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Entrevista: banda Mulungu apresenta universo sensorial em “O Que Há Lá”, disco de estreia

Formada no Recife pelo trio Jader, Guilherme Assis e Ian Medeiros, a banda Mulungu decidiu encarar rumos inesperados quando o mundo fechou. Distantes, embora não menos conectados por suas ideias, os jovens artistas decidiram explorar no debut sonoridades capazes de abarcar sensações e questionamentos até então não captados por seu radar do autoconhecimento.

Assim surgiu “O Que Há Lá”, disco de estreia lançado nesta sexta-feira (21) e pautado por uma estética dos sentidos. Com as participações de Una, Henrique Albino, Luna Vitrolira, Sofia Freire e Felipe Castro – todos nomes já conhecidos – o material toma fôlego nos redescobrimentos da vida a fim de tecer um fio invisível entre o visual e o que se sente. Uma combinação densa e pretensiosa.

Nesta entrevista, Jáder e Guilherme falam ao Papelpop sobre estética, locais que guardam afeto e acessibilidade, um ponto importante da obra.

***

Papelpop: O disco assume uma pegada filosófica e existencial ao abordar questionamentos como ‘quem somos’, ‘o que queremos’, ‘qual o tempo das coisas’. O desejo de tratar esses pontos pode ser considerado um reflexo dos tempos? Por que suscitar esses sentimentos?

Jáder: Na verdade as composições foram criadas ainda antes da momento pandêmico, entre fim de 2018 e meio de 2019. Mas claro que durante a pandemia, na fase de finalização do disco, as palavras ganharam novos contextos e significados. Repousar sobre esses temas mais existenciais foi uma vontade da banda desde o início, nesse movimento de aceitação e eterno questionamento sobre as vozes de dentro do corpo! Acho que se escutar sempre é a melhor resposta…

Consequentemente, os sons apresentados revelam uma identidade bastante sensorial, ligada ao sinestésico. Como observam esse poder excepcional da arte (aqui personificado nos instrumentos) que é capaz de resgatar sentimentos até então adormecidos?

Guilherme Assis: Desde a composição das canções, nós fomos experienciando sentimentos que viam a tona propositalmente ou não. E se tornou algo que nos chamou atenção, a “experiência”. Fazer que o ouvinte escute um disco completo hoje em dia é um desafio muito grande, pois somos bombardeados de estímulos e isso dificulta muito nossa capacidade de concentração. Então juntamos algo que já estava sendo falado, e que vinha a tona para nós enquanto compositores, a uma questão contemporânea. Então com disco tentamos criar algo que desse pra ser não só escutado mas experienciado, assim como quando você vai ao museu ou a uma peça de teatro, onde você tem vários estímulos para que tenha uma experiência mais completa possível. E nós como banda estamos sempre tentando provocar esses sentimentos em algumas ações além do disco, durante a pandemia até fizemos um lançamento do single “A boiar” com práticas integrativas terapêuticas e no show estávamos preparando algumas surpresas também ate chegar a pandemia e acabar com nossas expectativas [risos].

As gravações mostraram uma face mais complexa da Mulungu, que agora cria novos contornos para a própria obra ao utilizar bases e equipamentos eletrônicos – algo que conversa bastante com as limitações impostas pela pandemia no que diz respeito às gravações. O que mais curtiram nesse processo? O que descobriram de mais curioso na experiência? 

Guilherme Assis: A limitação nos forçou a se utilizar de mais criatividade para achar soluções para certas situações. Desde o primeiro encontro da banda, Ian nos gerou esse insight de algo como filosofia de gravação, e assim nos utilizamos da limitação ao nosso favor. Então desde gravar a bateria com poucos canais (algo pouco comum atualmente) até a escolha dos instrumentos e instrumentistas. Das decisões tomadas através da limitação que nos acompanha até hoje é a ausência de um baixista na banda, que resolvemos utilizar dessa falta pra assumir algo estético dentro do som da banda, que ao invés de baixo elétrico nós gravamos baixo sintetizado em todas as músicas. Pois olhando pra frente, acreditamos que essa ideia casava com a estética de utilizarmos bases eletrônicas na hora do show.

Vocês se pautam por uma estética anos 1970 em alguns momentos. O que acreditam existir de mais interessante na sonoridade dessa época e que os tenha atraído?

Guilherme Assis: Primeiramente é aquele papo que falei anteriormente. Nos anos 70 não existia a fartura de possibilidades que existem atualmente, então acho que isso fazia dos envolvidos no processo mais criativos e assertivos! Desde a criação e montagem dos equipamentos até o próprio processo de gravação, a coisa era feita de uma forma muito manual com um cuidado que é raro de ser ver hoje em dia. Então tentamos unir esse cuidado junto aos microfones vintage que tínhamos em mão e fazer o disco. Termina que essa sonoridade desperta um que nostálgico que termina fortalecendo a narrativa do disco. Junto a isso, essa estética setentista estão bem presente nos estúdios em que “O que há lá” foi produzido (Zelo Estúdio (PE) e Cantilena (RN)) e marca uma sonoridade contemporânea de um núcleo criativo que vem produzindo no Nordeste.

“O Que Há Lá” traz Sofia Freire, Una, Luna Vitrola e outros membros da cena recifense entre as participações. Foram parcerias que se firmaram ao longo do tempo ou surgiram já durante a fase de produção do disco? Como funcionou o processo de curadoria e escolha desses parceiros(as)?

Jáder: São nomes a gente já flertava faz tempo, por admirar o  trabalho e querer construir junto! Como a produção do disco foi muito por percursos de viagem Recife-Natal, a gente acabou interagindo com muita gente e deu vontade de abraçar o mundo! Trocar ideias, somar novas vozes, novos pensamentos e timbragens! E aí fomos pensando nesses nomes um a um! A gente já tinha a ideia de compor algumas faixas do disco com metais e aí Henrique Albino caiu como uma luva em sessões de gravação que foram uma verdadeira aula! O coro que está presente em várias faixas, formado por Sofia freire, Una e Fastro também foi uma grande diversão, todo mundo muito entrosado, instigados nesse processo de criação! Sem comentar a presença maravilhosa de Una e Luna Vitrolira em Extremos intoleráveis! Mulheres que já éramos muito fãs e tivemos o maior prazer em ter conosco nesse processo!

A Mulungu também lança no dia 27 de maio um mini-doc gravado na Passa Disco, um espaço importante para criadores, amantes de música… Possuem alguma memória afetiva atrelada a esse lugar? O que guardam da experiência de gravar lá?

Jáder: Com certeza! É um prazer imenso gravar esse mini-doc na Passa Disco! Além de ser um centro de resistência da música nordestina, tem toda a simbologia da loja ter sido fundada por meu pai (quem escreve essa resposta é Jáder). Então todo mundo da banda acabou tendo uma relação muito próxima com a loja, todos já tocaram lá e viveram momentos incríveis em lançamentos de discos de amigos, feiras de vinil, tardes de autógrafo… Acabou que além de tudo é um lugar com muito significado e simbologia para a gente! Nos sentimos em casa!

A estreia do disco coincide com a chegada de uma função do Spotify que permite maior acessibilidade na escuta de podcasts – transcrevendo o conteúdo para deficientes auditivos. A última faixa de “O Que Há Lá” dialoga com isso por ser uma audiodescrição do disco, por sua vez, para deficientes visuais. Qual a importância de se fazer uma música que seja, acima de qualquer coisa, também acessível?

Jáder: A gente não pode mais acreditar em barreiras. Apostar em acessibilidade era um desejo nosso desde o início do projeto! Criar para todes! Contamos com uma assessoria especializada na hora de criar todos os conteúdos de acessibilidade do disco! Que além da faixa bônus de audiodescrição, vai contar com vídeos traduzindo em libras todas as letras do disco no YouTube. Acho que isso é um modelo que poderia ser cada vez mais replicado por outros artistas! Preciso frisar também a importância do Funcultura, do qual tivemos apoio para produzir o disco, que sempre incentivou a produção de materiais de acessibilidade, o que acabou nos levando a tornar esse sonho possível!

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“O Que Há Lá”, novo disco da Mulungu, está disponível no streaming.

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