A pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil sem pedir licença e parte do elenco de “Amor de Mãe”, trama das 21h, pensou que as atividades dos Estúdios Globo seriam as últimas a serem afetadas. Aconteceu, justamente, o inverso. “Quando tudo parou fiquei preocupada com o mundo, não com o nosso trabalho”, lembra a autora, Manuela Dias. “Era e é grave, assustador, desconhecido. Não teve espaço pra sofrer pelo projeto porque uma coisa é a vida das pessoas em risco, outra é interromper uma narrativa”.
O folhetim, estrelado pelo trio Adriana Esteves, Regina Casé e Taís Araújo, retorna às telas com capítulos inéditos nesta segunda-feira (15) depois do Jornal Nacional. As gravações foram retomadas após cinco meses de pausa em meio a um rígido protocolo de segurança que envolveu placas de acrílico separando os atores, quantidade reduzida de gravações em um mesmo dia e camarins individuais. Agora, 23 novos episódios darão o desfecho das personagens Thelma, Vitória e Lurdes, esta última prestes a encerrar sua incansável busca pelo filho Domênico.
Nos meses seguintes ao isolamento, Dias revela não ter interrompido a escrita. “A princípio pensei até em não colocar o Covid na trama. Quando paramos seriam apenas 15 dias, mas se passou um ano”, diz ao Papelpop por ZOOM. “Com a experiência sendo mais longa, intensa, comecei a pensar como cada um iria reagir a essa realidade a qual fomos submetidos. O roteiro sempre se adapta a um dia de chuva, a uma doença de um ator. Mas a pandemia era uma imposição muito complexa pra deixar de fora”.
Cautelosa e tendo em mente que uma história sem final é uma história que nunca existiu, ela diz, sem revelar spoilers, que as personagens se adaptaram como puderam à presença do vírus, respeitando a força do destino que os fará encontrar seus próprios caminhos. Conforme a história caminha, uma marca temporal ligada ao número de mortos deve ser inserida. Àquela altura, as vítimas estavam na casa dos 9 mil. “A novela não poderia resolver antes da realidade a questão do Covid. Além de tentarem ficar vivos, todos continuam na lida de realizar sonhos pessoais”.
Mesmo em casa, a doméstica Lurdes continuará firme na missão de achar o filho perdido há 24 anos. Sua intérprete, Regina Casé, lembra que vivia em 2020 um momento frenético: àquela altura tinha acabado de estrear uma peça e o filme “Três Verões” (Globo Filmes).
Hoje, ela faz um balanço dessa experiência inédita na carreira e diz ter sentido dificuldade para voltar ao estúdio. “Parar com uma personagem igual a essa foi como puxar o freio de mão ao dirigir um caminhão em alta velocidade. Mas o encontro desse elenco foi uma coisa única. Todos se preocuparam comigo”. Lurdes, de fato, só voltou a ser Lurdes graças aos objetos imprescindíveis de sua caracterização: além da recém-adicionada máscara de proteção, a bolsa atravessada, a toalhinha bordada e uma sombrinha.
Cenas envolvendo beijos e abraços não devem ser preteridas. Os atores que as realizaram, escolhidos a dedo e divididos por núcleo, foram submetidos a testes e quarentena prévia em hotéis da capital fluminense. Questionada sobre os desafios de fazer com que o carinho siga vivo, nítido na reta final, Manuela Dias destaca que os cuidados excessivos ficaram restritos aos bastidores.
“Tudo que a novela não pedia era um isolamento. Se quando escrevi as personagens já eram afetivas na minha cabeça, a atuação do elenco potencializou isso loucamente”, explica. “Me sentia muito responsável por todos, mas eu tinha que respeitar o ponto de vista da dramaturgia e voltar com o ‘amor de mãe’, não uma trama que tinha um protocolo a ser seguido. Isso foi conquistado com o esforço de todos. As pessoas se abraçam, que nem a gente abraça em casa. Só que esses abraços são sempre com as mesmas pessoas”.
Nesta reta final, que se inicia 6 meses depois do último capítulo, Lurdes descobre que a melhor amiga Thelma (Adriana Esteves) é na verdade a mulher que comprou Domênico/Danilo (Chay Suede). A criança, nascida no povoado de Malaquitas (RN), foi vendida pelo próprio pai aos 2 anos de idade à traficante de crianças Kátia (Vera Holtz). No último capítulo gravado antes da interrupção, a mãe adotiva de Danilo, acuada após ser descoberta, atropela e mata Rita, mãe biológica da nora Camila (Jéssica Ellen). Não deve ser o único crime cometido.
“A Carminha [vilã de Avenida Brasil interpretada por Esteves] perto da Thelma é uma fofa”, brinca Casé. “Vai ser muito punk essa volta. Queriam tirar a gente da zona de conforto e eu fui pra maior zona de desconforto possível. Foi barra pesada”.
Sobre o desfecho de figuras centrais, apenas Humberto Carrão e Nanda Costa se restringiram a dar pistas. Na novela eles são o herdeiro Sandro e a empresária Érika. O filho de Raul (Murilo Benício), conforme as prévias revelam, deve passar por maus bocados enquanto lida com as investidas do bandido Marconi, seu antigo parceiro. Terá de enfrentar também a Covid sob outra ótica, desta vez acompanhando o drama da namorada Betina. Interpretada por Ísis Valverde, a jovem decide deixar o luxo e o bem-estar de sua nova vida para se dedicar ao duro trabalho de enfermeira, sua antiga profissão.
A filha de Lurdes, por sua vez, deve finalmente se encontrar no amor. “A Érica vinha de algumas frustrações sentimentais, não tava dando sorte, mas eu fiquei bem feliz com esse retorno. Posso dizer que agora ela vai se dar bem”, diz Costa. Ela também explica que, pela divisão de núcleos prevista no protocolo, o roteiro foi entregue em esquema fragmentado. Portanto, os finais de outros personagens não foram amplamente revelados. “A gente não sabe o que vai acontecer, só sabemos as cenas que fizemos por conta do distanciamento. Aumenta a curiosidade, né?”.
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