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Xuxa lança livro infantil e fala sobre legado: “Pra muita gente, sou uma memória afetiva linda”

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Foto: Blad Meneghel
Foto: Blad Meneghel

Foi por intermédio da filha Sasha e da amiga Bruna Marquezine que Xuxa Meneghel conheceu o pequeno Betinho. A criança, nascida em Angola, tomou a apresentadora em um abraço apertado, inesperado, durante um encontro em Bié, província localizada no centro do país. “Foi uma conexão imediata”, conta.

Um pouco mais adiante, Xuxa descobriria que o pequeno não apenas era carinhoso, como também o protagonista de uma história de dedicação e amor absolutos. Anos antes, ele havia conduzido o próprio pai, portador de deficiência visual, à Aldeia Nissi. O projeto, criado há 13 anos, oferece ajuda a pessoas em situação de vulnerabilidade. Ambos foram acolhidos e, livres da fome e do esquecimento, vivem lá até hoje.

Na esteira do elogiado “Maya: bebê arco-íris” e cruzando o Oceano Atlântico, a Rainha se baseia em mais uma história real para dar forma a “Betinho: o amor em forma de criança” (Globinho). Com delicadas ilustrações de Monge Lua, a obra chega às prateleiras nesta semana como uma terna carta de afeto que, sutilmente, também deixa uma mensagem sobre a intolerância.

“Nossas crianças não podem crescer num mundo no qual gays apanham e são julgados, no qual as mulheres são desacreditadas e abusadas, justamente, por serem mulheres, no qual negros são vítimas de violência e preconceito diariamente”, diz, em uma breve análise sobre o presente.

Na entrevista a seguir, feita por e-mail, Xuxa apresenta a narrativa e fala, entre outras coisas, sobre leituras antirracistas e seu transparente posicionamento político, em evidência nas redes sociais. Ela também destaca o sucesso do livro “Memórias”, best-seller lançado em novembro de 2020. “Tive medo de decepcionar as pessoas que sempre me viram como uma rainha intocável”.

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Papelpop: A história de Betinho é baseada em fatos reais e vocês chegaram a se conhecer. Como foi o seu encontro com o garoto, foi emocionante?  

XUXA: Conheci o Betinho primeiro por foto, a Sasha já tinha ido à Aldeia Nissi três vezes e me mandava foto dele dormindo no colo dela, dançando… Eu já tinha me apaixonado antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente. (Em janeiro de 2020) foi minha primeira vez na Aldeia Nissi e a quarta vez dela. Fui recebida por umas 30 crianças cantando e dançando. Do meio de todas as pessoas, saiu um cachorrinho chamado Simba para me beijar e fazer festa. Me abaixei para acarinhá-lo e foi quando Betinho saiu correndo para o meu colo e não saiu mais de perto de mim, foi uma conexão imediata e de muito amor.

Muita gente não conhece a Aldeia Nissi e tem pouco contato com o trabalho humanitário feito na África. O que significa pra você a missão de apresentar esse projeto aos brasileiros por meio da literatura?

A Aldeia Nissi já existe há 13 anos. Eu me apaixonei primeiro pela história de Bié, um povo sofrido pela guerra e, mesmo assim, com muito amor para dar. Conhecia também o trabalho do Fraternidade Sem Fronteiras através do site deles e sempre achei que ia conhecer esse projeto primeiro, mas Sasha me levou a conhecer o projeto Baluarte – que fica em Angola, há 4 anos, e nasceu do sonho de dois irmãos brasileiros jovens. Logo depois fui para Bié, para a Aldeia, pois Sasha está apaixonada por todos por lá (um “lugar especial”, assim como ela chama). Ela conheceu esse projeto através da Bruna Marquezine, que para mim é uma fada madrinha para esses jovens e crianças. E agora, com o livro, espero que mais pessoas conheçam e se apaixonem também.

“Betinho” é o segundo lançamento literário em que você se debruça sobre pautas de intolerância. De que maneira acredita que essas obras contribuem pro debate sobre racismo e LGBTfobia? 

Maya nasceu do meu amor por ela [Xuxa se refere à afilhada, um bebê que carrega o mesmo nome] e Betinho nasceu do meu amor por ele também. É que falar de amor num momento de ódio e preconceito soa como se eu quisesse ir contra algumas pessoas, mas NÃO! Eu só quero ir a favor do amor. Tenho certeza de que Maya teve um papel importante para muita gente ver que o preconceito e a homofobia se escondem atrás de religiões e doutrinas. Betinho veio no momento em que vemos negros sendo mortos com joelhos no pescoço e até pontapés na saída de supermercado. Por quê? O ser humano está mostrando um lado horrível, agora, mais do que nunca. Então vamos todos levantar essa bandeira: a do amor.

Você também tem defendido, publicamente, outros temas sérios como a necessidade de se vacinar. Por que acha ser tão importante falar sobre isso agora?

Porque estamos falando de uma pandemia, de amor às vidas, de amor ao próximo. As pessoas estão levando tudo para uma guerra política, estão tão cegas que a ignorância está gritando para mundo todo ouvir. É vergonhoso tudo isso, é inacreditável que precisemos fazer campanha paras pessoas se vacinarem em 2021, é inacreditável o desamor pela vida e pelo próximo. Uma pandemia mundial e muitos brasileiros dizendo “Eu não sou obrigado a me vacinar”. É inacreditável termos que pedir pra cuidarmos da vida do próximo, pois se você não se vacina e pega o vírus, você continua a transmitir… É  V E R G O N H O S O!

Claudia Raia disse em uma live, recentemente, que mandaria pra você o “Pequeno manual antirracista”, de Djamila Ribeiro. Tem o hábito de ler autores negros? Algum autor/obra específica, que trata do racismo, te impactou? 

Eu comprei (ela não me mandou, se esqueceu). Esse livro tem frases que falamos a vida toda, repetimos sem saber ou pensar no que significam. São costumes errados, como muitos outros que foram passados por tempos, gerações, que estão enraizados e que devemos nos desfazer e nos envergonhar por um dia terem sido normais. Vejo muito isso na Bíblia, as pessoas usam para repetir coisas que eram “normais” para uma época e ainda hoje querem seguir ao pé da letra, sem evoluir: negros, mulheres, gays, bichos são destratados, tem muita coisa errada que precisamos melhorar, muita coisa.

Você deixa no livro uma forte mensagem sobre vencer as dificuldades e manter a resiliência, o que conversa muito com os dilemas de 2020/21. Quais grandes desafios acredita ter hoje, no Brasil, a primeira infância? 

A desvalorização da escola, dos professores, do estudo… Uma possível guerra política onde a violência vai reinar… Nossas crianças não podem crescer num mundo no qual gays apanham e são julgados, no qual as mulheres são desacreditadas e abusadas justamente por serem mulheres, no qual negros são vítimas de violência e preconceito diariamente… Não podemos achar normal o nosso presidente dizer que fraquejou ao ter uma filha mulher e que se o filho fosse gay ele batia até virar homem… Essa nuvem pesada que paira sobre nossas vidas faz a gente temer o futuro, me faz não saber o que esperar para meus netos.

Xuxa, o seu olhar pro público infantil segue muito apurado. Há algumas semanas você fez, nas redes sociais, uma espécie de “acerto de contas” com um fã ao responder a uma cartinha escrita há cerca de 35 anos. Enquanto destinatária, e sabendo ser uma pessoa de extrema importância na formação de tantas crianças, o que o recebimento dessa mensagem provocou em você? Nesse momento especial da carreira, simbolizou algo específico? 

É a constatação de que o meu público é o melhor. Crianças são anjos, são puras, verdadeiras e eu fiz parte de quatro gerações, isso me fez aprender a dar valor ao amor, aquele com o qual nascemos e, muitas vezes, ao crescermos, se modifica, se perde… Mas para muita gente eu sou uma memória afetiva linda, sou a fase mais linda da vida delas: eu tenho cheiro de pão com manteiga; tenho cheiro de colo de mãe; tenho cheiro de caderno e de uniforme. Eu sou uma privilegiada por fazer parte da história mais linda de muita gente.

O novo livro apresenta Betinho como “o amor em forma de criança”. Qual é o maior símbolo do amor pra você? 

Minha mãe e Sasha.

Seu livro “Memórias” é um best-seller e tem impactado a vida de muita gente. Você esperava que a obra fosse tão bem-sucedida e tocasse as pessoas assim?

Não tinha noção. Aliás, tive medo de decepcionar as pessoas que sempre me viram como uma rainha intocável. Eu me despi, eu me mostrei e nem sempre isso agrada as pessoas. Mas, acima de tudo, eu fui muito feliz e nunca desejei ter outra vida. Apenas desejei dar o melhor para minha mãe, sonhei e acreditei nisso, mas nunca imaginei que minha vida poderia virar um livro, um filme ou um documentário e fazer bem para as pessoas. Para essas pessoas, eu digo: gratidão por me aceitarem como sou.

 

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“Betinho: o amor em forma de criança” já está disponível nas principais livrarias do Brasil. Toda a renda obtida com a obra será doada para a Aldeia Nissi, onde Betinho, o protagonista dessa história, vive como o pai, além de santuários brasileiros que abrigam animais resgatados em situação de maus-tratos.

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