No fim de 2019, a turnê de despedida do disco “Letrux em Noite de Climão“, já há dois anos em cena, lotava casas e teatros Brasil afora. Na plateia, jovens de todas as idades embevecidos pelas situações narradas na tragicomédia de Letícia Novaes e trupe. As onze faixas pareciam ter sido escritas sob medida.
Os ditos encontros foram sintomáticos de uma era que chegava ao fim para dar espaço aos anos que não aconteceram, ao pranto de um país em ruínas. Dessa odisseia ambulante, Letrux, entre os ofícios de cantora, escritora e atriz, foi expandindo o próprio dicionário de rimas raras. Criou e musicou composições absurdas, apaixonadas, divertidas, não-óbvias.
De seu respeito por formas, temas e estruturas, algo que lhe rendeu não apenas canções memoráveis como a chance de ver nos corpos de fãs emocionados alguns de seus mais célebres versos, escreveu dois livros. Cria do teatro e ávida leitora, aprofundou nos últimos anos a relação que mantém com a literatura e seu vínculo com a escritora, jornalista e designer Leïlah Accioly. Juntas, dividindo uma mesma paixão, elas lançam nesta semana o podcast “Taradas por Letras”.
Disponível no Spotify, o programa convoca ambas para contar histórias sobre letras de músicas e seus autores, além de discutir ao lado de convidados a abordagem de temas universais relevantes – tudo isso, claro, conectado às próprias trajetórias.
Misturando storytelling, análise crítica, ludicidade e melodia, a novidade tem episódios semanais e faz parte da feature ‘Musica & Papo”. Os dois primeiros episódios se reservam aos amores de adolescência, de modo que a playlist eleva como porta-vozes de projeções e primeiras experiências nomes como Renato Russo, Herbert Viana, Alanis Morissette e Jon Bon Jovi.
“Desde criança sempre fui uma tarada por letra de música. Anotava trechos na agenda, pintava com liquid paper no meu armário, usava letras em cartinhas. Enfim, as letras foram minha psicanálise antes do divã”, escreve Letrux na carta de apresentação.
“Ando toda me afeiçoando de volta às grandes histórias, grandes poemas. E tento na minha vida ir até o fim de uma audição”. Nesta entrevista, feita por e-mail, ela apresenta o projeto, suas dinâmicas e revela quais canções tem marcado sua existência presente.
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Papelpop: “Taradas Por Letras”, podcast que você lança em parceria com a Leïlah, pode ser encarado como um convite para que as pessoas mudem sua relação com a música, para interpretarem os sons de uma maneira mais profunda e aguçada? O que desejam com o projeto?
Letrux: O projeto surgiu a partir do momento que Leïlah e eu percebemos que letras de música faziam parte das nossas conversas, de maneira quase psicoanalítica. A gente contava um problema, uma alegria, uma paranoia, e lá vinha a outra com alguma sacada “é, amiga, mas é como diria Cazuza ou Renato Russo” e a gente encaixava alguma frase genial com o nosso momento. Um dia comentei com ela que nós éramos umas taradas por letras. Amamos música, amamos. Somos fissuradas. Mas a letra tem um teor de importância elevado pra gente. Não queremos afirmar nenhuma verdade absoluta sobre a interpretação das letras, é apenas nossa visão amorosa e poética, claro que às vezes teremos informações, fatos, sobre algumas letras, mas é mais uma troca de ideias, sobre letras específicas. Sinto que as pessoas amam letras, tatuam letras (as minhas até, fico lisonjeada) então é um programa pra você talvez ouvir a música prestando atenção e não só deixar aquela música de trilha de fundo.
Adriana Calcanhotto, que é também professora convidada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, diz que um dos pilares da tarefa de compor é manter a disciplina. Você concorda com ela? Compõe com que frequência?
Concordo e discordo hahaha Queria concordar mais, porque quando sou disciplinada percebo resultados. Mas há uma “enfant terrible” dentro de mim que luta muito contra as regras ainda. É complicado. Eu já fui mais disciplinada, a pandemia deu uma desalinhada em tudo. Mas sou de fases, às vezes me abre um portal mais inspirada e aí fico bem nerd, tô esperando essa fase voltar!
Você escreveu algumas canções dentro d’água durante uma viagem à Grécia, faixas estas que em um segundo momento fizeram parte de “Aos Prantos“. Como essa experiência e outras similares, ligadas a elementos e lugares, podem transformar o produto final?
Eu sou bem bichinho, quando estou na natureza, baixo a guarda legal, e tento compreender o mundo de maneira menos controladora, que é um pouco meu pior defeito. Então quando estou na natureza existe uma conexão muito forte cérebro X coração, corpo X razão. Tudo parece estar em comunhão e eu me sinto à vontade, não me censuro tanto, sinto. Deixo fluir. E muitas músicas realmente vieram desse momento, de entrega imediata, sem muito refletir. No meu caso, ajuda. Tem gente que precisa de um lugar mais certinho, mesa, luz, estúdio. Esse tipo de lugar organizado me endurece mais, eu preciso de outros estímulos, mas acho que cada um tem que descobrir onde te toca. Algumas pessoas já são tão soltas na vida que quando entram num lugar organizado, elas melhoram. Não é muito meu caso hahahaha
Gilberto Gil, Caetano Veloso e, mais recentemente, Marina Lima já publicaram suas letras em livro. Quando distanciadas da melodia, as composições ganham uma certa materialidade, leituras talvez inesperadas. Como você se relaciona com esses efeitos, qual acha que deve ser o primeiro passo para interpretar a estética alheia?
Eu amo ler letra música, como se fosse poema. Em voz alta ou em voz baixa, é um outro abraço, é uma nova chegada daquelas palavras, eu acho muito curioso como é a mesma coisa mas ao mesmo tempo, não. Vai ser divertido analisar letras de músicas que me marcaram, jamais vou deixar nada fechado, compreendo a natureza da composição como algo aberto a interpretações mil. Acho que minha abordagem para interpretar sempre vai passar pelo viés da emoção.
Você decidiu relançar faixas que ficaram guardadas por muito tempo nos últimos meses. Como foi revisitar esses materiais? Fez descobertas em relação ao seu próprio processo?
Acho que na ausência de shows, e nessa fase mais não tão inspirada para compor, eu fui relembrar meu passado, abrir as gavetas, tirar o mofo do armário, e me surpreendi com algumas composições minhas. Coisas que eu realmente amava, e até toquei em lives e pessoas ficaram “Cadê essa gravação”, e eu mesma fiquei “Pois é, cadê?” E aí me deu essa vontade de ter um registro atual. Fiquei impressionada como mesmo em 2007, eu já tinha muita preocupação em ter letras que tivessem algum tipo de bom humor. Não é pra ser engraçadinha, mas sempre me preocupei em ter alguma frase que trouxesse uma sensação de proximidade com quem ouve. De identificação.
Os Secos & Molhados musicaram, entre outros autores, o argentino Julio Cortázar (“Tercer Mundo”). Você, que também é escritora, criou “5 Years Old” a partir de uma frase do poeta E.E. Cummings. Em que medida a leitura ajuda no processo de composição?
Eu acho que só sou a cantora que sou porque li os livros que li. Minha mãe é professora e me incentivou muito, desde criança, então eu tive esse privilégio do mundo da literatura, fosse fantasioso ou duro e realista, eu fui me inspirando e trazendo aquelas referências pra minha vida. Eu amo ler livros bons, quando eu fecho, eu me sinto muito inspirada pra arriscar algo. Nem que seja uma linha, ou uma melodia. Fico deveras preenchida e isso me estimula muito.
Eu me atrevo a dizer que o amor (principalmente, o romântico) ainda é o principal tema das letras de música. No entanto, há inúmeras possibilidades narrativas. Você fez “Além de Cavalos“, uma canção mezzo irônica que traz como tema uma situação cômica, inesperada. Por que acredita que essa escolha temática segue inabalável? O mercado e os consequentes algoritmos têm alguma relação?
Engraçado que tudo hoje em dia acho que é culpa do algoritmo, mas o amor não hahahaha Ainda não! É inesgotável esse tema. É o que nos move. O mundo é um horror, mas OPA, senti uma paixão aqui, OPA, tô amando ali. A real é que é muito bom amar e ser amada. É quase mágico. Bilhões de pessoas e como assim nosso coração fica diferente com o cheiro de uma pessoa? Por que quando uma pessoa passa a gente sua na mão? Que isso, gente? Significa. Acho que sempre vou querer falar de amor, das maneiras mais absurdas e divertidas e densas e esquisitas. Pode ser que uma hora seque, sem dúvida, mas eu ainda tenho coisas a dizer.
Penso que existem algumas reflexões a serem feitas em relação à arte, principalmente sobre formas de consumo, alcance, remuneração justa… Mas e em termos de letra e narrativa, que reflexão precisamos fazer enquanto ouvintes, leitores?
Acho que fica a reflexão que devemos voltar às grandes palavras, aos grandes textos. Estamos com mania de consumir tudo de maneira muito resumida, tudo num tuíte, ou com muito poder de síntese para uma thread, ou dividido em 10 fotos do carrossel do Instagram. Eu ando toda me afeiçoando de volta às grandes histórias, grandes poemas. E tento na minha vida ir até o fim de uma audição. Não pulo música, não pulo clipe. Mesmo que fique constrangida e sinta que algo não me toca, eu vou até o impor curiosidade. Acho importante essa tentativa. É preciso tentar.
Com Letuce e dois álbuns lançados junto à banda, quais as composições mais se orgulha de assinar? E quais canções, de colegas, admira ao ponto de desejar que fossem suas?
Tanto de Letuce ou Letrux, algumas músicas são mais meu xodozinho do que outras, acontece. Tenho muito carinho por Seresta Quentinha, Sempre Tive Perna e Muita Cara, de Letuce. Já como Letrux, gosto muito de 5 years old, Amoruim, Hypnotized, Deja-vu frenesi, Cuidado Paixão e Dorme Com Essa. São músicas que acho que consegui fazer o que eu queria. Parece fácil, mas às vezes é muito difícil concretizar uma ideia. E sinto que com essas houve uma fluidez boa, que me ajudou. Sobre canções de colegas, eu amo muito Pra Sempre Será, do Terno, essa letra, nossa, me dilacera. Ando viciada em Sentimento Blues, da Julia Mestre com Da Bossa, uma graça. E me emocionei muito com Mexe Comigo, da banda Pelados.
Rápido. Sem trapacear abrindo seu perfil no Letterboxd. Por qualidade, bilheteria, prêmio, meme ou qualquer…
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