Entrevista com Dadi: “leãozinho” estreia novo disco e relembra memórias com Rita Lee

Quando Dadi Carvalho decidiu que queria viver de música, confiando apenas em seu instrumento e um par de ouvidos autodidata, não tinha a menor dimensão do alcance que teriam suas futuras composições.

Ao lado de personalidades como Os Novos Baianos e a banda A Cor do Som, longevo projeto que neste mês de setembro recebeu uma indicação ao Latin Grammy, Carvalho estabeleceu um novo jeito de tocar.

De lá para cá, o “leãozinho” de Caetano Veloso foi deixando um rastro. Partiu do rock rumo ao baião, passando pelo choro até se estabelecer na MPB. Não apenas inspirou a célebre composição do ídolo, como também ajudou a desenhar uma linguagem sonora a partir dos discos “África Brasil” (1975), de Jorge Ben Jor, e o mítico álbum de estreia dos Tribalistas (2001), entre outros.

Tanto no estúdio, quanto na estrada foi colecionando amigos e rascunhos. Era a fórmula perfeita para a criação de novas canções e é dessa mistura que surge um terceiro disco solo, intitulado “Todo Vento”. A novidade vem após um hiato de 13 anos, tempo este visto como um aliado na hora de fazer escolhas mais assertivas.

— Eu já tinha algumas coisas gravadas, algumas bases, e veio 2020 com essa loucura toda — conta, por telefone. — Decidi que era hora de terminar coisas que estavam incompletas, outras que não gostava. Fui gravando virtualmente com amigos americanos, italianos, com outros que reuni alguns aqui em casa. A coisa foi acontecendo. Gosto de fazer aos poucos, quase sempre trabalho dessa forma.

Embora as faixas tenham ficado prontas em junho, o material só foi compartilhado em setembro. A escolha, segundo o realizador, acabou se dando por um desejo de entregar uma trilha sonora “digna dos dias de primavera”. Construído ao lado de figuras próximas, o material remete imediatamente à dinâmica festiva e harmônica adotada por Dadi e seus companheiros nos anos 1970.

Aos 69 anos, ele diz que a escolha de reunir amigos e os próprios filhos em estúdio — quem assina a produção é seu primogênito, Daniel Carvalho – acaba sendo um legado das primeiras experiências criativas, algumas delas inclusive imersivas.

— De uma forma ou de outra, você absorve todas as experiências pelas quais passa. O meu jeito de fazer as coisas com amigos bebe muito na fonte desse ideário de Novos Baianos. Ainda que algumas partes tenham sido criadas à distância, esse novo disco foi feito com a ajuda de várias pessoas, sempre tendo amigos em volta, como foi com o grupo lá atrás.

Apenas uma das sete faixas é completamente instrumental. “Sol” carrega consigo o simbolismo de um trabalho pautado por acontecimentos triviais, que segundo o próprio Dadi foram os responsáveis pelos grandes eventos e parcerias de sua vida. O pianista inglês John Escreet é quem dá ritmo à melodia em uma gravação feita na primeira tentativa após um jantar – mais uma situação despretensiosa e que coloca a música instrumental na posição de condutora a sensações e dias mais otimistas.

Além de Arnaldo Antunes, que aparece 3 vezes como coautor, há também uma nova parceria com Rita Lee. São dela alguns dos principais versos de “Lady Girl”, canção trilíngue que entra em sintonia com o próprio repertório. A relação dos músicos, existente de certa forma desde os anos 1970, só estreitaria laços a partir de um convite feito por Roberto de Carvalho para acompanhar o casal em turnê.

— Eu vi o Festival da Canção e fiquei louco pela figura de Rita n’Os Murantes, pelo som que eles faziam. Rita tinha uma genialidade que se destacava — explica. — O primeiro contato, no entanto, aconteceu na Bahia. Eu estava lá com A Cor do Som e fiquei sem fala quando a vi deitada numa rede na casa de Caetano com aqueles cabelos. Décadas depois fiquei 3 anos presenciando de perto a inteligência, doçura, elegância e sabedoria de Rita. Assim ganharam vida as nossas canções, uma delas ainda inédita.

Embora siga consciente do que acontece entre as novas gerações de criadores, Dadi diz que seu apego está mesmo nos clássicos, responsáveis por fazê-lo reviver emoções e sensações, entre elas a de liberdade.

Se antes só podia alcançá-la com a ajuda dos LPs, hoje, em casa por causa da pandemia, estende a função às artes plásticas, mais precisamente a pintura. Suas telas acabaram virando protagonistas do processo de criação.

— Eu me defino como um músico intuitivo, as cores aparecem e vão me levando como uma nota musical. Logo, acho que pintar e tocar são atividades muito próximas. Criar, num geral, mexe com os sentimentos muito fortemente —diz.

***

“Todo Vento”, novo disco de Dadi, está disponível nas plataformas de streaming.

 

 

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