experiência de palco que é preciosa, mas o tamanho dos arranjos vem muito de recursos alcançados, por ter tido apoio do [edital] Natura Musical. É o meu Arcade Fire particular [risos], acabou se tornando um som que eu sempre quis fazer. Nesses termos, você consegue se organizar, ainda mais depois de ter feito um disco de baixíssimo orçamento. E, sobre a viola, acho que evoluiu muito num campo de composição, mesmo que a essência continua a mesma. Eu uso muito pedal na viola agora, isso dá um som diferente. “Se Entrega” mesmo é um exemplo disso, dá uma amplitude. Num terceiro disco, fico pensando como colocar a viola numa pegada eletrônica? Qual tipo de som fazer nesse contexto…

“Livramento” é uma faixa que, como o próprio nome diz, mexe com temáticas ligadas ao coração. Esse interesse vem das suas experiências pessoais? Quais situações te fazem acreditar que dariam uma boa canção?

Engraçado isso. A ideia original surgiu a partir de um tuíte em que uma amiga questionava o destino de camisas de ex-boys. Sugeriram uma métrica de sofrência pra letra, foi um ponto inicial, mas ‘Livramento’, em específico, caminhou pra outros lugares, acabou surgindo de uma experiência pessoal pra caramba, que não envolvia camisas virando panos de chão, pelo contrário. Meu ex, vale dizer, tem um bom gosto pra camisas que me permite continuar usando as que foram dele. A música veio de uma sensação de afastamento e de questionamento. Do tipo, ‘Eu parti, mas será que era mesmo o certo se afastar?’. Quis colocar subtextos de um mundo desmoronando, de um ano que se esfacela e vira areia. A pandemia também embaçou as nossas noções, as carências ficaram mais assinaladas, os poderes de decisão mais enevoados, é sempre uma mistura disso, de uma fagulha com um momento de distração. Compus meses depois de ter cruzado com esse tuíte e desde o começo do ano passado a ideia fixa da letra circulou por aqui. Era pra ser uma coisa meio ‘Tango’, com Johnny Hooker, mas depois houve outra sensação de reencontro. Pensava no conceito central de ‘Não sei se eu quero me afastar/é castigo ou livramento?’.

O disco se encerra com certo otimismo. O que você espera encontrar “Logo Ali”?

De um jeito metalinguístico, lançar o disco foi um encontro com o meu ‘Logo Ali’. Quando veio a pandemia, poucos meses após o anúncio do álbum, eu parecia estar fazendo o meu próprio “Chinese Democracy” [disco da banda Guns N Roses]. Eu não sabia como terminá-lo em meio a esse aparente fim de Brasil, à ascensão da extrema-direita, mas consegui. E eu tenho uma jornada muito específica com Portugal, que pode me envolver no futuro próximo. No ano passado eu encerraria minha turnê lá, mas não deu certo. Ainda tô com as passagens, vou tentar ir em maio do ano que vem, e “Logo Ali” acaba fazendo esse papel. Ele, aliás, não é um disco datado, mas que também revela um contexto em que as letras foram escritas. Não dava pra fazer um disco cínico, que fingisse que não tinha nada acontecendo, sabe? O otimismo do fim é nesse sentido de ‘Tá, enquanto sociedade somos pequenos, tenho uma vida limitada até sei lá quando, mas este disco joga todo de mim, sei o que sou e quero que seja um companheiro de jornada pras pessoas, aguentando seja em experiências pessoais, seja em relação ao contexto horrível de pandemia, ou o Brasil bolsonarista’.

O Brasil é um eterno aguentar.

Sim, concordo. E “Catastróficos” fala sobre isso, literalmente. Sobre se dar conta do apocalipse diário que é ser brasileiro. Eu sou muito grato também aos discos que salvaram minha vida e quis fazer isso na minha vez. ‘Era Dois’ acabou sendo assim pra muitas pessoas, sempre me escrevem contando como o projeto. Quis fazer depois um disco transformador.

***

“Logo Ali”, o novo disco de Bemti, está disponível em todas as plataformas de streaming.

voltando pra home