Se jogando no R&B, Indy Naíse lançou nesta sexta-feira (18) um EP visual chamado “Esse é Sobre Você”. Ele narra as fases de um relacionamento em ordem cronológica, do início ao recomeço. “Escolhi fazer dessa maneira pra gente repensar as formas como nos relacionamos e enxergamos o outro”, explicou ao Papelpop.
Nós entrevistamos a Indy dias antes do lançamento. Ali, ela falou sobre espiritualidade, relacionamentos e a importância de cantar sobre afeto. A experiência de ter trabalhado com Rincon Sapiência, que pela primeira vez atua como produtor musical de outro artista que não ele mesmo, também foi abordada na nossa conversa.
Antes de ler a entrevista, que tal conferir os clipes do EP? Em formato de curta, eles foram liberados agora exclusivamente aqui. No total, o projeto conta com cinco faixas. Entre elas, estão parcerias com ninguém menos que Drik Barbosa e D’Ogum, companheiro de Indy. Se liga:
PAPELPOP: Depois de abordar as suas feridas enquanto uma mulher preta, qual é a importância de lançar um projeto focado em falar de afeto desta vez?
INDY: Esse álbum é um carinho que eu estou dando a mim mesma, então eu acredito que a importância começa nisso, em eu me permitir falar sobre outras coisas para além daquelas que me ferem. Principalmente, por ser uma questão política quando a gente está falando sobre um corpo preto, que é estigmatizado por conta do racismo. Então, eu acredito que a importância, principalmente, está nisso.
A espiritualidade costuma se manifestar nas suas músicas, incluindo a faixa “Lírios”. Como é unir essas duas coisas?
Espiritualidade e a minha criação, enquanto artista, são coisas que acabam se manifestando muito naturalmente, é algo que já está posto pra mim. A espiritualidade circunda a minha arte desde o meu primeiro trabalho e é algo muito intuitivo, e também, da minha vivência enquanto uma pessoa de axé. Então, é muito natural que se manifeste nas minhas músicas, nas minhas letras. Até porque elas são um retrato da minha vida, são autobiográficas. Então, simplesmente acontece.
O EP fala sobre as fases de um relacionamento, mas, ao contrário do que alguns poderiam esperar, ele não termina com algo triste. A última música dá foco para o recomeço. Por que escolheu fazer assim?
Eu escolhi essa narrativa do “início ao recomeço” porque sempre quando a gente vai falar de um relacionamento ou quando a gente pensa em histórias de amor, sempre tem essa coisa romântica do fim e de terminar ali mesmo. Se o relacionamento chegou ao fim, então acabou tudo, acabou a vida. A pessoa fica “Nossa, meu Deus, eu perdi o sentido de viver.” E o objetivo é tirar essa romantização.
Por isso, eu escolhi fazer dessa maneira pra gente repensar as formas que nos relacionamos e de como enxergamos o outro. Pensar que antes de estarmos com o outro, a gente tem que estar com a gente, que nós temos que amar a nós mesmos antes de ter qualquer tipo de sentimento por outra pessoa. Porque se a gente não nutre esse sentimento, esse amor próprio, a gente acaba entrando em situações que a gente não entraria se enxergássemos que a gente não merece aquilo, que somos pessoas incríveis que merecem ser amadas e cuidadas.
Então, eu acredito que o recomeço depois de um término de relacionamento, ele tem que partir desse lugar de olhar para si e ver que o amor mora ali e que você tem que regar sempre esse amor, porque é um processo. O auto amor também não é algo lindo, onde todo dia você vai acordar se amando. Vão ter dias que você não vai estar se amando, mas nessa questão do se relacionar com o outro, essa questão de olhar pra si e se valorizar, e ser autossuficiente, precisa estar acima de qualquer coisa.
“Cicatriz Lunar” parece trazer a experiência de alguém que, por amor próprio, conseguiu se afastar daquilo que não era saudável. A inspiração veio de aprendizados que você adquiriu ao longo da vida? Como espera que as pessoas recebam isso?
Sim, Cicatriz Lunar é uma música de fragmentos de algumas experiências que eu tive, no âmbito afetivo, e eu espero que as pessoas recebam essa música como cura, como um recado. Talvez existam pessoas que precisam ouvir o que essa música tem a dizer, pessoas que possam estar presas a algo que não está fazendo bem, pessoas que talvez não reconheçam que estão numa relação que não é saudável. E a música e a arte, podem trazer essa consciência.
Então, eu espero que as pessoas recebam de maneira consciente para além do entretenimento, porque a música é divertida, mas a gente está tratando de um assunto sério que é a dependência emocional, relacionamentos abusivos e a depender da situação em que a pessoa se encontra, até mesmo algum tipo de violência doméstica.
Conte mais sobre a experiência de ter a produção de Rincon Sapiência neste EP! Há semelhanças em como vocês trabalham?
A experiência de produzir com o Rincon, nesse trabalho, foi algo muito natural e espontâneo. Tudo começou de um de um interesse dele em produzir, após ouvir algumas faixas, e acabou se tornando algo maior, onde a gente foi maturando a ideia. E acredito que a semelhança entre a nossa forma de trabalhar está em chegar em um resultado excelente, em enxergar um resultado de qualidade, em tentar todas as possibilidades possíveis até chegar em um trabalho que a gente pense “nossa, isso está muito legal”. Então, a gente tinha muita afinidade e sintonia em estúdio. A gente sabia exatamente o que nós queríamos, e quando por algumas vezes não estávamos conseguindo desenvolver, a gente sabia identificar quando o som não estava batendo e tal, e era algo bastante mútuo. E quando chegamos ao resultado, todo mundo ficou bem satisfeito. Então, eu acho que a semelhança principal está em enxergar no resultado algo bastante satisfatório, um produto de qualidade e que conseguisse traduzir a minha identidade. Um trabalho que tivesse uma assinatura, uma identidade.
E de que formas as participações de Drik Barbosa e D’Ogum complementam o projeto?
A participação da Drik, eu costumo falar que não tinha como não ser ela na música de Cicatriz Lunar, porque a Drik tem um discurso muito próximo ao que a música traz, que é isso de se amar, de ser autossuficiente. Fora que ela é uma artista que eu admiro muito, uma artista que é jovem, mas que tem uma caminhada bastante madura, com muita história na maletinha musical dela. Então, eu sabia que seria uma participação que traria muito aprendizado e trocas para as duas. E a participação também nos deu a possibilidade de nos conhecermos melhor, porque a gente já se via, se encontrava nos rolês, mas acho que a gente estar ali em estúdio trabalhando juntas foi uma experiência muito gostosa. E quando eu ouço a música, eu tenho a certeza que não tinha como não ser a Drik, foi o match perfeito.
E o D’Ogum, por ser meu companheiro, a gente tem também uma maneira muito natural e espontânea de criar as nossas músicas, nossas letras. Então, um apoia bastante o outro. E eu acho que a música “É Sobre Você”, ela trata muito de um momento que os dois estavam passando dentro da relação, de muito diálogo e que acabou virando uma música muito importante para nós dois, e é uma das minhas preferidas do EP, por ter todo esse apego afetivo e emocional. O D‘Ogum também é um artista que eu admiro muito, e eu o conheci através da arte dele. Então, além de me relacionar com ele, eu também sou fã. E ter ele e a Drik, neste trabalho, é uma honra. Os dois são artistas incríveis e ainda vão dar muito trabalho e ter muita história para contar dentro da cena musical.
Achei interessante que, apesar das músicas falarem sobre relacionamentos, a maioria dos clipes do EP visual traz você sozinha e em cenários que são bem explorados para abrigarem diferentes situações. Por que foram feitas essas escolhas?
A escolha foi feita até mesmo para trazer mais possibilidades dentro do imaginário das pessoas, até porque eu não estou sozinha, eu estou comigo mesma e eu canto isso na última música. Foi uma forma de mostrar que apesar de, estarmos dentro de um relacionamento ou cantando sobre um relacionamento, existe o ser individual, a sua individualidade. Porque você está dentro de uma relação, mas ao mesmo tempo, precisa existir o seu eu sozinho, o seu eu de fazer as suas próprias coisas, de ser você sem estar com outro, de ter seus amigos, seus rolês e de ter planos individuais. É claro que quando você tem alguém na sua vida, você cria planos pra vida com aquela pessoa, mas é importante que você também tenha seus planos individuais, que não abarque a relação.
Então, a escolha de trazer essa narrativa foi para mostrar eu ali me amando, me achando linda e preenchendo todo o espaço. Porque precisamos frisar que mesmo que a gente pense que estamos sozinhos, a gente está preenchendo um espaço com a nossa energia e se estamos ali centrados em nós mesmos, melhor ainda. Por isso a narrativa se deu para o amar a si mesmo e de se sentir autossuficiente.
Entre os clipes, dá para ver um copo se enchendo até transbordar, deixando evidente que uma narrativa só está sendo contada por meio de todos. Me conta mais sobre a conexão entre eles!
As histórias dos clipes são as das músicas, do início ao recomeço. Então, eu estou ali, me preenchendo de uma uma relação, essa relação ultrapassa o saudável e ela transborda. E eu acho que tudo precisa ser dosado, tudo tem que ter um equilíbrio. E quando um vaso está enchendo de água e começa a transbordar, o equilíbrio ali já não existe mais e dá indícios que você está se doando muito mais para outra pessoa do que para si. E isso é o que a gente retrata em “Amar é”, o sofrimento pela dependência, o que muitas vezes pode acontecer após o término de um relacionamento. E então, essa é a narrativa. Mostrar ali transbordando, mas depois, no fim, mostrar que você vai recomeçar, você vai lá encher o seu vaso novamente com novas histórias, novas vivências e não necessariamente com outra pessoa, mas principalmente com você mesma.
A gente resolveu contar a mesma história do EP, também nos visual e amarrar isso de uma maneira que fosse bastante coerente. E no clipe de “Amar é” eu estou com todos os figurinos dos clipes anteriores, que foi algo pensado para mostrar que algo terminou. E quando eu chego em “Cicatriz Lunar”, eu já chego renovada, renascendo das cinzas, super empoderada, me amando. Então, essa ideia que a gente quer passar, a gente não quer passar uma ideia de tristeza por ter acabado. Não, não acabou. Bora recomeçar.
PAPELPOP: Rincon! Amei a ideia de dedicar um momento da sua carreira para produzir um artista. A gente vê lá fora, por exemplo, o Pharrell fazendo isso, temos a Beyoncé que foi mentora da Chloe e da Halle, e agora temos você ao lado da Indy! Quais as principais experiências que foram novidade pra você em assumir esse papel?
RINCON SAPIÊNCIA: Essa experiência foi interessante, e acabou que não foi assim tão novo. Já antes, desde muito tempo eu já produzo o meu material, e tenho muitos amigos e amigas artistas, que estão aí na luta, querendo um instrumental para encaixar sua letra, e eu sempre de alguma forma gravando, produzindo, compartilhando minha torre de gravar CD, pro pessoal fazer cópia dos CDs deles para distribuir, e esse tipo de coisa. Então sempre fui um cara que, na medida do possível, ajudei as pessoas no meu entorno.
O trabalho da Indy já se trata de um EP, um projeto bem estruturado, com uma parte visual bonita, uma equipe de alto nível de foto e vídeo, então eu teria que chegar acompanhando esse nível de qualidade. Mas vejo eu fazendo algo que a Cultura Hip Hop ensinou, e muitos dos figuras que a gente acompanha na música, a grande maioria deles, tem sempre algum artista, algum produtor, alguém que puxou, apadrinhando ou trabalhando de forma executiva mesmo. Então esse é um processo que eu acho natural, e é o processo que vai garantir a longevidade dessa nossa cultura, e também da música preta periférica brasileira.
É diferente pensar em música para outro artista em vez de produzir para você? Tem muita troca de ideia envolvida?
É diferente. A ideia é você trazer uma experiência nova para o artista que você está produzindo, e muitas vezes ele tem uma parte confortável que ele sempre trabalhou. Então o legal é tirar o artista dessa parte e trazer uma nova experiência, mas é uma linha bem delicada, porque para você descaracterizar o trabalho do artista, é muito rápido também. Então é necessário você estar disposto a dar uma nova proposta para o artista, mas é preciso você entender o que ele quer. No caso da Indy, foi de entender como cantora onde ela queria chegar, que sons ela tinha, quais eram as referências, e trazer os meus signos para as referências dela. A mescla também de amizade e de respeito como artista de um com o outro, também ajudaram nesse processo, que foi puxado, com muitas horas de estúdio, mas sempre divertido e descontraído.
Você acha que mais artistas grandes poderiam se preocupar mais também em levantar nomes com grande potencial e que ainda estão fora dos holofotes? Até mesmo para trocar experiências e preparar uma geração nova da cena musical brasileira.
Esse é o caminho, e sempre foi. O grande exemplo que a gente tem é o mercado norte americano, que tem um produtor como o Dr. Dre que basicamente deu uma cara para a Costa Oeste e trouxe um grande figura, como por exemplo, o Snoop Dog, que é um cara que apoiou muito o Wiz Khalifa quando ele surgiu, assim como o próprio Dre. Dr Dre também impulsionou e trabalhou junto com o Eminem, que por sua vez, trouxe o 50 Cent. Sendo que o 50 Cent tem sua banca, a G-Unit, do qual surgiram outras artistas como o Lloyd Banks e Young Buck. Citei poucos exemplos aqui, mas se você fizer essa, como fosse, “árvore genealógica”, você vê que desde o início da Cultura Hip Hop e do cenário preto norte-americano, um artista impulsiona o outro, e isso garantiu e garante a longevidade do estilo, do gênero, o respeito que tem dentro do cenário musical. Já que outrora era visto com outros olhos, e hoje em dia a gente já tem um outro respeito e um outro posicionamento.
Então para que isso se mantenha, e os esforços que os mais antigos fizeram para pavimentar esse caminho, para eu conseguir fazer o meu trabalho, o que eu puder ajudar na pavimentação dessa estrada também, eu vou fazer. E faço com muito gosto, principalmente quando se tratam de artistas, que além de serem novos, no que se diz em potencial e cenário, são pessoas talentosas. Então eu particularmente, tenho gosto de impulsionar esses novos artistas que estão surgindo.
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