Música, imagem, realidade virtual. A ROSABEGE, coletivo de criação multimídia formado pelos jovens fluminenses João Rocha, Vitor Milagres, Thiago Fernandes e Pedro Sodré atua em todas essas diferentes frentes. Nada mais justo que, sendo parte atuante da dita geração Z, quisessem explorar a fundo esses aspectos durante a criação do álbum de estúdio.
Lançado em 2019, o LP “Imagem” trabalha por meio de texturas sonoras e instrumentações cruas um fio narrativo que perpassa desde os fundamentos da Tropicália até o futurismo, que vislumbra uma era guiada por contrastes. É por aí que o quarteto, longe dos palcos há mais de um ano, segue sua jornada, novamente de olho no digital.
Para além de ter tido uma das lives mais elogiadas do ano, indicada ao M-V-F- Awards, o grupo lança neste sábado (13) o clipe-game de “Quase Tudo No Seu Lugar”. Transitando entre ambientes distintos, embora potencialmente complementares, a canção assume uma alma geek ao moldar uma atmosfera que se constrói e se dissolve em sonhos referentes à pessoa amada.
Disponível apenas para o sistema Android (por enquanto), essa aventura em 3D tem como protagonista o personagem Pérola, cuja inspiração está na própria capa do álbum “Imagem”. Entre obstáculos e interações, o condutor dessa jornada precisa lutar para conquistar um troféu bastante específico. O desafio se revigora a partir dos melindres da música.
Como um todo, a obra expõe uma natureza complexa, atrelada a aspectos como instabilidade, anseios e surpresas. Em uma leitura mais aprofundada, é sobre visitar novos mundos, exercitar a curiosidade. Por e-mail, os integrantes da ROSABEGE falaram sobre a relação que têm com a tecnologia, autoconhecimento e processos – entre eles, o de se reorganizar.
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Papelpop: De quem foi a ideia de fazer um lançamento mais geek, que envolvesse games e audiovisual?
Thiago: Temos conversas desde o início do projeto sobre se movimentar para ocupar espaço virtual de uma forma propositiva. Criar experiências menos instantâneas, imersivas e afetivas – propondo uma reflexão do tipo de relação que temos com a tecnologia através dela mesmo. Entendo que a gente hoje lida com o ápice (até então) da inclusão digital, que hoje acontece através do acesso à Internet, uma ferramenta com poder revolucionário. Porém, isso vem sendo usado majoritariamente por grandes corporações estrangeiras apenas para promover mais lucro – ignorando os impactos que suas ações têm nes usuáries e na civilização como um todo, principalmente na América Latina subdesenvolvida e carente de soberania. Isso tem ficado cada vez mais claro para todes e deve ser combatido.
Partindo dessa análise, entendo que não podemos ser puristas, e sim estar trabalhando ativamente em uma (re)educação tecnológica através de proposições do que pode ser um uso da tecnologia benéfico ao usuário, enquanto ferramenta libertária. Existem muitas pessoas ao redor do mundo fazendo isso e queremos deixar isso cada vez em mais evidência. Esse lançamento é um pequeno esforço nesse sentido, onde trazemos, através de uma narrativa não-humana (que se inicia no jogo e finaliza no videoclipe), a jornada do personagem pérola, que busca entender sua trajetória em um mundo desconhecido. Tivemos a ideia em conversas construídas coletivamente, tendo a iniciativa do desenvolvimento do jogo sendo tomada pelo Pedro e pelo Caio, e do clipe pelo grupo – possibilitado pelos conhecimentos do Vitor em 3D, em colaboração com o Gabriel Rolim.
Essa jornada acaba esbarrando, em vários momentos, em questões ligadas ao autoconhecimento. O que há de mais belo e mais dispendioso nesse processo?
Vitor: O desafio de estar sempre se propondo e, a partir desse movimento, acumular os conhecimentos. Isso é lindo. Usar o corpo de outras formas, levar o espírito ao limite e descobrir novas fronteiras pessoais. Fazer isso em grupo é muito foda. Eu seria uma pessoa completamente diferente se não fossem os meninos do coletivo, aprendi muitas
coisas com eles. A parte que dá mais trabalho é esbarrar em questões pessoais e lidar com algumas divergências, mas existe um valor bacana nesse processo também.
JOÃO: As infinitas possibilidades do que se pode vir a ser enquanto pessoa, novos carinhos, crenças, hábitos, extrapolar os limites que nos são impostos pela cultura e religião custa muito tempo e energia. Mas parece dar em coisas interessantes, novas perspectivas e escolhas do que fazer enquanto gente na Terra. Mas acho que sou novo demais pra definir isso.
THIAGO: O processo de autoconhecimento é eterno e demanda muita entrega e energia. Apesar de acontecer de formas distintas e em graus diferentes, todes nós somos violentades diariamente com o intuito de neutralizar essa busca para nos tornarmos indivíduos inertes a própria realidade, desacreditades do poder e possibilidade de
transformação – que só tem como partir de uma busca pessoal, podendo acontecer por caminhos inusitados.
Apesar das particularidades, não acredito que o que eu passo em minha jornada pelo autoconhecimento enquanto artista é diferente de outras que acontecem por vias diferentes. É apenas um caminho dentre muitos. Sobre a minha curta trajetória, tem sido gratificante poder estar sempre trabalhando em projetos desafiadores de forma coletiva, que considero ser minha maior fonte de aprendizado e alegria. Como trata sobre relações, cultivar isso é uma questão trabalhosa por si só e talvez seja um dos maiores desafios da vida.
PEDRO: Eu acredito que o fundamental em toda movimentação no mundo é estabelecer a motivação e a visão do processo. A motivação de beneficiar a todos os seres, do passado, presente e futuro com a visão nítida da natureza interdependente dos fenômenos.
CAIO: Eu sempre encarei o autoconhecimento como uma jornada exclusivamente de introspecção solitária, porém recentemente tenho me distanciado cada vez mais dessa noção. Esse último ano, em contraste com o isolamento da pandemia, foi o ano no qual que mais me envolvi em projetos colaborativos e com isso tenho entendido cada vez mais o autoconhecimento existindo na interação com o outro. Sinto que me relacionar criativamente com outras pessoas é uma forma de externalizar e colocar sob uma outra perspectiva como eu me relaciono comigo mesmo,
assim como uma forma de me enxergar como o outro me enxerga, possibilitando que eu influencie e seja influenciado por essa relação.
Vocês também promovem uma reflexão sobre memórias, melancolia e intuição. Qual relação possuem com esses temas?
JOÃO: Uma relação humana. Nossa relação enquanto amigos sempre teve espaço pra vulnerabilidade e esse disco ‘Imagem’ foi feito nesse espaço. Muito queríamos e pouco sabíamos de muita coisa. Nos abrimos pra descobrir juntos, muito nesse espaço da intuição. Ouvindo dois anos depois do lançamento percebo a melancolia desse trabalho como retrato da fragilidade que nos permitimos demonstrar diante um do outro.
A estética de ROSABEGE parece mesmo ter um olhar futurista, que se comunica muito bem com a tecnologia. Além do game-clipe, voltado para o digital, vocês também fizeram uma live bastante elogiada [indicada, inclusive, ao MVF]. Consideram-se parte da geração Z? Quais os desafios de se criar universos pensando em uma perspectiva 3D?
VITOR: Pra além do 3D, o desafio é a gente pensar em maneiras de disputar esse futuro com os artifícios que existem hoje. Se apropriar do futuro movimentando linguagens do presente, e falar disso no presente, trazer pra perto. Até porque, mesmo que a gente pense em futuro e se organize para ele, fazemos isso enquanto consumimos as coisas que estão acontecendo agora, no dia a dia, no ao vivo. Hoje, existem grupos maravilhosos que se movimentam assim, pessoas que propõem um presente renovado, sólido. Grupos que combatem vários discursos opressores e fortalecem estéticas que são realmente afetivas, inclusivas. A galera tá entregando novas maneiras de posicionar o corpo no mundo, usos ecológicos de tecnologia, espaços de coletividade e diálogo. Esse é o desafio pra vida. Eu, particularmente, tento desatrelar esse rótulo de futurismo dos meus trabalhos. Sinto que isso cria um afastamento das coisas mais palpáveis, das afetividades que são mais próximas e aconchegantes. Sobre a geração, não entendo muito bem aonde termina uma e inicia outra, mas tenho me sentido parte de um núcleo bacana, pessoas próximas e de idades semelhantes que estão construindo uma trajetória foda. É emocionante ver isso rolando em várias áreas e poder cultivar amizades e trabalhos com pessoas muito diversificadas. No 3D, eu me sinto tranquilo pra contribuir mais um pouquinho nessa direção.
THIAGO: O futurismo deu ruim, estamos preses numa distopia futurista. Precisamos fazer o movimento de entender cada vez mais nosso passado enquanto civilização, nos apegar às questões da atualidade e entender que as possibilidades que surgem são fruto do presente, caso contrário elas sempre serão adiadas para um futuro utópico.
Apesar de o disco conversar bastante com os anos 1960 – um contraponto interessante -, rola também um aceno para o agora, para uma perspectiva mais contemporânea a partir da regravação de “Seu Pensamento”, de Adriana Calcanhotto. Rolou apreensão quanto ao resultado, uma expectativa de transformar um clássico como esse em algo próprio? Queria saber também se ficaram sabendo da reação dela.
VITOR: A gente ficou alegre quando decidiu que seria essa canção. Produzimos em clima de alegria, com carinho. O resultado reflete bem isso, foi um processo leve. Adriana é uma referência pra gente.
JOÃO: Acho que essa conversa se dá com os anos 60 como se dá com tudo que chegou pra gente. Queríamos engolir de tudo, ai fizemos esse paralelo com a antropofagia do Modernismo, que voltou à tona nos anos 60,Tropicalismo, aquela coisa toda, e agora já tá tudo aí bem misturado. E gravar Adriana foi muito gostoso, adoro o trabalho dela e serviu como um enorme aprendizado, que no final acabou dando um resultado interessante, inusitado. Soube que ela gostou de algum jeito, pra ter liberado pra gente lançar.
Pensando nesse trânsito de ideias e referências que vem de períodos distintos de tempo… É possível dizer que ROSABEGE é um grupo que não se ancora?
VITOR: ROSABEGE tá em 2021 agora, vivendo as questões de 2021 e aprendendo maneiras de se comportar diante de um quadro tão grotesco que o Brasil tá passando.
JOÃO: Estamos criando agora. Estamos de olho no que tá rolando, no que rolou e pensando o que pode ser de fato uma contribuição pra construir o futuro. Se deixar de lado uma visão aberta sobre o tempo, tudo vira sobreposição de modismo.
Vocês cantam o verso “QUASE TUDO NO SEU LUGAR”… o que acham que falta se reorganizar no mundo, na arte?
VITOR: Inúmeras coisas. Descentralizar o poder dos poderosos e redistribuir aos que precisam mais. Revolta contra as potências imperialistas. Novos Messias; reorganização e reforma das igrejas para que atendam demandas contemporâneas e saiam do universo paralelo que vivem. A arte acompanha esses – e tantos outros – processos.
JOÃO: Falta organização nossa enquanto sociedade civil, enquanto trabalhadores e oposição ao estado que as coisas estão sendo destratadas. Tenho tido muito contato com o material do professor Jones Manoel, e entendido com mais força a importância de radicalizarmos nossa vida política. Tenho conversado com amigos sobre mais coletivização e sou otimista, acho que vamos construir muita coisa juntos.
THIAGO: Acho que esse título traz uma condição natural à realidade humana. E entendermos isso é importante para estarmos sempre progredindo enquanto indivíduos e civilização. De uma forma objetiva – que posso dizer a partir da minha perspectiva, entendo que precisamos urgentemente nos organizar num movimento anti-imperialista, entendendo que a realidade geopolítica tem sistematicamente privado o terceiro mundo de dignidade, promovendo a desigualdade de forma desenfreada. Hoje, o estado brasileiro é um grande agente desses interesses desonestos, o que não é nada inédito. E a cultura sempre teve um papel fundamental em combater isso, não podemos nos esquecer disso.
PEDRO: Penso que a motivação da prática artística é algo que deve ser examinado. Um exercício honesto de reflexão sobre as aspirações que colocamos no nosso processo. Acredito que a motivação se estabelece como uma espécie de hábito. O que enunciamos discursivamente em um momento de reflexão tem poder se nos possibilita estabelecer confiança em uma intenção específica mas a partir daí é necessário se familiarizar o máximo possível essa intenção para torná-la um hábito. Sinto que é necessário que o mundo da arte reorganize sua motivação com a prática.
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O novo game do ROSABEGE está disponível no site oficial do coletivo. Você também pode conhecer mais do trabalho deles no streaming.
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