Há 18 anos Preta Gil colocava no mundo “Prêt-à-Porter”, seu primeiro álbum de estúdio e símbolo de uma guinada na carreira. Ela deixava de trabalhar em uma agência de publicidade para se tornar um ícone pop dos idos anos 2000. Fez da mulher livre, que ganhou espaço nas capas de revistas e jornais de todo o Brasil, um exemplo para o filho Francisco, que não negaria as próprias vontades e viria a se tornar músico.
Juntos, eles lançam nesta sexta-feira (6) a canção “Meu Xodó”, uma declaração de amor à vida e à arte que subverte os sentidos da afetuosa expressão. A estreia chega como um clarão na discografia e rotina de Preta, que acostumada ao ritmo frenético dos shows e aparições públicas foi obrigada a se isolar e a viver uma sequência de lutos.
No clipe, gravado à beira-mar, ela conta com as participações do pai Gilberto Gil, da neta Sol de Maria Gil e do marido, Rodrigo Godoy.
Com composição do próprio Francisco em parceria com os hitmakers Pablo Bispo, Ruxell e Sergio Santos, a canção soa como um chamado ao dever de cantar. Em entrevista ao Papelpop às vésperas de celebrar 47 anos de vida, a cantora fala sobre afeto, cobranças e desafios – ao parecer questões intermináveis, entranhadas. Os principais momentos dessa conversa você lê abaixo.
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Papelpop: Nessa letra vocês abordam diferentes significados da palavra xodó, distanciando-se de um sentido romântico. O que tem sido um xodó pra você?
Preta Gil: Com certeza, acho que é a minha família tem sido um xodó pra mim. O meu filho, a minha neta, o meu marido, os parentes… Eu pude encontrar novamente o amor a partir deles. Sinto também muita saudade dos meus fãs, que são um xodó pra mim. Isso, aliás, é uma coisa que eu sei que tá ali e que tá em suspenso, né? A gente não tá podendo se ver, mas é um xodó muito forte que eu sei que a gente vai voltar a conectar em algum momento. Mas os maiores xodós de todos, esses eu posso dizer, são a música e a minha própria existência, o fato de eu estar viva, saudável e de ter tanto acalanto.
Em resumo, tudo o que essa nova canção simboliza.
Sim. Quando o Fran me mostrou essa música que ele já tinha feito pra mim ano passado, mas eu não tinha gravado, bateu essa vontade de me conectar com coisas que me fizessem ter vontade de ver no meio de um luto muito profundo uma oportunidade de respirar e de voltar a me conectar com coisas boas. O meu estrogonofe com batata frita é um xodó, eu tenho um xodó por esse computador que uso pra trabalhar todo dia feito louca, eu tenho muito xodó pela minha neta que no meio dessa pandemia não me deixou surtar e pela música, que eu brinco dizendo que é minha boia salvação. É a mola do meu fundo do poço, que minha mãe sempre diz pra mim que fundo do poço tem uma mola e quando eu tive vontade de gravar ela, ela veio como uma mola pra me botar pra cima, me fazer emergir de novo com essa vontade de respirar, de trabalhar, de falar sobre música, de ter eternizado uma música feita pelo meu filho pra mim. Então, sim, são muito simbolismos que essa canção tem no que eu chamo de renascimento pessoal.
Ia te perguntar justamente isso. O que você ressignificou?
Tudo. Primeiro, a valorização da família nesse momento pandêmico foi fundamental. Meu filho e eu moramos no mesmo prédio aqui no Rio, somos vizinhos e essa proximidade foi realmente o que não me deixou pirar. Foi esse amor, foi essa conexão que temos muito forte, e que muitas vezes por conta do trabalho, né? De você estar em lugares diferentes, todos distantes, cada um pra um lado, cada um correndo atrás do seu, você não tem essa essa conexão. Minha relação com o meu filho nesse momento se estreitou, a gente resolveu muitas questões, a gente fez muita autoterapia um com o outro, a gente se abraçou muito, a gente se amou muito e e resultou nessa nessa canção. Mas agora me vejo como uma Preta que tem uma uma pulsação mais equilibrada, é uma uma Preta mais velha. Uma Preta que que tá entrando nesse amadurecimento, nessa velhice com mais afeto, mais carinho, mais cuidado. Uma Preta muito muito muito mais calma, mais pé no chão [risos]. Eu comecei a pandemia já doente, vindo de um Carnaval, de uma agenda intensa de shows e, de repente, aquilo tudo foi arrancado de mim. Foi de uma brutalidade muito forte. O que a gente tá vivendo, na verdade, é uma brutalidade. Você vê a sua carreira ser arrancada, o seu ofício ser arrancado de você. Eu sou uma cantora de palco, uma cantora que fazia muitos shows. Me ver tanto tempo em casa me fez querer rever muita coisa, me transformou em uma mulher mais madura, serena, conectada com a minha essência, com a minha ancestralidade, a minha fé, a minha ligação com os orixás. A minha fé, aliás, foi fundamental pra que eu sobrevivesse, fundamental pra enfrentar os lutos que enfrentei. Você fala agora com uma Preta mais sábia, que vai fazer vinte anos de carreira ano que vem e que começa a apontar pros cinquenta anos logo mais. Me sinto diferente, mas tô gostando.
Para estrear “Prêt-a-Porter” [álbum de estreia, lançado em dezembro de 2003] você também teve que passar por uma super mudança. Hoje, olha pra trás e guarda o quê desse período, dessa decisão?
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Ouça “Meu Xodó” também nas plataformas de streaming.
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