A faixa “Suéltame Bogotá”, que abre o novo disco da banda colombiana Diamante Eléctrico, é basicamente a descrição de um jogo de toma lá, dá cá. Cambaleando entre o amor e o ódio que se pode sentir pela própria terra, neste caso a fria capital do departamento de Cundinamarca, o duo formado por Juan Galeano e Daniel Alvarez canta sobre a sensação de enfrentar contradições, próprias e alheias.
“Bogotá é uma cidade diferente de todas as outras que você vai conhecer na Colômbia”, diz Galeano, em entrevista por telefone ao Papelpop. “O mesmo ocorre com a Cidade do México, onde vivo há alguns anos. A sensação que tenho é de que tudo pode acabar num estalar de dedos. Pode acontecer um terremoto, a água pode ser racionada do nada. Mas sempre vai haver uma porta que se você abre, certamente, coisas mágicas vão sair de lá”.
O LP da vez, batizado como “Mira Lo Que Me Hiciste Hacer”, reúne dez canções à la “clube dos solitários” e que levam o ouvinte a dar um passeio por becos ilusórios. O título conversa com aquele “jeitinho universal” de resolver as coisas, é autoexplicativo. “Nós estamos muito mal acostumados e queremos sempre responsabilizar o outro pelas nossas ações equivocadas. Nós, latino-americanos sabemos bem o que isso significa na prática”, explica Alvarez. “Estas canções que lançamos agora, sendo bem sincero, foram criadas numa linha tênue em que você decodifica o que há de bom e o que há de ruim de cada experiência”.
Com quase dez anos de estrada e seis álbuns, a Diamante Eléctrico era na verdade um trio. Até 2020, contava para além das presenças de Juan (baixo e vocais) e Daniel (guitarra) com a do baterista Andee Zeta. Hoje, ele segue carreira solo. Juntos, os rapazes trouxeram um novo fôlego ao rock colombiano, já consagrado no mundo pelas vozes de gente grande como Andrea Echeverri e Aterciopelados, Juanes e Kronos. Nos anos 1990 e 2000, a febre dos alterlatinos também deu ao país o prestígio das revistas e cadernos de cultura – tudo sob uma perspectiva bem mais otimista e justa com a diversidade nacional do que aquela restrita ao trauma da violência.
Do Rock al Parque ao Coachella, palcos onde a banda foi galgando cada vez mais espaço, o jeito de tocar e de criar narrativas se alterou. Deixaram pra trás uma estética considerada “suja”, impregnada em seu debut, autointitulado, para desembocar pouco a pouco naquele que é seu trabalho mais pop desde então. O interesse, de acordo com Daniel, não se alinha muito bem ao desejo inerente de ser comercial, muito comum entre artistas do gênero. A chave estaria numa certa revisão do passado e da própria formação cultural de sua geração.
“O pop é uma palavra satanizada de tempos em tempos quando se pensa nele como gênero”, diz, bem-humorado. “Pra gente é curioso discutir isso vivendo na América Latina porque sabemos muito bem como era mínima a nossa capacidade de refinar próprios gostos antes da internet. Você se sentia um diferentão ouvindo Pink Floyd, Jeff Buckley, mas no fim do dia tudo isso era muito popular. Nós crescemos expostos a princípio a coisas que agarraram suficiente tração para chegar ao nosso continente, então é possível dizer que todo latino-americano é, sim, filho do pop”.
De fato, empenhados na tarefa de criar uma música “luminosa para tempos difíceis”, entregam uma safra de composições que não economiza nas referências – um processo que garantem ser natural e abraça, entre outras coisas, metáforas e metonímias envolvendo filmes do cineasta Gaspar Noé e romances como “O Jogo da Amarelinha”, do argentino Julio Cortázar. O mainstream também se envereda pela parte visual. A capa do single “Los Chicos Sí Lloran“, por exemplo, traz uma ilustração do rosto de Robert Smith, líder do Cure.
Em primeira instância, “MLQMHH” é um experimento musical que entrelaça o latino, o rock e o funk ao afrobeat, expandindo conceitos pré-estabelecidos. A obra é mais, é expansiva e bebe também na fonte do baterista e compositor nigeriano Tony Allen, que impregna a faixa título. São muitos os momentos de reverenciar ídolos e de sacar o que se sente.
Da solidão contida no rock progressivo “Cuándo Fuímos Reyes“, cantado sob a ótica de um boxeador apaixonado por sua Maria Antonieta, passam pela nostalgia e por fim chegam em um lugar de questionamentos. Na tentativa de reparar erros do passado e da própria cultura, Juan e Daniel adotam um viés sincero e pessoal para falar sobre temas como o machismo.
“É como acordar e dizer ‘ei, não, vamos aceitar que o que dizem que é certo, na verdade não é'”, afirma Daniel. “Choramos, somos vulneráveis. Pelo que se vê, é preciso mudar a linguagem agressiva que se tem com as mulheres desde criança, uma linguagem que as subestima. Não só elas, mas tudo aquilo que é tido como feminino no âmbito social. Tudo o que foge a isso tem um tratamento diferenciado. Não queremos ser, oh, os redentores, nem queremos mudar a história inteira com uma música só. Mas é importante fazer as pessoas pensarem e falarem a respeito disso”.
Embora não haja um embate frontal com a política, outros tópicos revelam uma consciência da banda quanto ao que acontece ao seu redor. “Sálvese Quien Pueda“, por exemplo, é uma canção carregada de ironia que toca na ferida da indiferença generalizada. Logo nos primeiros segundos é possível ouvir o lema “Quem poderá nos defender”, recitado pelo próprio Chapolim Colorado, célebre personagem de Chespirito.
Entre a fantasia e o real, surge um cover em espanhol de “Everybody Wants to Rule the World”, aqui batizado como “Todo Mundo Quiere el Mundo”. Nas palavras de Galeano: “Tínhamos um dia livre em Los Angeles, mas não tínhamos nada de inédito pra gravar. Acho que traduzir é um trabalho de artesanato, mas fizemos tudo de primeira e sentimos que esta é uma música que conversa com o momento, com esse cataclismo ambiental. Com uma ambição desenfreada em que todo mundo sempre quer alguma coisa. Você sabe, o Tears for Fears é uma das bandas mais habilidosas na hora de falar sobre a terra”.
Essa ousadia não deixa de ser também um aceno para as origens do próprio rock em castelhano, popularizado nos anos 1950 a partir de versões traduzidas dos Beatles e outros clássicos. Essa história, aliás, tem sido contada desde dezembro de 2020 pela Netflix na série documental “Quebra Tudo”. Com 6 episódios e reunindo algumas das maiores figuras do seguimento, a narrativa que se propõe a investigar a história do gênero e seus mitos nos principais países da ponte ibero-americana.
Quem assistiu, certamente deve ser se perguntado: o que é ser punk em um continente solitário como o nosso? Ou melhor, assim como os beatniks fizeram barulho e receberam seu crédito lá fora, quem de fato foi punk por aqui? “Na Colômbia, as pessoas ficaram indignadas assistindo aquilo”, brinca Alvarez. “Ouvi uma psicanalista fazendo uma resenha sobre isso que me pareceu bem interessante, ela dizia que a revolução não chegou aqui pelo rock, que teve suas contribuições, claro. Mas sim pela salsa. Em Cali, essa foi uma coisa transformadora. Se você chamava esse som de ‘tropical’, gerava ojeriza”.
Como acontece em várias canções de Joe Arroyo e do Grupo Niche, em seus respectivos nichos, a Diamante Elétrico se apoia em uma ousadia de mão dupla, que se valida pela subversão de sentidos estético-sonoros. “Se você quiser enganar alguém, coloque o que essa pessoa sente em uma canção usando a linguagem que quiser. Você pode falar de amor, de dor e fazer até a extrema direita dançar”, ri Daniel. “Antes, a gente tinha uma lógica de que se soava feliz, tudo era festivo. Se não, tinha que ser estritamente uma balada. Não precisa ser necessariamente assim”.
Por isso, segundo Juan, é preciso ir além nas análises. “É legal pensar que não nos rebelamos apenas por meio das guitarras. Sempre fui muito fã dos movimentos artísticos do nosso país, eu estudei isso desde criança, mais até do que consumi. Mas é que esses gêneros tradicionais como a salsa, a cumbia, o vallenato clássico significa algo que temos que olhar. A conversa se torna muito enxuta se falamos só do rock, se vamos falar de revolução é preciso fazer todo o dever de casa”.
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No próximo dia 14 de abril, a banda realiza a primeira live para apresentar as canções de “Mira Lo Que Me Hiciste Hacer”. Batizado como “Sesiones de Bar”, o espetáculo será transmitido da Cidade do México, considerada sua segunda casa, e deve se voltar pra um formato intimista, contendo ainda versões inéditas e clássicos. Os ingressos estão à venda na plataforma Moment House e custam a partir de R$ 44.
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