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Entrevista: Suricato fala sobre single com Vitor Kley, produtividade na quarentena e mais

No início de 2020, quando a pandemia do coronavírus atingiu o Brasil, Rodrigo Suricato havia acabado de lançar o disco “Na Mão as Flores”. Já estava pensando em uma turnê quando a crise tomou conta do mundo. Mas o cantor e compositor carioca não conseguiu ficar parado: lançou outros três álbuns, “Suricateando” e dois volumes de “One Man Band (Ao Vivo)”. Chegou também um EP instrumental, “Respiros”.

Em meio a esta “quarentena produtiva”, ele também foi indicado ao Grammy Latino. “No sentido criativo, 2020 foi o meu melhor ano”, diz.

Em 2021, ele continua imerso na música e já planeja o lançamento de um novo disco. Antes, porém, o cantor quer por no mundo alguns singles – entre eles “A Dois”, que chegou às plataformas digitais nesta sexta-feira (5). Trata-se de uma regravação de uma canção homônima da banda independente Tem Amor, que deixou Suricato apaixonado desde a primeira vez que a ouviu. Nesta nova versão, o catarinense Vitor Kley se juntou aos versos afetuosos da música.

Em entrevista ao Papelpop, Suricato fala sobre “A Dois” e a parceria com Kley. Também compartilhou as dores e as delícias de ser um artista brasileiro, relembrou o “chororô” com a indicação ao Grammy Latino e planos para o futuro, é claro.

Papelpop: “A Dois” é uma faixa da banda Tem Amor, certo? O que motivou a regravação dessa música?

Acho que estou mais seguro em relação ao meu papel como compositor. Fui indicado a dois Grammys seguidos e tenho uma carreira baseada em cantar minhas próprias músicas. Ano passado, fiquei com vontade de experimentar um repertório de outros artistas com quem eu me identifico. E tenho uma relação muito bacana e próxima com a cena independente. Na turnê do meu penúltimo disco, “Na Mão as Flores”, eu cedia o espaço da abertura para seis artistas se apresentarem. Eu chamava artistas da cidade e cada um chamava o outro como um sarau organizado. Eles abriam o show e me davam uma enorme alegria porque eu não estava dividindo o espaço, eu estava multiplicando o espaço. O intercâmbio com a galera era muito bacana. Essa banda, Tem Amor, abriu o meu show e eu sou próximo deles. Na primeira vez que escutei essa música [“A Dois”], eu fiquei apaixonado e falei: “tá aí uma música que eu gostaria de ter feito”. Aí eu falei para Ramon, que é meu amigo, que estava afim de gravá-la para ser o meu próximo single, junto com Vitor Kley. Ele ficou super animado.

“A Dois” chegou para falar de amor em tempos de pandemia e ódio, quando mais precisamos de afeto. Como falar de amor hoje, diante de tudo isso?

Neste momento, estamos vivendo um drama coletivo pela primeira vez na história da humanidade – pelo menos, do nosso tempo. A gente fala de alegria e de sentimentos nobres, mas isso não quer dizer que somos alienados – pelo menos no meu caso. Não sou alienado. Faço músicas esperançosas porque acho que, apesar desse mundo e das coisas que a gente vive, a gente pode extrair um sentimento bom para compartilhar com as pessoas. É uma luta danada para fazer um som “good vibe” no Brasil [risos]. Mas eu gosto de falar um pouco sobre esperança e de trazer essa leveza porque sei que o mundo precisa disso. Em primeiro lugar, eu faço música para me salvar. E é igual no avião: eu coloco a máscara de oxigênio em mim, depois coloco em uma outra pessoa. Eu preciso estar bem para deixar o mundo bem. Então é isso que eu me preocupo em fazer.

A música marca a primeira parceria entre Suricato e Vitor Kley. Como isso aconteceu? Você já acompanhava o trabalho de Kley?

Quando a gente escuta as paradas de sucesso, [percebe-se que] elas são dominadas por só um estilo musical. De repente, surge um menino que é quase o sinônimo de “sol” indo lá para cima desse ranking [risos]. Eu fico feliz pelo Vitor e pela música dele. Ele é um cara que acredita na essência das canções. Hoje em dia, a gente tem um papel um pouco distorcido: o conceito está vindo antes da canção. Quando aparece um artista que vai lançar alguma coisa, você vê todo aquele conceito e a música fica em segundo plano. Com Vitor, não. Ele se preocupa realmente em ter uma boa música, ter um bom refrão e principalmente ser aquilo que a canção está falando. Ele me chamou a atenção para caramba e eu falei: “pô, um dia vou querer fazer um som com esse cara”. Aí eu o convidei. Ele se mostrou admirador do meu trabalho também, então a gente trocou figurinha e ele topou – por causa do som. Ele gostou do som e eu achei muito bacana isso.

Já existem planos para que você e Kley repitam a colaboração no futuro? Ou, talvez, existem colaborações com outros artistas a caminho?

Com Vitor, sempre. Estou doido para a gente poder tocar essa canção ao vivo. E com esse canal aberto fica mais fácil. Mas, neste momento, estou muito afim também de fazer featuring com outros artistas porque é difícil para caramba: sou minha própria banda, sou compositor, sou diretor criativo. Chega uma hora que eu não me aguento mais [risos]. Eu queria ter essa troca com outros artistas, ainda mais neste momento em que a gente precisa estar sempre gerando conteúdo e arte.

A música veio acompanhada por um clipe simples, mas que exibe lindas paisagens praianas e típicas do verão. Como foi o processo criativo desse vídeo? Quais foram os desafios da gravação nas atuais circunstâncias da pandemia?

Não foi uma superprodução por causa da pandemia, então a equipe foi bem reduzida. Tudo que acontece no clipe é para valorizar a canção e fugir de qualquer personagem ou coisas caricatas. Vitor gravou em uma praia perto da cidade dele, em Floripa, e eu gravei aqui, no Rio de Janeiro. Adoraria ter feito esse clipe pertinho dele, mas as circunstâncias não permitiram. Mas acho que a gente tem um clipe em que a natureza está em primeiro lugar e é ela que vai conduzir a canção. O conceito desse lançamento é tão despretensioso que eu resolvi abrir minhas reuniões de marketing para artistas independentes participarem. Tudo ao vivo no Youtube. A galera assistiu ao que a gente planejou para o lançamento.

Você parece ter uma conexão bem forte com a música independente do Brasil. Como é a sua relação com a cena?

Eu vejo como um dar as mãos. Vitor é um artista muito mais consagrado do que eu, então ele está me dando a mão e eu estou dando a mão para uma banda independente. Acho que esse modelo colaborativo é tudo para a música. Eu sou muito sensível às questões dos músicos independentes porque até pouco tempo eu era um artista independente. Comecei minha carreira nos bares e tocando em churrascarias, então eu sei os dilemas e o que se passa ali. Muitas pessoas me procuram e me encontram de peito aberto para trocar uma ideia, apresentar a uma pessoa, colocar na cara do gol.

Você lançou nada menos que três álbuns em 2020. Fiquei curiosa, como foi essa “quarentena produtiva”?

O primeiro momento foi horroroso [risos]. Acho que para todo mundo, né? A gente estava cheio de planos, de esperança. Eu tinha acabado de lançar “Na Mão as Flores” e queria fazer uma turnê dele, mas o mundo foi lá e fechou. O segundo [momento]… bem, eu sou contra aquela coisa de você ser superprodutivo, sabe? Acho que eu gosto do silêncio também. Mas acabou que minha produção ficou muito acelerada e eu fiz muitas músicas. Foram três discos, sendo que tem um EP instrumental no meio disso. Foi uma loucura mesmo. E tudo com muito conceito e zelo. É por isso que com esse momento agora com Vitor, embora tenha zelo, eu queria estar mais tranquilo. Para mim, no sentido criativo, [2020] foi o meu melhor ano.

Falando em “Na Mão as Flores”, você recebeu uma indicação ao Grammy Latino 2020 por esse álbum. Me conta, como foi essa experiência e o que esse reconhecimento significa para você?

Chorei para caramba. Chorei de fazer careta, de fazer meme mesmo [risos]. Foi um negócio meio bizarro porque, tempos atrás, eu era mais contido. Aquela coisa de artista não perder a pose. Mas, pô, eu desfiz a banda que o Brasil conhecia porque eu estava infeliz ali dentro. Continuei com o projeto. Fui lá e gravei um disco inteiro quase sozinho – tocando todos os instrumentos e compondo todas as músicas. Me auto intitulei Suricato pela primeira vez. Banquei minhas decisões. Às vezes, a gente acha que vai ficar maluco. Aí tem a pandemia, trava o disco. E, de repente, estou concorrendo ao Grammy. Comecei a chorar. Foi uma resposta à minha intuição. Eu falo para as pessoas que eu não optei pelo caminho mais difícil, que é o caminho da arte, num país como o nosso para ser infeliz, para estar junto de pessoas que não gostam de mim ou não respeitam o meu trabalho. Está sendo gostoso, depois de todo esse processo tão individual e imersivo, poder me abrir um pouco mais para as pessoas.

Como a gente já comentou durante a entrevista, o mundo tem enfrentado um período muito complicado e delicado. Os artistas continuaram resistindo e criando, você é um desses casos, e eu queria saber: você continua compondo e sonhando com o futuro? O que podemos esperar?

Sendo muito honesto, parece que eu mudei de profissão. O palco… é uma coisa que eu não consigo ver no futuro próximo. Eu adoro ficar em casa. Por mim, eu arranjava um jeito de ficar em casa o máximo possível e continuar ganhando a vida. Eu não tenho mais essa tara pela estrada da maneira como antes. Às vezes, para fazer um show de 1h30, você despende pelo menos umas 30 horas [risos]. Você chega em casa moído, cansado. Então, eu estou pensando em maneiras para sobreviver de arte, estando mais presente para a minha família. Eu quero lançar mais dois singles este ano e vir com um álbum completo a partir de agosto ou setembro. E quero tentar estar mais perto possível dos meus fãs porque eles me fazem muito bem. Eu tenho uma troca com eles que não é uma infantilizada. Como eu não sou um artista muito popular, eu consigo trocar uma ideia com as pessoas sem tê-las gritando no meu ouvido [risos]. Então eu bato um papo com elas e é muito gostoso poder ouvi-las.

Como um bom carioca, você publicou uma homenagem ao aniversário do Rio de Janeiro, comemorado na última segunda-feira (1), no Instagram. Dá para ver que você tem uma ligação forte com a cidade. O que o Rio significa para você e como você observa a cidade hoje?

Acho que a cidade está se tocando de que não é o Rio de Janeiro da exportação. O Rio de Janeiro está cada vez mais assumindo suas imperfeições, está muito menos Pão de Açúcar e muito mais o Adriano tomando cerveja na favela. Acho que o funk significa muito mais o Rio de Janeiro do que a bossa nova. Na praia, você vê o bacana, você vê o assaltante, você vê todo mundo tomando banho no mesmo mar e disputando o mesmo espaço na areia, inclusive com pouca roupa. É quase uma analogia: pelado, a gente é igual. Mas é uma cidade muito caótica, que sofre muito com a violência, que sofreu anos de abandono, então eu não romantizo o Rio de Janeiro como os governantes fizeram. Ao mesmo tempo, acho que é uma das cidades mais maravilhosas para viver no mundo. É uma experiência única, é uma surra de natureza.

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