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“Lemonade”: há cinco anos, Beyoncé lançava álbum mais impactante da carreira

Em 2016, o que parecia improvável aconteceu. Beyoncé conseguiu elevar ainda mais o nível de suas produções e entregou o disco mais ambicioso de sua carreira e um dos maiores de toda a história da música mundial. O corajoso “Lemonade“, um álbum audiovisual de 45 minutos e dividido em 12 faixas, foi o suficiente para transformar para sempre a relação da cantora com a música, aprofundando o olhar do público em relação à arte.

Lançado em 23 de abril de 2016, o sexto compilado de estúdio da artista, que geralmente consegue manter a vida pessoal distante dos holofotes, traz a princípio uma perspectiva diferente para parte de sua própria trajetória. Nas canções de então, Queen B decidiu abrir as portas de casa e falar de seu casamento com o rapper Jay Z a fim de tratar de questões urgentes como afetividade, libertação, reconhecimento e orgulho preto.

Exibido a princípio pela HBO, o projeto veio mais aprimorado do que o disco autointitulado de 2013, disponível em moldes semelhantes. Agora havia toda uma estética cinematográfica. Além disso, mantém a grandiosidade de cada verso de sua obra em absolutamente TODAS as performances da era foi uma preocupação. Mas, mais do que isso, foi com “Lemonade” que a hitmaker deu o pontapé que desenha os novos rumos de sua carreira e posicionamentos dali em diante. Ela passa a se tornar uma agente política e o resultado não poderia ser diferente: uma obra monumental que segue impactando ouvintes por todo o globo.

Tendo como fio condutor capítulos divididos em jornadas que compõem o luto (ressignificadas como intuição, negação, raiva, apatia, vazio, responsabilidade, reforma, perdão, ressurreição, esperança, redenção…), Beyoncé verbaliza suas emoções ao trabalhar em cima dos poemas de Warsan Shire nos entreatos do álbum. É uma espécie de preparação para a faixa seguinte, que reafirma questões que podem envolver a vida de mulheres negras pelo mundo.

Musicalmente diversa, política, sensível e irretocável, a cantora de Houston, Texas, bate na tecla de velho ditado, atualizando-o. “Se a vida te der limões, a melhor opção é fazer uma limonada”. Aliás, esse “refresco” para os ouvidos foi disponibilizado em abril e seguiu durante os três primeiros anos exclusivamente pelo Tidal, mas sua divulgação começou dois meses antes, em fevereiro, com o lançamento do single mais polêmico de Beyoncé até hoje, a faixa “Formation”.

Okay, ladies, now let’s get in formation!

No sexto dia do segundo mês do ano, época em que se celebra a história de cidadãos negros nos EUA, Queen B dava um dos passos mais importantes de sua carreira e, com certeza, o mais arriscado. Ao lançar de surpresa a música e o clipe da faixa “Formation”, a cantora enfatizou para o mundo algo, até então, pouco explorado por ela: a própria negritude. De fato, é estranho pensar uma cantora negra afirmando ao mundo suas origens e posicionamentos, dizendo-se, obviamente, a favor da preservação da vida de seus iguais, cause tamanha surpresa e reações adversas.

Dirigido por Melina Matsoukas e a própria Beyoncé, o clipe aborda temas como a violência policial para com a população negra, ancestralidade e celebração da estética afro. Logo no início, é possível ouvir a voz de Messya Mya, youtuber preto que foi assassinado em 2010, questionando “What happened after New Orleans?” (“O que aconteceu depois de Nova Orleans?”, em tradução livre). O local em questão, que serviu de cenário para o vídeo, foi devastado pelo furacão Katrina, em 2005, chegando a ter boa parte da cidade submersa em água. E é justamente sob as águas que a artista aparece pela primeira vez no clipe. Um truque bem sacado porque, na verdade, a cantora estava em estúdio quando apareceu em cima de uma viatura de polícia prestes a afundar na inundação.

Apenas esse elemento já seria o suficiente para sinalizar sobre o que a artista cantaria, mas Beyoncé deixa ainda mais explícito o seu compromisso com o movimento “Black Lives Matter” ao colocar em cena um cordão de policiais em contraponto a dança de uma criança negra e a sequência de um muro pichado com a frase “Parem de atirar em nós!”. Infelizmente, o tom de protesto da canção segue sendo atual, assim como o abismo social-racial parece estar longe de ficar para trás.

Outro ponto que precisa ser destacado é a composição. Se você chegou em 2021 acreditando que “Formation” foi escrita por um time de homens brancos, está na hora de reconhecer que se deixou levar por uma fake news, disseminada sem o menor embasamento.

Ao jornal New York Times, Mike WiLL, produtor da faixa, explicou que durante uma edição do Coachella, o rapper Rae Sremmurd, um dos autores, disse a frase “I’m like, ‘Dog, we got to do that “get in formation”. Mais tarde, já em processo criativo para a música, o trecho se transformou na famosa frase “Okay ladies, now let’s get in formation!”. Além disso, Mike WiLL revelou que Beyoncé foi a responsável pela maior parte da letra da música.

Super Bowl

Se naquele sábado, 6 de fevereiro, o mundo ficou hipnotizado com clipe e música, no domingo, dia 7, foi a vez de mostrar que tudo aquilo seria apenas o começo. Pela segunda vez no intervalo do Super Bowl, Beyoncé voltaria ao palco ao lado de Bruno Mars e Coldplay para uma breve aparição no show dos colegas da banda. Não teve pra ninguém, ela foi a grande atração.

Aclamada pelos fãs e com boas críticas da imprensa já circulando, a apresentação contou com dançarinas coreografadas de forma a exaltar o Partido dos Panteras Negras, organização que defendia os direitos civis dos negros americanos. A coreografia lembrava o “Malcon X” e o punho cerrado mostrava todo um poder black. Novamente se colocando diante de posturas arbitrárias das autoridades locais, ela incomodou e muito alguns grupos estadunidenses que tentaram até um boicote.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, o sindicato de policiais de Miami, nos Estados Unidos, teria tentado impedir o show de Beyoncé na cidade em represália a suas ações. A publicação informou que, Javier Ortiz, presidente do Miami Fraternal Order of Police, que representa 1.100 policiais, teria até mesmo emitido uma declaração dizendo que a cantora busca “dividir os americanos, promovendo os Panteras Negras, e as suas ideias contrárias à polícia, e assim mostra como ela não apoia as leis”.

O boicote não foi para frente e os shows da “Formation Tour” seguiram adiante. A cantora, entretanto, não poderia perder a oportunidade de ironizar essa ação e incluiu, entre os itens de merchandising vendidos oficialmente em seus shows, camisetas e capas de celulares estampadas com o texto “Boycott Beyoncé” (“boicote Beyoncé”).

Em entrevista concedida à revista “Elle”, a hitmaker assegurou que “Formation” e a performance no Super Bowl não foram uma mensagem contra a polícia, mas sim uma medida de combate à brutalidade e a injustiça cometida por policiais brancos contra cidadãos negros. “Quem interpretou minha mensagem como ‘antipolícia’ está completamente enganado. Tenho muita admiração e respeito pelos policiais e por suas famílias, que se sacrificam para nos manter seguros. Mas vou ser clara: eu sou contra a brutalidade policial e a injustiça. São coisas diferentes”.

Quem sabe faz ao vivo…

Falar em Beyoncé é ter a certeza de que no “ao vivo” ela também entrega TUDO. Na era “Lemonade” não seria diferente. Todas as faixas do álbum ganharam performaces espetaculares…

Medley no VMA

Ao se consagrar como a artista que mais venceu o Video Music Awards, em 2016, Beyoncé roubou a cena apresentando um medley para lá de especial com várias músicas do disco. “Pray You Catch Me”, baladinha intimista que abre o álbum;“Hold-up”, produzida em parceria com Diplo e Ezra Koenig e que traz sample da banda “Yeah Yeah Yeahs”; e “Sorry”, uma das canções mais populares do álbum… aquela que cita a famosa e misteriosa “Becky with the good hair”. Todas elas, além do rock “Don’t Hurt Yourself”, entraram no set. “Formation” chega pra fechar.

BET Awards

É quase impossível dizer o que pode ser melhor do que ter dois dos maiores artistas da atualidade juntos em um mesmo palco + performando uma canção tão poderosa. Foi o que aconteceu no BET Awards 2016 quando Queen B e Kendrick Lamar foram os responsáveis pelo ato de abertura do evento com o hit “Freedom”.

A faixa, que em “Lemonade” faz parte do capítulo da esperança (“Hope”) e é antecedida pelo emocionante vídeo de “Forward” (momento em que mães seguram fotografias dos seus filhos vítimas da violência policial), conta com uma estética que nos remete a outra época e reforça a união feminina, deixando claro a postura politica feminista e ativista de Beyoncé.

Grammy

Caso você não se lembre, durante a “Formation Tour”, Beyoncé engravidou de gêmeos (C̶h̶l̶o̶e̶ ̶e̶ ̶H̶a̶l̶l̶e̶) e foi com um barrigão mesmo que a cantora serviu ao mundo uma de suas apresentações mais bonitas. Durante o Grammy Awards de 2017, a artista ofereceu ao público um show com atmosfera mística e divina, elevando a força feminina a outro patamar ao cantar as faixas “Love Drought” e “Sandcastles”.

Álbum do ano (e da carreira também?)

Você, provavelmente, também já sabe que na edição de 2021 do Grammy Beyoncé se tornou a artista feminina que mais ganhou troféus na história da premiação. Ao todo, a estadunidense passou a colecionar 28 gramofones, quebrando o recorde de Alison Krauss, com 27 vitórias. No entanto, apesar desse feito ser valioso, a rainha da música, 79 vezes indicada à maior honraria da indústria fonográfica, ainda não possui o prêmio de “Álbum do Ano”.

Esse é um daqueles casos em que é impossível não mencionar as inúmeras “polêmicas” e seus consequentes protestos envolvendo critérios de avaliação da indústria. Desde o início da premiação, em 1959, até hoje, apenas 10 artistas negros venceram a categoria de Álbum do Ano, sendo eles Stevie Wonder, em 1974, 1975 e 1977 com os respectivos álbuns “Innervisions”, “Fulfillingness’ First Finale” e “Songs in the Key of Life”.

Michael Jackson, por sua vez em 1984, venceu com “Thriller” e Lionel Richie, em 1985, com “Can’t Slow Down”. Quincy Jones, em 1991, levou a melhor com “Back on the Bloc” e Natalie Cole, em 1992, com “Unforgettable With Love”. É bom fazer um recorrido de todos os nomes, refrescar a memória. Você talvez não se lembre também que  Whitney Houston ganhou, em 1994, com a trilha sonora de “O Guarda-Costas” e Lauryn Hill, desbancando o favoritismo em torno de Madonna com seu “Ray of Light”, tenha feito história em 1999 com seu “The Miseducation of Lauryn Hill”

Mais recentemente, Outkast (2004), Ray Charles (2005), Genius Loves Company e Herbie Hancock (2008) também se deram bem.

No caso do Lemonade, no entanto, a pluralidade de ritmos chama a atenção. De acordo com uma entrevista de Bill Freimuth, membro da Academia do Grammy, ao site “Complex”, Bey fez história com suas nove indicações em 2017. Isso porque ela teria sido a primeira artista indicada em quatro gêneros distintos em um único ano. “Hold Up” concorreu para Melhor Performance Solo Pop, “Don’t Hurt Yourself” foi indicado para Melhor Performance de Rock, “Freedom” foi reconhecido na categoria Melhor Performance rap/sung, e lemonade em si ganhou o prêmio de Melhor Álbum Urbano Contemporâneo.

“Você teve outros artistas no passado, digamos Michael Jackson, talvez, que foram nomeados em tantos campos diferentes, mas não no mesmo ano e no mesmo álbum. Esta é a primeira vez para nós e, pessoalmente, eu acho que é apropriado e muito legal”, disse Freimuth.

Vale dizer que a música “Daddy Lessons”, que mais tarde ganhou um remix com “The Chicks”, chegou a ser submetida na categoria de música country, mas não recebeu nenhuma indicação no gênero.

Com “Lemonade”, Beyoncé tinha tudo para levar a categoria mais cobiçada da noite. Porém, foi Adele quem subiu ao palco e recebeu o prêmio pelo disco “25”. É claro que todos sabem do talento inquestionável da cantora britânica, da força de suas letras e dos números altíssimos de suas vendas. No entanto, em 2017, o álbum que mais impactou a indústria da música, gerou debates sociais e reposicionou uma das maiores artistas de todos os tempos foi outro. A própria Adele reconheceu isso.

“Não posso aceitar este prêmio. A artista da minha vida é Beyoncé. O seu álbum ‘Lemonade’ é tão monumental, tão bem concebido, tão belo e tão cheio de alma. O jeito com que você fez meus amigos negros se sentirem é empoderador”, ressaltou Adele, em tom de desconforto, ao vencer a categoria.

De todo modo, no final das contas, não é o Lemonade que não tem o Grammy de álbum do ano, é o Grammy que não tem um Lemonade para chamar de seu. Azar o dele.

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