Rael fala ao Papelpop sobre “Passiflora” e reflete: “Estamos diante de uma emergência climática!”

Rael convidou Céu e Rafa Dias, produtor conhecido como RDD, para a criação de “Passiflora”, single lançado na semana passada pela gravadora LAB Fantasma. A música faz parte do projeto #YoutubeBlackVoice, do Fundo Vozes Negras, programa global criado para apoiar e promover artistas e times negros.

Em entrevista com o Papelpop, realizada nesta semana, o artista contou que a música é mais um passo em direção a narrativas que envolvam o meio ambiente e a natureza. Desde o seu primeiro trabalho solo há elementos que tratam da temática. Entretanto, agora, ele se vê mais maduro para discutir a relação da humanidade com seu entorno. “Criar um espaço para esse debate também é importante. A gente se vê diante de uma emergência climática! Acho que é bom lembrar que somos isso também. Somos essas plantas, esses biomas, essa biodiversidade…estamos inclusos. Não apenas assistir ela acontecendo.”, explica Rael.

O rapper cita que a arte sempre foi o principal instrumento para mostrar suas “posições, opiniões e lutas contra as coisas que não estava de acordo”. Desde a infância, já tinha o lado artístico latente na vida. Fazia cover de racionais aos 11 anos. Aos 14 cantava músicas de Chico Science & Nação Zumbi. Já em 2001, fundou o grupo Pentágono. Após treze anos de estrada, começou a carreira solo. Em toda a trajetória artística, cantou sobre temas sociais e questões que se conectam com sua existência afro-brasileira.

Motivado pelo nascimento de uma passiflora, conhecida como a “flor da paixão”, em sua horta, o compositor criou um ambiente musical para debater a relação tóxica com a tecnologia e a falta de elos primordiais com a natureza. Muitos falam do efeito calmante do maracujá, mas nem todos sabem que é na flor da fruta que estão os seus principais benefícios (utilizados em tratamentos de ansiedade e de insônia, por exemplo).

“A minha avó era benzedeira, ela tinha uma horta. Sempre tive essa conexão com as plantas e tal. Só que eu tinha deixado isso um pouco de lado. É até engraçado…para saber que [aquela flor] era passiflora, eu tive que usar um aplicativo que identifica as plantas. A minha avó já tinha essa tecnologia na cabeça dela, já saberia. […] Vejo que pelo fato da pandemia, talvez as pessoas tenham parado um pouco mais para olhar as coisas que elas não olhavam, as pessoas têm aderido esse comportamento também. Acho que todo mundo vai ter que se reinventar, né?”, reflete o cantor. 

Este lançamento foi acompanhado de um poderoso videoclipe. Dirigido por Henrique Alqualo, o registro audiovisual apresenta uma fuga em meio à natureza e reforça a ideia de que é preciso se desconectar do frenesi e dos eletrônicos para se ligar com o que realmente importa: uma vida “sem crop, sem edição”, como diz a música. Há também a presença de representantes espirituais da ancestralidade através de orixás que surgem na narrativa. Assista:

O vídeo termina com uma narração de Ailton Krenak, de um trecho do livro “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”. O cantor relata que ficou muito feliz em ter essa participação especial. Foi o próprio ambientalista que escolheu o trecho que iria integrar o vídeo. “É uma grande honra ter um representante como ele, com a sabedoria que ele tem, com o conhecimento que ele tem”, afirma. “É uma pessoa que está na vanguarda dessas lutas ambientais e tem esse conhecimento griô, essa coisa que é passada de geração para geração. Compactuo muito com o livro “Ideias para adiar o fim do mundo”. Acho que é possível, existem várias alternativas.”

Foi feito um corte alternativo com essa passagem da obra. A direção geral é de Leandro Fióti. Dá uma olhada:

“Passiflora” também pode ser vista como uma canção manifesto. Como o próprio cantor cita, a partir dela pontes se construíram com indivíduos que compartilham deste desejo de mudança. “Vejo que construí uma rede de comunicação através da minha música, então as pessoas que tiverem esses tipos de ideias e tiverem essa força também sabem que é possível construir essa área de comunicação e colocar na mesa esses diálogos”, relata o cantor ao fazer o balanço da recepção da faixa. Para que possamos fazer essa mudança, porém, não é simples, afirma. Primeiro precisamos “separar um tempo para respirar” e “assumir nossos medos, nossas necessidades e se abrir com o outro”.

Agora, ele pretende começar uma ação chamada “O Pai Tá Off”, que convida pessoas a se descontarem da internet para realizar outras ações que possam contribuir para a qualidade de vida como plantar algo, ler um livro, realizar uma atividade física, brincar com o filho, falar com os pais ou qualquer coisa que seja distante do mundo digital. Esse processo de desaceleração, conta, é também um caminho para que todos possam questionar mais as grandes corporações e tudo que move o mundo capitalista.

Pensando em tais questões, o rapper evoca elementos históricos para levantar importantes questionamentos: “Já parou pra pensar que a Revolução Industrial dizimou o nosso meio ambiente? O que essa revolução digital fará com a nossa mente?” A resposta vem na sequência: “Já tem causado pânico, ansiedade, depressão, estresse [na nossa mente]”, exemplifica. 

Rael, que agora promove desafios pela mudança de velhos hábitos em conjunto dos fãs, tem se esforçado para transformar a rotina e incluir mais pontos de autocuidado no cotidiano. Se tornou maratonista, passou a fazer mais atividades físicas e tem meditado. “Duas semanas depois que comecei a usar o app Headspace, de meditação guiada, eles me chamaram para fazer um sleep cast – meditação para dormir”, conta. “Tenho transmitido isso também para as pessoas. Nesse momento, o desespero, a angústia, o medo e a insegurança tem se mostrado mais facilmente. Com esse cenário muito propício, esses sintomas aparecem e às vezes o modo de se conectar com você mesmo é saber mais da natureza, do autocuidado. E também enxergar quem está a sua volta. Assim, tenho trabalhado com outras ONGs e aspectos de doações porque tem muita gente passando veneno nesse período.”

Sobre o desenvolvimento da faixa, o artista relembra o convite para RDD: “Eu comecei aqui em casa. Fiz a a pré-produção, a batida, a linha de baixo, as melodias, a letra…já estava tudo pronto. Pedi pra ele trazer o samba-reggae da Bahia, essas percussões que remetem muito a coisas da África, que eu sou muito ligado, gosto muito de afrofusion. Queria trazer essa textura e ele chegou chegando!”.

Fã declarado de Céu, o rapper conta que esse feat. era um desejo antigo, desde o primeiro disco da cantora. “Passiflora, fala de tudo, né? Terra, flor, ar…só faltava o céu”, brinca. “Fiquei muito feliz com a participação dela!” 

No próximo sábado, dia 26, os artistas realizarão um show live para cantar, pela primeira vez, “Passiflora” ao vivo. De acordo com o rapper, a dupla também trará interpretações de sucessos de cada um e algumas surpresas no repertório. A transmissão será feita no Youtube, a partir das 21h.

Para o futuro, Rael garante que existem inúmeras músicas preparadas para ganhar o mundo, mas não se vê lançando um álbum tão cedo. Além disso, adiantou que existem mais de 15 colaborações gravadas, que irá lançar durante os próximos messes. “Eu tenho um disco que eu deixei pronto de afrofusion, mas é uma coisa que as pessoas não entendem muito aqui. E não adianta também eu fazer uma mudança radical, sacou? Eu compreendo isso. Então, deixei um pouquinho mais pra frente”, revela. “Agora, eu vou dar um tempinho. A gente não nasceu pra ficar parindo ideias toda hora. Às vezes é preciso dar um tempo para resetar o HD e vir com novas aspirações e reflexões para não ficar muito repetitivo. É importante parar e respirar um pouco.”, conclui. 

Ouça “Passiflora” nas plataformas de streaming:

Spotify | Deezer | Apple Music

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