Os melindres do boto cor-de-rosa, uma das principais narrativas do folclores brasileiro, segue vivo no imaginário popular. Reza a lenda que um elegante rapaz trajando terno e chapéu se aproximava das mais belas donzelas em bailes organizados à beira do rio. Nessa dança que se estendia noite adentro, não apenas as violava como também fazia com que se apaixonassem, perdidamente.
A cantora Aíla, no entanto, quis subverter o machismo contido nessa lenda urbana ao lançar nesta terça-feira (30) o single “Água Doce”. A faixa, que abre os trabalhos do terceiro álbum da carreira, previsto pra chegar em maio, leva a lenda para um outro lugar – o do sagrado feminino. Em um novo clipe, gravado na Ilha das Onças, ela mergulha nas águas de sua terra envolvida por sons tradicionais como o zouk, vibrante e enérgico ritmo caribenho que se abre a misturas vibrantes, populares.
Com produção da multi-instrumentista baiana Alice Falcão e do DJ e produtor Will Love, a letra é da própria Aíla, em parceria com Roberta Carvalho e Neila Kadhí. Trata-se de um convite para conhecer os mistérios do Norte, que pode, sim, se revelar um paraíso.
“As lendas da Amazônia são uma fonte riquíssima de conhecimento, mas não podemos esquecer que pode mascarar ou justificar comportamentos sociais”, diz a artista. “Um cara que sai do rio, conquistador, galã, que engravida as mulheres e depois as abandona. Por esse motivo, este conto é tão utilizado para justificar gravidez de mãe solteira pelos interiores do Norte. Sempre me perguntei até que ponto isso não servia para mascarar violências”.
Voz importante da cena queer, Aíla emprega em seu trabalho referências que vem desde a cultura tradicional do Pará, estado em que nasceu, até questões de relevância social como gênero e feminismo. Já tendo se apresentado por algumas das principais casas de show do país, o primeiro single da artista foi “Treme, Terra”, lançado em 2019.
Em 2020, ela lançou a canção “Amor e Sacanagem”, elogiada parceria com Luísa Nascim. Sobre o próximo álbum, citado acima, ela diz que dará continuidade aos entrecruzamentos entre o som mainstream e o que vem da periferia. “O projeto quer falar dessas misturas da música pop com a música que vem da periferia, que na verdade, pode ser a mesma coisa. Afinal, quem dita a música pop no Brasil e no mundo é o som que vem das bordas. Minha vontade é expandir, criar novas conexões, novas narrativas. Todo álbum é uma nova viagem, um novo assunto”.
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