Raquel Virgínia atende a ligação apreensiva. Enquanto espera a conexão do amigo Rafael Acerbi, olha para o celular com frequência. “Estou nervosa pra essa estreia”, diz. “Estamos super em contato com os fã clubes da Luísa, mas é um público que a gente nunca acessou, que não nos conhecia até pouco tempo. E se lançarmos esse negócio e a galera odiar?”.
Ela se refere a “Quarto Andar”, nova aposta do grupo As Baías, formado ainda por Assucena Assucena. A faixa, uma parceria com Luísa Sonza, encerra nesta sexta-feira (15) um ciclo de canções em parceria que revela ao público uma face criativa inédita. Destaque na cena nacional desde 2015, quando chegou ao streaming o disco “Mulher”, o trio bebe pela primeira vez na fonte de um pop grudento, sinalizando uma drástica mudança estético-sonora.
Aos poucos, Raquel se solta. Percebe a partir do que diz que há apenas o que se orgulhar. Abdicando da identidade sonora que consagrou o trio, ela auxilia na tarefa de introduzir por meio do álbum “Drama Latino”, uma reunião de featurings que inclui ainda Cleo, Xand Aviões, Linn da Quebrada e Rincón Sapiência.
Agora, o público tem acesso a uma narrativa mais direta, ora eletrônica, até mesmo reggaetonera. Não fica para trás, entretanto, o viés filosófico e a incursão de questões da psiqué nas composições. Elas seguem falando do e para o coração. “Fizemos jus ao título do projeto, que reúne vários aspectos da nossa latinidade”, explica a artista, que tem nas mãos um exemplar de “Popismo”, clássico de Andy Warhol.
Ao longo do último ano, os pontos foram se interligando a fim de formar um universo macro, palpável, na obra d’As Baías. “O pop é tudo tudo que vem de fora e nós, artistas, temos duas opções: ou a gente entende a nossa demanda interna e bota isso pra fora, ou a gente internaliza e reprime isso”.
Responsável pela guitarra, Acerbi toma a palavra. “Tudo o que temos feito agora é fruto de uma manifestação muito genuína, que olhamos com sabedoria e aceitamos trilhar. O pop, dentro d’As Baías, me mostra liberdades, possibilidades, ainda que a indústria pareça uma caixinha com dinâmicas e formulários. Estamos chegando ao fim de um processo bem longo, com muitas experimentações”.
Com figurinos modernos e extravagantes, o clipe da vez destaca um interesse em compreender a fundo as estruturas basilares do movimento. Afinal, o que veste uma diva busca, entre outras coisas, revelar um diálogo interno com seus próprios anseios e emoções. Entra aí a inspiração em gente que tem feito o maior barulho lá fora, com palmas e vocais afiados.
Ao longo das últimas quatro décadas, período em que o pop não apenas dominou as paradas de sucesso, como também mostrou os caminhos a serem seguidos pela indústria, estrelas pertencentes aos mais variados nichos e origens buscaram aprimorar seus visuais. De Madonna e Björk, duas precursoras, a Rosalía, jovem cantora catalã que arrebata plateias mundo afora com sua mistura de flamenco e hip hop – todas aprenderam a usar esse ponto a seu favor.
A admiração pela voz de “Malamente” fez com que ela recebesse uma menção na nova faixa. A ideia surgiu após um encontro furtivo, sem contato direto, nos Estados Unidos.
“Assucena, que é judia, tem uma relação muito forte com a cultura ibero-americana”, explica Rafael. “Mas quando fomos para o Latin Grammy [O disco “Tarântula” (2019) concorreu à categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo Brasileiro], vimos um show com ‘Malamente’. Houve um choque absoluto. Nós nos perguntávamos como ela, tão nova, conseguia sintetizar tradição e modernidade sem ser piegas. Ao colher referências pras novas canções, isolados, quisemos ouvir o disco ‘El Mal Querer’. Foi de cara alguém que pensamos em incluir.”
Esse pêndulo que oscila agora na direção da música hispano-americana, não deixa de ser curioso enquanto parte de uma corrente em ascensão. Ao mesmo tempo em que o Brasil se isola, esnobando a possibilidade de se conectar com o universo da língua espanhola, artistas nacionais tentam cada vez mais alcançar públicos vizinhos. Não deixo de pensar sobre a possibilidade de um lançamento próximo no idioma e divido a ideia. Explorar as ditas veias abertas do continente com ambos…
“Acho que a gente tá num processo de total construção de um diálogo com o Brasil. A gente canta com artistas que conseguem dialogar com esse país de norte a Sul e isso deve acontecer, naturalmente, com a arte dos países vizinhos”, diz Raquel. “O Latin Grammy não é um prêmio tão substancial no Brasil, mas nos outros países é algo importantíssimo, que abre portas. Não há como não pensar nisso vislumbrando o futuro”.
Não resta dúvida de que o grupo soube como driblar a catástrofe que se abateu sobre a classe artística no ano de 2020. Todos trabalharam duro, com lançamentos periódicos, realizados dentro das limitadas e reais possibilidades. Mas para selar a construção deste novo momento, decidiram encarar também uma mudança de nome. O que era As Bahias e a Cozinha Mineira, como você deve se lembrar, passou a atender apenas pelo apelido: As Baías.
“Ficou mais palatável, eu acho. Mas brinquei no início e disse ‘Ah, se tirarmos o H ninguém perceberia’ [risos]. Não foi bem uma verdade. Já vi gente nos chamando de As Báias”, brinca Raquel.
Apesar das gafes neste momento de adaptação, a ideia é válida, visto que busca simplificar em todos os sentidos. Um exemplo clássico de como o dito questionamento já vinha sendo feito há algum tempo: em 2016, ao vencer o Prêmio da Música Brasileira, As Bahias e a Cozinha Mineira ainda não tinham o alcance de hoje.
Era raro, segundo Rafael, quem conseguia acertar de primeira, dada a extensão de palavras. “Vencemos os prêmios de Melhor Álbum e Melhor Grupo, mas erraram em todas as vezes em que nos chamaram ao palco. No dia seguinte estávamos nos sites de fofoca com a manchete ‘Atriz erra nome de banda 5 vezes em premiação’.
Para os fãs mais caxias, que independente do artista, sentirão o direito de cobrar uma estética e um som que traga de volta ‘As Baías de antes’, Raquel sugere pensar o conceito de arte.
“As pessoas adoram impedir as ‘metamorfoses ambulantes’. O artista, enquanto estiver vivo, tem que realizar as vontades do coração. A arte sempre mudou porque artistas se incomodaram e quiseram mudar, sair da zona de conforto. Seria muito mais fácil pra gente se repetir ad eternum. Mas não queremos. É preciso deixar de ser preconceituoso.
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