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Livro “Ondas Sísmicas” mapeia obras de cantoras brasileiras do século 21; já contribuiu?

Bastaram apenas 15 dias para que o publicitário e pesquisador musical Gabriel Bernini sentasse e escrevesse “Ondas Sísmicas“, livro que explora discos lançados por cantoras brasileiras no século 21 e as perspectivas históricas que os cercam. Com publicação pela editora Barbante e ilustrações da argentina Lola Nankin, a obra chega a partir de uma campanha de financiamento coletivo que se encerra no próximo dia 10 de setembro.

No sumário, uma delicada seleção de obras não enviesadas pela teia mainstream que os leitores recebem a partir do mês de novembro. O autor explica o interesse:

— Antes eu já era muito fã de mulheres, mas mulheres de fora. A minha primeira diva foi a Lily Allen. Mas meu interesse pelas artistas do Brasil, propriamente dito, começou com a Tulipa Ruiz no começo dos anos 2010. Depois disso, em 2016, chegaram Linn da Quebrada, Céu, Letrux, Xênia França, Mãeana e outras muitas artistas que moldaram a minha trajetória como pesquisador e que culminaram na criação do livro. Um disco específico que me despertou o interesse foi ‘Ava Patrya Yndia Yracema’, da Ava Rocha.

No todo, “Ondas Sísmicas” reúne mais de 90 títulos e revela um cuidado para que se preserve a diversidade das obras e de suas criadoras. No recheio, jovens talentos como Ana Frango Elétrico e seu “Little Electric Chicken Heart” recebem o mesmo espaço que as veteranas Dona Onete e Lia de Itamaracá, decisão esta parte de um cuidado atribuído ao respeito para com a diversidade.

— Pensei em diversidade racial, de gênero (cis/trans), de gênero musical (samba/hip-hop/jazz/bossa-nova/reggae/dub), etária, geográfica, corporal (magra/gorda) e todas as outras binariedades que possam existir. Mas ao mesmo tempo, a curadoria veio de uma forma muito natural, como eu sou fã de um nicho muito específico (cantoras/brasileiras/contemporâneas), acabo abraçando a maioria das produções que saem dali. Não coloquei no livro nenhum disco que eu não ame. Fui à minha estante (sou colecionador e tenho um acervo modesto, somente de cantoras do Brasil) e escolhi os 90 discos a dedo.

Entre as descobertas feitas pelo publicitário está o trabalho de Silvia Machete, que em 2020 lançou o disco “Ronda”, uma compilação de faixas cantadas em inglês e que evoca as grandes divas do jazz. Outro nome é o de Pat C., mineira que foi descoberta enquanto morava na Europa e que gravou uma discografia extensa exclusiva para o Japão.

— Pat marcou época em toda a Ásia nos anos 2000, e isso cantando em português. Você consegue imaginar o contrário? Uma cantora asiática cantando em japonês, chinês, coreano aqui no Brasil e fazendo um sucesso tremendo? Eu não. Acho que esse tipo de história merece ser resgatada e enaltecida.

Entre os objetivos da publicação está um desejo pessoal de homenagear artistas dos quais é fã e entrelaçar academia e público geral a partir de trabalhos musicais confeccionados sob distintas óticas, criando assim uma espécie de documento definitivo da MPB contemporânea.

Brasileiro por essência, o livro também assume posição de contraponto no que tange influências externas e formas de consumo dos brasileiros, ávidos parceiros da indústria norte-americana e suas respectivas engrenagens.

— Acho muito importante que a nossa juventude se conecte com nossas raízes e nossa ancestralidade, e saiba equilibrar essa admiração por figuras de fora e que, muitas vezes, acaba se tornando uma pulsão destrutiva contra o que é do nosso próprio país. Precisamos conhecer a nossa história antes de conhecer a história de um país nórdico que pouco sabe o que é o Brasil. Por mais nichado que esse livro seja, que ajude a desenvolver respeito e admiração pela história das nossas artistas.

Entre as apoiadoras está a carioca Letrux, com quem mantém uma relação anterior ao projeto, além de nomes como Cashu, líder da banda Teto Preto. Bernini também cita com afeto Irene Bertachini, que se ofereceu para dar sessões de aulas de canto como recompensa para os apoiadores da campanha, e Liniker, que chegou a enviar recentemente uma mensagem afetiva reconhecendo a importância de sua criação.

Fã confesso de LPs, formato que pela primeira vez ultrapassou o número de vendas de discos físicos em 2020 desde os anos 1990, Bernini possui em casa mais de 600 títulos e é hoje um dos criadores do selo Amigues do Vinil, a princípio um grupo de troca e venda no Facebook moderado em parceria com o cinegrafista Guilherme Gonzaga.

A próspera empreitada, que lança ainda este mês uma edição comemorativa de “Bicho Branco Polse”, disco de trip-hop da cantora Fernanda Branco Polse (PR/MG), tem mais dois projetos na mira e surgiu nas redes sociais após recorrentes episódios de homofobia registrados em grupos tradicionais de colecionadores.

Em consonância aos desejos de Gonzaga, o sócio sonhava com um espaço em que os membros pudessem se sentir acolhidos e discutir com liberdade temas relacionados à música, livres das interferências do elitismo, do sexismo e do racismo. Enquanto fala sobre seus escritos, o jovem autor também convida os leitores a pensar.

— O LP ainda é um produto elitizado e eu, honestamente, não consigo imaginar que algum dia ele deixe de ser. Temos que ter a noção de que colecionar vinil enquanto o Brasil queima em chamas é um privilégio absoluto. Mas não deveria ser assim. As plataformas digitais globalizaram muitos álbuns, mas, ao mesmo tempo, mataram as fichas técnicas, as contracapas, os encartes e, lógico, a remuneração da artista. Tenho o desejo de que a nossa geração se politize em relação à nossa música, que possamos curtir a bossa-nova presente no disco novo da Billie Eilish, mas que também olhemos com carinho para a bossa de Maísa Moura (de BH) ou de Ana Cláudia Lomelino (BA). Precisamos fortalecer nossa cultura e nosso país antes de qualquer coisa. É urgente.
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