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Marina Sena, que lança novo álbum: “Vou querer o que eu quiser e quero tudo”

Não é de hoje que as comparações entre Marina Sena e a já veterana Marisa Monte acontecem. Mas para além do visual, aspecto determinante na garantia dessa cadeia de comentários espalhados pelas redes sociais, ambas as artistas compartilham timbres únicos. Logo, seria de se admirar que os respectivos debuts não surtissem o efeito esperado.

Ex-integrante do grupo Rosa Neon, quarteto formado ainda pelos amigos Marcelo Tofani, Mariana Cavanellas e Luís Gabriel Lopes, Sena demorou pouco tempo para romper a bolha. Enquanto recebia indicações ao Prêmio Multishow e preparava ao lado dos parceiros uma dissolução saudável e consciente do grupo, marcada por virais como “Ombrim” e “Fala Lá Pra Ela”, pavimentava o caminho para o desenvolvimento de seus projetos pessoais.

Nesta quinta-feira (19) a artista eleva seu pop à 10ª potência com a estreia do disco “De Primeira“, uma narrativa ambiciosa sobre desejos, tropeços e paixões produzida por Iuri Rio Branco. Entre o pop, o samba, o axé e a MPB, Marina cria uma jornada em dez faixas que se desenha à moda de um Brasil recôndito, particular em seus contornos.

Autora de “Voltei Pra Mim”, uma das grandes canções pop de 2021, ela fala ao Papelpop sobre a estreia. Diz ver como inesperado o título de “compositora da alma alheia” e que tenta levar com suavidade a própria relação com as redes sociais. A ambição, sustenta, está em seu radar. “Não vejo motivo pra não querer demais, pra querer pouco se eu consigo fazer muito”.

Abaixo, você lê a íntegra da conversa.

***

Papelpop: Apesar dos muitos expurgos, este é um disco de reencontros. Com o que você tem se reencontrado?

Marina Sena: Olha, comigo mesma. Porque quando você fala do outro, acho que também tem uma parte que te faz falar de si mesma. O amor e as relações amorosas como um todo, muito presentes em ‘De Primeira’, são como bodes expiatórios pra que você, enquanto criadora, fale de coisas pessoais, que tem a ver com as suas próprias percepções, com o processo que cada um vive. Isso tem a ver com a minha relação, com o meu crescimento, minha parcela de coisas dentro daquilo. Então esse disco é um reencontro com o meu protagonismo, o meu sentir, meu senso de observação.

As letras apelam para uma espécie de libertação das relações tóxicas e isso vai na contramão de histórias e situações que em geral se criam com um protagonismo masculino. Como foi pra você assumir esse compromisso de narradora, transformar a música como uma espécie de escape pra tantas meninas?

É engraçado porque esses dias eu tava escutando MC Dricka e naturalmente já me sinto a maior gostosa do mundo [risos]. Quando eu ouço minhas músicas não sei se consigo sentir isso na mesma intensidade, as pessoas me dizem com frequência ‘Esse som me libertou” ou “Sempre que eu quero me sentir uma gostosa boto o seu som’. Eu penso ‘Que doideira poder provocar essa sensação com a minha música’… Mas esse é um compromisso que você assume, ainda que no fim nem saiba que assumiu. Quando você vê já é isso, não existe um acordo, não se assina nada. É natural ocupar esse lugar e eu acho super interessante, quando você é adolescente nunca espera ser uma mulher referência para outras.

Te assusta essa identificação em massa?

Não sei… acho que não mete medo porque eu gosto muito. Mas é inesperado. Você vai fazendo uma música e outra na maior humildade e quando percebe… [risos]

“Pelejei” é uma canção combativamente romântica em que você cita conselhos recebidos da sua mãe. Sempre tiveram um jogo aberto pra tratar dessas questões? Que lições herdou dela nesse sentido?

Desde que eu nasci minha mãe sempre me deu um conselho: ‘Não dependa de homem pra nada. Pra. Nada. Faça tudo você mesma’. Ela sempre me incentivou a nunca ser submissa, a não colocar o outro num projeto de vida. Sempre tivemos tem um jogo aberto. Nunca precisei mentir pra ela, sempre admiti as coisas que ela me questionou. Digo sempre ‘Fiz isso, fiz aquilo, fumo maconha mesmo’. Temos uma relação de verdade, mesmo que eu reconheça que existam pais bem diferentes dela e que dificultem essa ponte com os filhos. Sabe? Aquelas pessoas que você olha e diz ‘Puta que pariu, como é que essas pessoas convivem?’. Nunca tive medo de enfrentar as minhas consequências, o que ela poderia não gostar e que acabaria gerando uma tensão. É bom falar, aguento o rojão e mostro que ela pode confiar em mim.

Você vem do interior de Minas e as canções como um todo tem um apelo imagético. Gera até uma certa nostalgia… O seu contato com essas paisagens que fizeram parte da sua criação reflete de alguma forma no seu jeito de compor hoje? 

Muito. São coisas que às vezes nem consigo explicar, coisas que estão ali de referência. Pra um artista, as referências vem de todos os lugares possível e eu sou alguém que trabalha dessa forma. Se você gosta de um estilo de música, por exemplo, e eu não tenho familiaridade com isso que você toca, se você ficar uma semana tocando isso perto de mim estarei compondo como se tocasse isso há muito tempo. Tenho uma facilidade de absorver o que está próximo. O Norte de Minas, onde fui criada mesmo e morei por um bom tempo, é bem diferente da parte Sul, é outra ideia, outra coisa. Fiquei 22 anos da minha vida lá. Só me mudei pra Belo Horizonte quando ‘Ombrim’ já tinha sido lançada, as coisas com Rosa Neon já tinham acontecido. Percebi no início minha voz era muito aguda, muito nasalada…

… É sério? Por quê?

Eu gostava, mas ao mesmo tempo me autocriticava, achava meu canto muito fino, gritado. Mas aí você observa minha tia cantando na igreja com o mesmo tipo de voz, cantando e colocando a voz no mesmo lugar. As lavadeiras do vale do Jequitinhonha, próximo ao Norte de Minas, coisa de 2h de distância de Taiobeiras [cidade natal], também compartilham essa mesma técnica de canto, que vem aqui na cabeça. Minhas referências vem dali, das cantoras de forró que cantam nesse mesmo lugar. Então me aceitei e entendi que não tinha nada errado. Tem a ver com a minha cultura, com o lugar que eu vim. Colocamos muito vibrato mesmo… Aí você descobre todo um universo. Também me diziam ‘Vai fazer som norte mineiro?’. É óbvio que sim, porque eu sou daqui. Ninguém teria mais propriedade do que eu, apesar de não fazer um som regional, tradicional, restrito a determinados moldes. Mas é a música feita de uma norte-mineira, não?

Também sou do interior e sinto que as pessoas, parte da imprensa na real, continua tentando rotular jovens artistas que vem de fora do eixo Rio-São Paulo. Esse problema já chegou até você? 

Não me prejudica, mas sinto também que o tempo todo tentam te colocar numa caixinha. Principalmente quando saímos dos ‘interiores’ do Brasil. As pessoas tentam sempre te rotular como ‘artista regional’. Quando eu fazia parte de outra banda, a Banda da Lua, falávamos mais da terra, das flores, dos frutos, dos signos do Norte de Minas. A galera daquela região pirava, lotava os nossos shows, todos adoravam o rock norte-mineiro… Mas quando decidi fazer esse som que é claramente mais pop muita gente veio me dizer que eu perderia minha essência. ‘Marina, não perca isso, é a coisa mais importante que você tem’. Mas pera, a minha essência tá aqui intacta. A minha saúde e meu talento, sim, são as coisas mais importantes que eu tenho [risos]. Minha teoria sobre fazerem isso é que quem já está estabelecido nas capitais do Sudeste, principalmente, pensa que a gente não pode competir no mesmo lugar. Que temos sempre que ficar ali no mesmo lugar. Eles ficam putos quando rola o oposto.

“Voltei Pra Mim” levanta uma discussão importante sobre o fim e os muitos reencontros que vêm com ele. Qual a importância de se reconectar consigo mesma, de estar bem com essa essência por ora suprimida?

Passei por altos e baixos emocionais durante a pandemia. No caso de quem fez e segue fazendo um isolamento correto, a gente se sente muito sozinho. E é aí que você descobre se gosta de estar consigo mesmo, se é real, se você realmente se acha bonito. Tudo caía por terra e voltava, caía por terra e voltava. Me olhava no espelho e não conseguia me reconhecer. Dizia ‘É isto, sou isso. Só nascendo de novo pra mudar’, tentando me encorajar [risos]. Passei por uma fase de me achar feia demais, chata demais, que não poderia oferecer nada de interessante pras pessoas além da música. Mas aí houve um outro processo de voltar a mim mesma, de ter essa sensação de recuperar algo que é meu e tão melhor. Conquistar de volta a concentração pra seguir o seu caminho, seguir a própria história com tranquilidade é bom demais. Veio daí a música. A gente tem medo de viver liberdades, de tomar conta das nossas decisões. Não pode. Você tem que ir naquilo que te dá asas. Não tenha medo de ser livre.

Do que você tem medo hoje?

Da morte. De não ter saúde, de todos os tipos. De faltar saúde física e mental, alimentação.

Você levou mais ou menos um ano após o fim do Rosa Neon pra se lançar em cantora solo. Conseguiu descansar nesse meio tempo, intelectualmente falando, ou rolou uma certa pressão de ter que lançar um disco e não perder o time?

Não, na realidade isso nem foi algo que eu cheguei a cogitar, a pensar. O disco já tava bem encaminhado antes de o Rosa Neon acabar, era uma coisa que vínhamos conversando, sobre como seria o meu planejamento. Mas veio a pandemia e eu adiei, a princípio lançaria antes. Essas músicas já estavam comigo há bastante tempo, só ‘Voltei Pra Mim’, ‘Me Toca’ e ‘Amiúde’ que nasceram no último ano.

“Me Toca” nasceu como uma canção dos tempos, já nos moldes do TikTok. Você lida muito bem com as plataformas, parece gostar dessa função… Tem alguma fórmula pra trabalhar isso de maneira saudável, sem ficar obcecada por likes ou se sentindo pressionada pelos algoritmos?

Ter uma empresa que cuida disso pra você [risos]. É o único jeito de não ficar neurótica. Eu tive que dar um tempo e, inclusive, deleto com frequência os aplicativos pra não mexer… às vezes, você fica lá comendo like, se alimentando disso, o que é muito ruim. Meu engajamento é bom, mas você não pode viver só dessas coisas. Agora, com esse disco, estou mais tranquila por poder passar a demanda, só cuidar de fazer o conteúdo. Você sabe, minha função na terra é aparecer, eu adoro. Mas quero aparecer de uma forma mais bem organizada, não quero postar muito sobre a minha vida pessoal. Não tenho interesse nenhum de que gostem de mim pelo meu dia a dia, mas sim pela mensagem que tenho pra passar, pelas músicas, a batida, a arte. Quero que enxerguem meu personagem artístico, que é o que tem que inspirar. Se não for assim, não quero.

O título “De Primeira” soa como uma espécie de provocação, uma tentativa de conquistar todo mundo. O que você quer com esse projeto? E o que ele deve significar pras pessoas?

Meus sonhos, realmente, não tem limite. Às vezes penso ‘O que mais vou querer quando conseguir conquistar o que eu quero hoje’? Acho que sou uma iludida, uma libriana viajante, mas eu acho que se é pra querer… a única oportunidade que pobre tem é querer, sabe? A gente tem que ter esse direito. Vou querer o que eu quiser e quero tudo. Ser artista internacional, gente que nem saiba falar português goste da batida, goste da minha sonoridade. Eu acho que sou muito capaz de fazer isso.

Você se considera ambiciosa?

No melhor sentido da palavra, o mais puro talvez. Não vejo motivo pra não querer demais, pra querer pouco se eu consigo fazer muito.

***

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