Em meados dos anos 1980, Mercedes Sosa transformou em música as dores e incertezas do continente sul-americano. No disco “Será Posible el Sur?” a cantora usa a realidade dos pobres e oprimidos como fio para tecer uma colcha de provocações. Na faixa-título por exemplo, ela canta:
“Minha terra
que uma vez gira na escuridão
desta pergunta
Será possível o Sul? Será possível?
Se se visse no espelho, seria capaz de se reconhecer?“.
Inventivos, os artistas das novas gerações respondem a esta pergunta com um poderoso ‘Sim’. Eles e elas têm investido em suas raízes e na criação de uma identidade que transborda não apenas aquilo que são, mas também o que querem transmitir, suas próprias mensagens.
Mais! Mensagens que seja capazes de conter retratos de andanças pelo mundo e do que resguardam as diferentes culturas das nações ibero-americanas. A série Tiny Desk, realizada pela NPR, está de olho nisso e tem caprichado na curadoria, dando cada vez mais espaço tanto para nomes já consagrados, quanto para jovens talentos. O cantor espanhol C. Tangana, por exemplo, passou por lá e ficou entre os assuntos mais comentados das redes sociais, tal qual o disco da vez, “El Madrileño”.
Tem rolado, sim, uma expansão do já tradicional histórico de excelentes apresentações com foco no espanhol e pra não ficar de fora, você pode conferir abaixo uma lista com os melhores do gênero. Pra conhecer, revisitar e, claro, ouvir no repeat.
No Tiny Desk Concert de Ozuna, reguetón em sua melhor forma. Em seu show, o artista porto-riquenho caprichou no set, marcado por canções de amor e desejo. Acompanhado por seus músicos, ele entrega a tradicional vibe intimista do projeto, capaz de transformar a locação em uma espécie de bar – o lugar em que todos nós gostaríamos de estar falando sobre amores, felicidades, desilusões…
Dono de um charme imbatível, o uruguaio Jorge Drexler, cinco vezes vencedor do Latin Grammy, levou para o Tiny Desk as canções do disco “Salvavidas de Hielo” (2017). Sem o apoio de instrumentos de percussão e focado na criação de uma atmosfera delicada, propícia para apresentações acústicas, promoveu ao lado de seus músicos um momento ímpar de intimidade.
Entre os destaques está sua interpretação do single “Asilo”, originalmente uma parceria com a chilena Mon Laferte.
Uma mistura bastante peculiar forma a identidade do grupo bogotano Bomba Estéreo. Seu Tiny Desk é um dos mais curtos em termos de duração – o que não lhe confere um valor inferior aos demais, pelo contrário! Aumente o volume!
Ao passar pelo estúdio em 2017, a vocalista Li Saumet e seu parceiro Simón Mejia mandaram ver em uma ode à música afro-colombiana e à cumbia. Deixaram no palco a assinatura de um som único, marcado por arranjos complexos e, claro, a força de composições que reafirmam as próprias origens.
Karol G, hoje uma das maiores artistas latino-americanas, reuniu uma banda formada apenas por mulheres e colou na parede pôsteres de Christina Aguilera. Divulgando o disco “KG0516”, a “bichota” reduziu as próprias canções e mostrou que sabe se adequar a qualquer ambiente. Como participação especial, trouxe o conterrâneo Camilo – outro nome pra ficar de olho no pop colombiano, um ídolo em ascensão.
A mais antiga apresentação desta lista é da mexicana Julieta Venegas e foi gravada em 2011. Como a grande dama da música latina que é, não houve a necessidade de grandes aparatos pra que o show pudesse ser realizado. Munida apenas de violão, acordeón e clarinete, a artista ofereceu um número carregado de afeto e ternura.
Interessante observar como de lá pra cá o cenário e o próprio formato evoluíram, mas, mais do que isso, como as canções do LP “Otra Cosa” (2010) amadureceram bem.
Nome conhecido na cena do dito “Global Music”, Lila Downs Sánchez, ou só Lila Downs, reverencia por meio de suas criações a raízes da própria mãe, de ascendência Mixteca.
É na cultura desse povo ameríndio da família lingüística Otomanque, habitante do atual território do México, que a cantora busca inspiração para canções viscerais, muitas vezes dispostas em formato de poema, em outras praticantes do chamado storytelling. O Tiny Desk concert realizado em 2017 é perfeito pra quem quer se emocionar.
O colombiano Carlos Vives, autor do emblemático disco “La Tierra del Olvido”, recebeu o convite para o Tiny Desk concert em 2020. Na ocasião, reuniu os músicos na sala de casa e cantou de pés descalços, como a amiga e compatriota Shakira.
O set abre com uma explosão de latinidade, refrescando na memória do público a riqueza sonora de seu país por meio de ritmos como a champeta, tradicional da costa caribenha, e o denso vallenato – um dos gêneros favoritos do escritor Gabriel García Márquez, bem como condutor do sucesso “La Bicicleta”. Perfeito pra levantar o astral.
Embaixadora da música folclórica latino-americana, a cantora mexicana Natalia Lafourcade subverte o significado do dito realismo maravilhoso. À época divulgando o projeto “Musas”, que consiste em dois volumes com interpretações de canções canônicas do folk regional, a artista entregou um show que é, do início ao fim, uma ode à magia contida na cultura popular mexicana.
Não à toa venceu o troféu de Álbum do Ano no Latin Grammy 2020. Em maio, a artista falou ao Papelpop sobre a estreia de seu novo projeto, “Un Canto por México, vol. 2” e a cola-l.1.l0l07
boração que fez com Caetano Veloso.
Vinho nas taças, petiscos e instrumentos. Este é o roteiro do show organizado por C. Tangana, jovem astro autor do disco “El Madrileño” (diga-se de passagem, um dos melhores de 2021). Ao lado dos amigos, ele põe a mesa a fim de cantar o que lhe dá vontade. O único defeito desta apresentação é que ela acaba, restando ao espectador assistir várias e várias vezes. Destaque para o número de abertura, que transportaria facilmente o ouvinte às mais belas paisagens da Espanha.
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