Em “Linda”, faixa lançada na tarde desta quarta-feira (1º) em parceria com Rosalía, a cantora dominicana Tokischa narra provocações sexuais entre duas amigas. Ostentando unhas enormes, elas saem para curtir a noite e beijam outras garotas na intenção de se divertir.
Mesmo que letra e clipe sejam uma afronta à moral e aos bons costumes, um antídoto à caretice crônica que parece tomar conta do pop contemporâneo em letras que são, ano após ano, mais comedidas, este é só mais um momento de expressão da cantora de 25 anos que tem atraído os olhares de gente grande.
O gigante Bad Bunny já fez elogios à forma com que Tokischa usa as palavras a seu favor. O colombiano J Balvin, por sua vez, resolveu ir além e lançar uma colaboração original.
Depois de fazer uma série de experimentos no rap, solo e na companhia de terceiros, ela aposta agora no dembow. O ritmo tradicional é hoje um dos símbolos da música produzida na República Dominicana, uma pequena ilha localizada no coração do Caribe. “Escutei isso em praticamente toda a minha adolescência, além de muito playero”, diz. “Comecei a fazer música com outros ritmos, mas cairia aqui pelo bem ou pelo mal. O que faço é como uma homenagem a isso, embora em uma modulação distinta, às vezes mais, às vezes menos acelerada”.
Na presença de Rosalía em um encontro profissional que durou cerca de quatro horas, decidiram com um empurrão do produtor Dimelo LeoDR inserir na nova canção as palmas do flamenco – gênero que faz parte das origens da cantora catalã e que a consagrou diante da Academia de Gravação norte-americana conferindo-lhe cinco prêmios Grammy.
Natural de Los Frailles, bairro da capital Santo Domingo, em três breves anos de carreira Tokischa já é descrita como uma representante da “nova ordem feminina”. O discurso emancipador, que se soma às vociferações de nomes como a argentina Nathy Peluso, contemporânea sua, são aqui porta de entrada para outros temas considerados tabus.
A forma serena com que responde à entrevista dá lugar nos palcos e estúdios a uma postura desafiadora, que encara sem pudor o uso recreativo de maconha (“Tenho uma bandeja de erva para fumar/A azeda verde eu uso como perfume“, diz em um trecho da faixa “Picala”) e o desacato em ambiente escolar. Esta pauta, por sua vez, acabou lhe rendendo uma encrenca com o Ministério da Educação dominicano que considerou uma de suas faixas ofensiva demais para a juventude.
Ela se defende e afirma que as jovens de sua idade precisam ser autênticas. Descoberta pelo diretor criativo Raymi Paulus, considerado um guru da música pop, ela se apega a esse ideal e mantém ainda uma conta na rede social OnlyFans, onde desdobra as próprias narrativas sobre sexo livre e exerce uma espécie de autodominação, independente dos julgamentos que possam vir a estancar fluxos criativos.
“Como artista você precisa ir testando sons e essências, tal qual faz como ser humano”, explica, defendendo a ideia de que o conservadorismo permanecerá entre nós. “Tudo, qualquer visão que se tem sobre algo, depende da mente de cada um. Há pais e mães que são ‘modernos’, que lidam melhor com o apoio que se deve dar a um filho. Mas no geral, sempre acredito que vai existir alguém contrário, desde o princípio da humanidade é assim. É cíclico”.
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