Corpos se tocam numa simbiose e, no instante seguinte, surge a silhueta de uma mulher que é só. Nas mãos, ela tem linha e agulha. Como se costurasse os pontos de uma densa reflexão acerca dos mais intrínsecos dilemas do amor, a cantora paulistana Gabriella Lima constrói no clipe de “Máquina de Ilusão” uma narrativa filosófica que se mescla a todo momento com a leveza da dança. Uma sucessão de contrapontos.
Responsável por lhe oferecer os troféus de Melhor Artista Solo e Melhor Vídeo no International Music Video Underground, honraria que reconhece a excelência de produções audiovisuais em nível mundial, o projeto é uma amostra do álbum de estreia da artista, previsto para o primeiro semestre de 2021. Radicada na Europa e adepta de um visual french bob, ela apresenta uma proposta sonora original, que extrai referências tanto do passado, quanto do presente.
Com um pé no Brasil e outro na França, a jovem passeia entre os trópicos a fim de encontrar respostas para as angústias e desejos do coração. Liberdade, urgência e desencanto são temas que aborda com frequência. “Queria abrir uma discussão sobre as desilusões amorosas, sobre o fim das relações. Mas não com uma abordagem triste. Afinal, acabar não significa que deu errado”, explica, fazendo referência ao single mais recente.
Na entrevista a seguir, Gabriella apresenta o próprio trabalho. Ela fala sobre memórias, planos futuros e o que de mais precioso lhe oferece a iluminada cidade em que escolheu viver.
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Papelpop: Você é paulistana, mas decidiu ficar um tempo em Paris, onde conheceu o prestigiado Cabaret Aux Trois Mailletz. O que essa experiência mais agregou à sua carreira, à sua formação artística? Quais memórias guarda desse período?
Gabriella Lima: A experiência no Cabaret foi uma imersão total para a minha formação artística e pessoal. Trabalhar e dividir o palco com outros tantos artistas de diversos países abriu a minha cabeça para outras sonoridades e culturas. Aprendi o ofício do palco e interação com o público nas inúmeras noites do Cabaret. O público era diferente a cada dia, muitas vezes não vinham para assistir a “Gabriella Lima”, eu tinha que conquistar o público a cada noite, “segurar a plateia“ durante todo o show e prepara-los para o próximo artista. Muitas vezes não falavam português, francês e nem inglês, o que fazia com que cada show fosse uma surpresa para mim mesma e um grande desafio para comunicar e interagir com eles. Um desafio muito prazeroso.
Falando em imersão, faço uma primeira análise do seu som como sendo fruto de uma proposta mais minimalista, que me lembra em alguns momentos a escolha de instrumentos da música pop francesa contemporânea, da qual fui muito fã nos 3 anos em que estudei o idioma. Estou certo ao traçar esse paralelo com o seu trabalho? Tem o hábito de escutá-la?
A sua análise do meu som com a música pop francesa faz sentido sim e não foi por acaso, minha proposta foi trazer arranjos minimalistas, componentes eletrônicos (de pops franceses que escuto) para dar um ar futurista à canção aliados aos sons percussivos presentes na música brasileira. Nesse quarto single pode se escutar a exata mistura dos dois universos. Tudo começou com a dúvida de não saber para qual lado eu iria com a minha música. Tenho um amor e vivência com a música brasileira, faço música brasileira, e tenho essa energia tropical aqui dentro, mas escuto muita coisa francesa também e minha outra metade é calma, intimista e reservada, na dúvida, decidi ficar com os dois! Uma MPB com sotaque francês! Uma bossa francesa.
A dança assume um protagonismo no quarto clipe, oferecendo à narrativa novos contornos. Como é a sua relação com o lance da coreografia, do “casamento” existente entre música e movimento corporal?
O casamento da música com movimento corporal se revelou para mim quando comecei a cantar no Cabaret, eu interpretava músicas brasileiras mais dançantes e tínhamos dançarinas a disposição para dançarem enquanto eu cantava, mas eram bailarinas russas, excelentes bailarinas mas não estavam alinhadas com o que a música brasileira pedia, então eu comecei a dançar enquanto cantava e pedi para elas me seguirem, ali descobri que a dança era uma parte importante da minha apresentação e uma força que eu tinha. Sobre trazer a dança para o clipe, isso aconteceu da minha amizade com o bailarino e coreógrafo brasileiro de Salvador, (Fábio Aragão) que mora aqui em Paris. Juntos começamos a sonhar em trazer a coreografia para as minhas próximas músicas, já que a partir desse quarto single as canções começam a ficar mais dançantes.
Ouvindo as demais canções já lançadas, notei algumas pinceladas existencialistas. Em “Como um Barco”, por exemplo, a letra passeia por um campo de vulnerabilidade, no sentido de se permitir pensar a complexidade das relações, o próprio autoconhecimento. Gostaria que falasse um pouco sobre o seu próximo álbum, previsto pra chegar em 2021, e as escolhas lírico-temáticas que faz.
O tema do autoconhecimento e do processo individual de evolução está bastante presente em todo disco. “Como um barco” foi a primeira amostra desse tema bastante presente no álbum. A criação desse disco foi praticamente a minha cura e as letras foram e ainda são meus mantras para lidar com essa montanha russa de emoções que é viver de música, sozinha em outro país. Não por acaso o disco se chama “Bálsamo”. A dor que cura. Não há uma única música nesse álbum que não seja verdade e autobiográfica. A importância de cada uma para mim está na liberação de lágrimas contidas, na destruição das amarras que prendiam a minha personalidade. Precisei criar para soltar o que estava muito preso. As canções são bálsamos a serem aplicados às minhas feridas ocultas, foram meus incentivo, orientação e resolução. Mas não queria um disco triste. Queria um disco alegre, já sou melancólica demais. O disco é um convite para dançar em cima da dor.
Em “Máquina de Ilusão” você fala sobre uma associação equivocada, muito comum, existente entre o sucesso e a durabilidade das relações. São dois pontos que não podem ser considerados pares. Que reflexão acredita que devemos fazer em torno disso, enquanto seres que amam, que desejam ser amados?
A reflexão que eu mesma fiz com o tempo foi que não importa o tempo que durou, a relação foi uma parte da nossa vida que constitui quem somos hoje. Se a gente entende isso, olhando para todas as pessoas que entraram e saíram de nossas vidas, sempre, em qualquer relação, alguém nos trouxe algo e a gente entregou algo. Seja em forma de alegria ou de dor, independente, a troca existiu, são experiências que a gente precisou vivenciar naquele momento. Sem contar que alegria e dor são relativos sobre ser bom ou ruim para nossa evolução né? O ego gosta só da alegria, mas se cutucar um pouquinho mais fundo, para o despertar da nossa consciência, normalmente aprendemos muito mais com a dor. Essa aceitação, evita a insistência em uma relação que não funciona mais. A ilusão de que se tentar mais um pouco, poderia funcionar. Pura Ilusão. Deu certo o tempo que tinha que dar.
Fora questões sentimentais, em termos gerais: o que você acredita que fomenta hoje, no atual contexto, a nossa “grande máquina de ilusão”?
Excelente pergunta! Eu acredito que seja a nossa criança interior, a menininha, o menininho que ainda não está curado e que busca no outro o amor que falta dentro. A busca do amor exterior a qualquer custo para se sentir protegido e validado gera co-dependência emocional. Et voilà!
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