Há 5 anos sem um disco de inéditas, quatro deles afastada dos palcos, a cantora britânica PJ Harvey decidiu usar o tempo livre na quarentena pra se fechar em estúdio. Não significa, necessariamente, que ela volte o foco para um sucessor do elogiado “The Hope Six Demolition Project”, combativo LP a trouxe ao Brasil, em 2017, para tocar no Popload Festival.
Polly Jean, que não se acanha na hora de se expor aos fãs (neste ano ela lançou no Brasil o documentário “Um Cão Chamado Dinheiro”, em que mostra um resumo das sessões abertas de gravações do trabalho mais recente), decidiu subverter agora a lógica de trabalho da indústria durante a pausa forçada.
Até o fim de 21 ela se agarra à oportunidade de revelar as engrenagens do próprio processo criativo em eras passadas com o relançamento de toda a discografia no formato demo. Isso significa que cada par de meses chega ao streaming e lojas, em CD e vinil, um álbum contendo apenas demos inéditas – um presentão pra quem curte versões diferentes de clássicos e as minúcias do nascimento de grandes obras.
“Ah, mas não é chato?”, você talvez deve se perguntar. De jeito nenhum. Polly Jean é uma alquimista das partituras e sendo duas vezes vencedora do Mercury Prize, principal prêmio de música do Reino Unido, ela tem essa licença.
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Talvez o mais cru de todos os lançamentos, “Dry” oferece ao ouvinte uma passagem com destino ao passado, direto pra uma época em que o movimento grunge vivia seu auge. Em seu disco de estreia, considerado um marco na cena underground, comparado em nível criativo às obras do Nirvana, PJ apresenta canções de amor, rebeldia e pautas pontuais do universo feminino – como a menstruação. Destaque para “Oh My Lover”, “Dress” e “Happy and Bleeding”. Quase melhor que o original em alguns momentos.
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Com mais grana pra investir na carreira, ela lança em 93 “Rid of Me”, considerado pela crítica purista seu melhor trabalho até então. Em 14 canções, Harvey potencializa sua crueza sonora já típica em um registro raivoso, que a leva a dançar embalada com o trip hop e o folk. As demos desse aqui já tinham saído em 1993, mas vale muito a pena revisitar, fazendo o trajeto completo.
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Em 1995, a artista já não era mais namorada de Nick Cave. Ainda que a estreia daquele ano não tenha tido seu percurso criativo explicitamente atrelado ao término, “To Bring You My Love” chega como uma pancada, um golpe que atinge em cheio a face dos apaixonados. Como um todo, é o itinerário de uma jornada que busca o coração roubado, o amor infinito. Um discaço, feito por uma mulher foda que em seu terceiro projeto já dava o recado. “You ought to see me from my… thorne” (“Você deveria me ver direto do meu trono”).
Acessível a todos os ouvidos, “To Bring You My Love” é um álbum que influenciou gerações de fãs e artistas. Se fosse pra chamar a atenção de um ponto específico do álbum de demos? Os raros retoques na voz. Impecável.
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É engraçado como no fim dos anos 1990 o eletrônico uniu todas as tribos. Madonna, Björk, Kylie Minogue, U2, Dido… esses artistas são apenas alguns exemplos de gente que apelou pra uma estética cheia de sons robotizados e aura futurista. Polly Jean, por sua vez, pegou carona em 1997 ao produzir “Is This Desire?”, um disco nascido com o sol em Libra – ou seja, regido pelo elemento ar, dono de uma alma perspicaz, contemplativa.
Deixando o papo de astrologia à parte, trata-se de um registro mais elaborado, com canções esquisitonas e repletas de texturas que versam sobre liberdade, obsessões e, como o próprio título aponta, desejo. Curiosa a forma com que ela dá voz a personagens como a prostituta Angelene e os jovens Joseph e Joe, ambos aparentemente em processo de descoberta da própria sexualidade. Como isso nasceu? A partir de muita experimentação baseada em guitarras e sintetizadores.
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No clipe de “This is Love”, PJ Harvey subverte o poder contido na figura viril de Elvis Presley ao criar, na companhia do estilista Toddy Linn, sua própria versão do terno branco utilizado pelo rei do rock. Vivendo em uma nova cidade, na outra ponta do Atlântico, ela deu à luz canções mais comerciais, que furaram a bolha das rádios e a catapultaram de vez aos palcos dos maiores festivais alternativos, da Austrália aos Estados Unidos, do Reino Unido à França.
É muito bom ouvir “Good Fortune” e saber que antes de ganhar camadas de bateria eletrônica, tudo foi feito apenas… na guitarra. A demo de “This Mess We’re In” escutada hoje (e sem Thom York!) revela atemporalidade.
Após “Stories From the Sea”, PJ Harvey botou mais 4 álbuns no mundo. “Uh Huh Her” (2004), “White Chalk” (2007), “Let England Shake” e “The Hope Six Demolition Project” (2016). Estão previstos lançamentos para demos de todos – o que aumenta a expectativa, visto que se diferem muito entre si tanto em termos de som, quanto de composição. Do primeiro listado, o próximo a chegar às lojas, chegou um esboço do que se tornou a densa faixa “Shame”.
Com uma discografia monstruosa como essa, não resta dúvida de que a cada nova audição pode surgir a algo novo a ser descoberto.
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