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Entrevista: Getúlio Abelha cria delicioso caldeirão de ritmos em “Marmota”, álbum de estreia
Ouvir uma canção de Getúlio Abelha é o suficiente para entender a cadeia de possibilidades artísticas que o cantor pode oferecer. Para quem já conhecia suas experiências visuais e sonoras, sabe que a vontade de adentrar ainda mais no universo criado por ele é vasta.
Esta terça-feira, 08 de junho, abre a possibilidade de se aprofundar na mente criativa do artista. Via o selo Rec-Beat (Recife/PE), “Marmota”, seu álbum de estreia, chegou nas principais plataformas digitais.
O curioso título é resultado de uma brincadeira de tempos atrás, de quando o mundo era outro. Entretanto, faz jus ao artista de hoje de forma singular. Dentre muitos significados, trata-se de uma gíria que indica alguém extravagante, que não tem vergonha ou medo de se expressar como preferir.
Mesmo centrado e tentando não se apegar a expectativas, ao conversar com o Papelpop, Getúlio contou que está animado com essa estreia. “É uma maneira legal de aliviar tensões”, conta. “Quando eu lanço um trabalho, me sinto bem. É uma recompensa ver seus objetivos e suas lutas acontecendo. Fico bem”.
A fim de enfeitiçar todos os ouvintes em uma viagem lúdica, intensa e musicalmente tomada por inúmeros Brasis, o projeto conta com 12 faixas. Dentre eles, sucessos anteriores como “Laricado”, “Aquenda” e “Vá Se Lascar”.
“Quase todas as músicas do álbum saíram na minha cabeça num período muito curto. Eu estava no auge criativo em relação a composição e passei a minha vida inteira, basicamente, sem fazer música e querendo muito fazer isso. Só que eu não acreditava que poderia ser cantor. Então, quando eu decidi fazer, veio tudo de uma vez. Tinha muita coisa pra falar e também estava vindo de processos anteriores”, revelou o artista.
Clipes com cenas inusitadas, cores vibrantes e uma boa dose de drama e humor são elementos que formam a assinatura visual de Getúlio. “Perigoso”, música que encerra o disco, ganhará um vídeo especial na tarde de hoje. Mais sóbria, em meio a uma sequência intensa de gêneros e ritmos, a composição foi escolhida para ganhar as telas por se conectar de forma abrangente com o que vivemos hoje.
“Dentro do álbum, ‘Perigo‘ foi a única música que encontrei a possibilidade de ser o mais coerente possível com o momento que a gente tá vivendo agora. Eu poderia me fazer de doido e lançar um clipe muito divertido, de ‘Vogue Bike’, de seja lá qual faixa for, mas eu eu realmente quis ser coerente e colocar através do meu trabalho alguma música que se contextualizasse e foi na faixa “Perigo” que eu encontrei isso. Foi um clipe simples. Gravei na minha casa e na rua, sabe? De baixo orçamento mesmo. De certa forma está completamente ligado ao momento que a gente vive. Dentro do momento político atual, inclusive, é difícil ter dinheiro pra fazer produções ao estilo que o mundo pop pede”.
Dirigido e roteirizado por Getúlio e João Barretto (Artífice Filmes), “Perigo” acompanha uma noite protagonizada pelo cantor interpretando dois papéis distintos. “Não fica nítido se essas personagens são reais ou são fantasmas. Elas trazem meus dois lados, um mais frágil e outro mais forte, mas ainda assim nada é dado ali”, elabora Getúlio sobre o registro.
Amor, raiva, fúria, tristeza e solidão são temas que fazem parte do caleidoscópio de assuntos catapultados pelos sentimentos do piauiense. “Eu vomitei tudo isso no disco”, destaca. “Foi a maneira de conseguir continuar sobrevivendo diante de tudo o que aconteceu. Eu precisava encontrar algo pra me agarrar e pra conseguir aplicar as coisas que se passavam dentro da minha imaginação, que é muito fértil. E eu não faço terapia, não faço nenhum tratamento psicológico ou coisa do tipo. É mais uma questão de sobrevivência”
“Parece que tudo que acontece ali é só um pretexto estético pra eu conseguir organizar as coisas que acontecem dentro da minha cabeça. E aí deu sorte de virar artista e conseguir colocar isso sem ser considerado um doido. É uma organização de sentimentos através da música”
Além de ser uma dimensão pautada pela mente criativa de Getúlio, “Marmota” também carrega uma manifestação de suas raízes. Tendo o forró e o pop como guia, além de passear por ritmos como o calypso, carimbó e o brega romântico, o projeto expressa o encontro de inúmeras fases vividas pelo cantor.
“Aqui no Nordeste, pelo menos no meu contexto, eu sempre ouvi forró. Querendo ou não querendo, gostando ou não gostando. Por sorte, quando eu era criança, a gente tinha as nossas próprias divas”, relembra. “Tinha a Mylla Karvalho da Companhia, tinha a Joelma, tinha a Paulinha da Calcinha Preta. A gente sempre teve divas e bandas que renovaram o gênero. Eu falo forró, mas tem o calypso, o brega também. Mas digo forró enquanto o movimento, aquele lugar que você se encontra com pessoas pra dançar todas aquelas músicas. E disso existem vários gêneros”.
Para Getúlio, o processo criativo é completamente orgânico. Contou que pega o que tem e tenta se expressar a partir de alguma ideia ou momento vivido, sem grandes pretensões do fim. “De certa forma foi fácil [costurar esses ritmos]”, revela ao citar ao remix de ritmos e influências. “A Mylla Karvalho, da Companhia do Calypso, por exemplo, absorvia tudo que a Britney fazia no pop em 2001 e trazia para o Calypso. Ela dançou com cobra, montava balé. Depois eu passei por um processo de adolescência, quando fui conhecer as divas americanas, as minhas primeiras divas foram nativas do forró mesmo. Conheci as americanas, artistas undergrounds, grupos europeus, hipsters, indies e simplesmente foi muito fácil só misturar isso, ligar tudo isso e transformar em alguma coisa”.
É perceptível também que o cantor nem sempre usa palavras pomposas, palatáveis ao rádio, aos padrões do streaming em suas letras. Sobre essa questão, indica certa profundidade em tais motivações. “Muito do que eu faço está ligado com a morte, sabe? Eu sempre penso na morte. Acho que é um tabu que a gente precisa superar, precisa rever a ideia de morte”, conta Getúlio. “Quando eu falo que tudo que eu faço é a partir da morte é porque tenho a convicção e a tranquilidade de saber que eu vou morrer. Assim, tenho mais coragem pra agir, pra fazer coisas e me preocupar menos com a matéria ou com certas consequências que a vida traz pra gente. Quando penso nisso, acabo abandonando certos pudores que acho completamente desnecessários”.
Para o futuro, prevê colaborações inéditas com outros artistas e seguirá com suas pesquisas estéticas, já projetando criações para o que virá em seguida. Provavelmente, trilhas sonoras para quando estivermos de volta às ruas, com todo mundo junto e podendo se aglomerar.
Há também um forte desejo de produzir novos clipes como o de “Voguebike”. Para esta canção em especial, ele já tem um plano. “Eu queria fazer algo muito absurdo. Pular de um avião, cair em cima de uma bicicleta e fazer coisas do tipo”, revela. “Vou dar um jeito de solucionar artisticamente esse roteiro. […] Trabalhar com efeitos ou com imaginação…existe aí um roteiro muito doido!”
Ouça “Marmota” nas plataformas digitais: