No Brasil, Thalia teve seu status de celebridade impulsionado à 10ª potência graças às “três Marias” e suas respectivas novelas. No entanto, desde o fim dos anos 1980, a artista já se dedicava a projetos musicais – grandes responsáveis por torná-la uma superestrela. Após rápidas passagens por grupos de música pop regional, ela se lançou em carreira solo e mudou de direção mirando o pop, porta para grandes plateias mundo afora.
Em seus 30 anos de carreira solo, recém-completados em 2020, foram dezessete álbuns de estúdio, incontáveis projetos em diferentes searas e um desejo insaciável de atender os próprios desejos criativos.
Neste novo momento, a voz por trás de “No Me Acuerdo” e “Mojito”, entre tantos sucessos clássicos e recentes, tem apostado no urban, um caminho que revela interesse pelo que há de mais fresco na pauta. Em síntese, é mais um degrau completado pela musa em sua odisseia exploratória de tendências que inclui, entre outros gêneros o dub, o reguetón e a batucada brasileira. Suba o som e relembre abaixo grandes estreias, dissecando o que há por trás de cada uma.
O fim dos anos 1990 foram agitados para Thalia. Além de trabalhar por cerca de dois anos na promoção do bem-sucedido disco “Amor a La Mexicana” (1997), Thalia também dedicou parte do último ano do velho milênio à produção da telenovela “Rosalinda” e do filme “Mambo Café”.
Cumprida a agenda de compromissos, a musa procurou o empresário e produtor cubano Emílio Estefan, que no ano anterior tinha trabalhado com Shakira no exitoso “Dónde Están Los Ladrones?”. Guarde bem este nome! Os dois seriam importantes parceiros musicais.
“Arrasando”, disco que chegou em 2000, faz jus ao título e revela um desejo da artista em estar no controle da própria vitória. Das 12 faixas, 8 tem sua assinatura na composição. O single “Reencarnación”, por exemplo, é bastante pessoal e mantém a ousada linha lírica, enquanto “Suerte en Mi”, por sua vez, chega em tom de homenagem. Trata-se de uma versão em espanhol do hit “Lucky Girl”, lançado anos antes por Gloria Estefan (ícone pop e esposa de Emílio).
A estética também chama a atenção. Se ao longo dos anos 1990 a artista se firmou como um símbolo sexual, agora ela mostrava que estava pronta pra dar um tempo na extravagância apostando em propostas mais consistentes. Entre as influências sonoras? É importante citar além da batucada brasileira o pop latino, house, synth pop, dance e R&B. Uma farofa perfeita pra fazer dançar em dias ruins.
Mesmo que as turnês tenham ficado mais escassas nos últimos anos, Thalia nunca teve medo de encarar grandes plateias e seus consequentes números, por vezes estratosféricos. Em 2009, já há algum tempo sem entrar em turnê dados os compromissos aos quais vinha se dedicando, a artista viveu seu momento “Madame X” ao colocar a voz e os sentimentos como protagonistas de sua performance.
À la MTV Unplugged, produziu “En Primera Fila”, uma sensível e intimista apresentação que traz clássicos do próprio repertório e releituras de grandes canções de amor, entre elas “Qué Será de Ti”, versão em espanhol do sucesso “Como Vai Você”.
A canção, escrita pela dupla Antônio Marcos e Mário Marcos, foi gravada a princípio por Roberto Carlos, em 1972. Wanusa também deixou uma interpretação memorável. Mas a intensidade de Thalia… merece atenção. Outros destaques são “Estoy Enamorado” e “Cosiéndome El Corazón”.
Em parceria com o premiado Emilio Estéfano, um dos mais importantes nomes da cena pop latino-americana, surge “El Sexto Sentido”. Neste disco de 2005, Thalia reafirma mais uma vez o título de rainha ao apresentar pela terceira vez uma compilação com canções em inglês, passeando por gêneros como o pop, o dance e a bachata, tradicional gênero porto-riquenho.
A fim de construir um visual extenuante e sagaz, a musa conquistou vários feitos. Por outro lado, acabou se mantendo em uma certa zona de conforto – o que não faz com que inove, mas ao mesmo tempo deixa um claro recado do lugar que ocupa. Merecem ser ouvidas “No Puedo Vivir Sin Ti”, “Un Alma Sentenciada” e “Amar Sin Ser Amada”, um marco do empoderamento na década de 2000 que mistura pop, rock e tango.
Uma dobradinha respeitável. Os discos “En Éxtasis” (1995) e “Amor a la Mexicana” (1997) alçaram a musa a um posto jamais alcançado por nenhuma outra estrela do seguimento àquela altura. Os jornais em suas seções de entretenimento àquela altura não citavam outro nome. Tendo seu impacto comparado ao de lendas como Selena Quintanilla e Gloria Estefan, Thalia entregou ao mundo o que se pode chamar de “bomba latina”.
Sensual ao extremo e munida de canções sobre amor e paixão, a artista deu adeus à gravadora Melody para trabalhar de maneira mais independente em parceria com a EMI. Com alto investimento, produziu uma sucessão alucinada de hits que dariam forma a este primeiro disco, composto por faixas como “Amándote”, “Gracias a Dios” e “Maria La Del Barrio”. O clipe desta última se tornou nada menos que a abertura da novela de mesmo nome com a participação do galã Fernando Colunga. Inesquecível!
Dona de si e decidida a usar seu charme da maneira que bem entendesse, não demorou a despertar a ira da xenofobia e do machismo. Houve quem torcesse o nariz, principalmente na imprensa norte-americana, dizendo que a artista era provocativa demais, quase “satânica”. Que o padrão pop de seus espetáculos, com grande número de bailarinos e trocas de roupa, era uma maneira de “disfarçar a falta de talento”.
No entanto, os convites para apresentações em grandes festivais chegavam de toda a América Latina e o desempenho nas paradas de sucesso era extraordinário. Os fãs berravam nas imediações dos hotéis em que se hospedava e no Brasil foram vendidas cerca de 150 mil cópias físicas do projeto apenas no ano de estreia. Aqui os experimentos musicais foram com salsa, cumbia e pop, principalmente.
Uma linha de lingerie chegou a ser lançada e por um bom tempo a artista passou a utilizar em sua identidade visual a cruz Anj (símbolo da vida na escrita hieroglífica egípcia) no lugar do “T”. Simbolismos à parte, o clipe de “Piel Morena”, um dos grandes sucessos da carreira, revela o tom ousado da produção.
Gravado no lendário estúdio Crescent Moon, um dos mais importantes espaços criativos da América Latina em sua história recente, “Amor a la Mexicana” é símbolo concreto da evolução musical e do amadurecimento de Thalia ao longo dos anos. Isto porque, com as letras atraentes e cheias de desejo que apresentou ao público, criou uma narrativa alucinante que foi cume de um exercício criativo praticado ao longo de seu primeiro ciclo artístico.
Do huapango e da cumbia, gêneros muito tradicionais do México e da Colômbia, ela extraiu um dos melhores singles da carreira, aqui faixa-título. Dançando entre velas, correntes e flores, a artista mescla no clipe vulnerabilidade a volúpia. Cores e sonhos carnais dão o tom, tendo sido um prato cheio para os mais caxias.
Outro destaque da videografia aqui é “Mujer Latina”, uma canção feita para as pistas de danças e que tem a alma dos anos 1990 – embora tenha se firmado como um hino atemporal.
Com tanta experiência, era de se esperar que Thalia, hoje uma veterana imbatível, mostrasse estar antenada com o que soa por aí. Embora seu objetivo não seja nem de longe competir com jovens nomes que dominam a cena pop ostentando números extraordinários, a artista segue mostrando sua relevância musical às vésperas de completar 50 anos de idade.
No disco “DesAMORfosis”, lançado em maio de 2021, ela abre o coração mais uma vez para falar de suas experiências no amor. Ele está, inclusive, no título e se desdobra com o desejo de apontar a complexidade de emoções que só ganham verdade a partir da voz de quem viveu o que canta.
Além do frescor e do fôlego de “Mojito”, lead single que representa bem a primeira fase de um romance, é preciso se atentar ao potencial de “Barrio”, faixa que encerra mais esta jornada acenando para o passado.
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