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Entrevista: Tagua Tagua explora significados e transformações em “Inteiro Metade”, novo disco
Anos atrás, durante uma viagem ao Chile, o músico Felipe Puperi se deparou com o lago Tagua Tagua. Maravilhado com a imensidão azul disposta diante de si, resolveu tirar dali o nome que precisava para a sua nova empreitada artística. Após dois elogiados EPs, o Tagua Tagua, projeto musical, entrega nesta sexta-feira (16) o disco “Inteiro Metade”.
Produzidas em parceria com a Natura Musical, as 9 faixas revelam uma maturidade lírica e sonora nunca antes vista no trabalho do criador. Seguro de si, ele versa sobre temas que, apesar de variados, se entrelaçam a todo momento com a finalidade de conduzir o ouvinte a um processo de reinterpretação dos próprios sentimentos.
“É algo um tanto complexo”, diz por e-mail, “Mas o ressignificar do disco vem na perspectiva de uma relação entre duas pessoas, mas acaba ganhando novos significados.
Ao suscitar novas perspectivas de ser e sentir, “Inteiro Metade” diz que as relações só são complexas porque o que há dentro é parte de uma jornada intensa e interminável de exploração. Na entrevista a seguir, o cantor e instrumentista fala sobre isso, além de mergulhar em temas como criação, lembranças e desafios.
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Papelpop: “Inteiro Metade” é um disco denso, que aborda vários temas importantes. Há espaço pra falar sobre euforia, gratidão, saudade, luto, entre outras coisas. Algum desses sentimentos te tocou mais, bateu mais forte na hora de compor?
Talvez tenha sido a saudade. É uma palavra que aparece bastante, mesmo nas músicas mais eufóricas. Ela acaba guiando tudo, porque ora vem em forma de aceitação, aquela saudade boa que fica guardada na caixa das memórias felizes, ora vem em forma de tristeza, de luto.
Achei o resultado final harmônico, preserva a boa e velha sinestesia, que já é uma marca do Tagua Tagua…Como foi trabalhar a construção desse álbum?
Foi incrível. É meu primeiro disco completo, nunca tinha trabalhado com tanto espaço criativo numa mesma obra. Escolher os instrumentos, os timbres, as texturas, camadas, os arranjos é a parte que mais gosto. Me permiti criar de diversas formas também, músicas que começaram e terminaram no violão, que partiram do piano, beat da bateria, etc.
“Do Mundo” encerra a tracklist e é a faixa mais lenta já lançada por vocês. Compor essa melodia, trilhar um caminho diferente, foi um desafio?
Acho que apesar de ser um caminho novo entre as músicas já lançadas, não é uma novidade pra mim enquanto compositor. Escrevo com frequência algumas canções mais lentas e introspectivas, muitas vezes só na voz e violão mesmo. O pessoal já tá até acostumado a me ver por aí tocando algumas delas (quase sempre inéditas) da forma que chegam pra mim. “Do Mundo” é uma dessas composições que ainda não tinham entrado em nenhum lançamento, mas que agora encontrou seu lugar.
Você descreve “Até Cair” como uma das canções mais importantes do álbum. A letra versa sobre a linha tênue existente entre saudade e aceitação, sobre a força adquirida com o desprendimento. Particularmente, estes foram sentimentos com os quais lidei bastante nos primeiros meses do ano… Pensando nas reflexões acerca da melancolia e da fluidez, o que acredita ser mais difícil nesse processo?
A parte mais difícil parece ser a aceitação, o acolhimento dos verdadeiros sentimentos. Se dói, doí e tá tudo bem, saca? Se sente euforia quando o mundo lhe impõe que você sinta tristeza, aceita, viva a euforia sem culpa. Respeitar o nosso momento individual me parece a parte mais complicada do processo e isso já é um grande passo pra entender quem a gente é de verdade, o que a gente quer e pra onde estamos indo.
Ouvindo “Inteiro Metade” enxergo a palavra “ressignificar” em vários momentos. Me parece que o disco acaba conduzindo o ouvinte rumo a uma perspectiva de menos cobrança, de mais possibilidades… O que você ressignificou neste ano? Gosta de mudanças, ou aprende a lidar com elas?
Mudar não é fácil pra grande maioria das pessoas, a gente normalmente tem medo desse processo. Agora, imagine mudar planos, ideias, projetos, adiar tudo isso de repente, a ponto de perder a perspectiva de tudo. É algo um tanto complexo, né? Isso aconteceu por aqui, tive que mudar todo plano de lançamento do disco, abandonar 10 ou 12 datas que estavam marcadas, replanejar tudo do zero. Me considero uma pessoa positiva e otimista, tenho trabalhado cada vez mais a ideia de que somos seres moldáveis e criativos, capazes de superar nossas expectativas sobre nós mesmos. O ressignificar do disco vem na perspectiva de uma relação entre duas pessoas, mas acaba ganhando novos significados. Quando lancei o segundo single, “Mesmo Lugar”, muita gente achou que eu estava falando do momento da pandemia, porque as coisas têm conexão, as pessoas estavam justamente buscando sentido pras suas vidas, seus planos, suas carreiras. Tem uma frase bem marcante que resume bem isso “andam dizendo que o agora é tão diferente e a vida vai passando pela frente”.
Vocês são mais uma banda brasileira que lança o próprio trabalho lá fora – o que acaba sendo uma oportunidade de mostrar que a tradição da música popular brasileira, que vocês bebem na fonte, segue viva, embora absolutamente repaginada, mostrando-se nada óbvia. O que significa fazer essa estreia nos Estados Unidos e na Europa?
É uma coisa que aconteceu de forma meio natural. Primeiro, com os shows em Portugal e EUA, em 2019, depois com o single “Peixe Voador”, na trilha do FIFA20, a parceria com o selo da Europa e com outras empresas legais nesses territórios. Eu fico bem feliz, sempre imaginei a música quebrando essas barreiras e indo além. Quero levar isso pra todos os cantos, quando não der pra conectar pelas letras, que seja através dos arranjos, das melodias, estamos falando de uma linguagem universal que transcende.
Em 2019 você também fez a sua primeira turnê nos Estados Unidos. Sei que foi um momento especial… Quais lembranças guarda, o que de mais extraordinário a experiência trouxe?
Tocamos no Brasil Summerfest, festival que acontece no verão em NYC, daí aproveitamos e fizemos mais uns 5 shows por perto, o que ajudou a começar esse movimento de aproximação e construção de público. Desses shows, dois foram abrindo pra banda americana The Growlers, e isso significou tocar pra umas mil pessoas por noite, tendo chance de trocar com um público extremamente caloroso em outro país.
Este novo trabalho traz algumas canções que já haviam sido interpretadas ao vivo, antes de serem gravadas, ou que até mesmo estavam engavetadas (como é o caso de “2016”). Como funciona isso de “esperar o tempo certo”? Existe um critério?
Não é um processo muito fácil, tampouco lógico. “2016” é uma música que precisou de quase 4 anos pra fazer sentido. Tem canções que chegam e já fazem todo sentido dentro dos contextos nos quais são criadas e tem outras que você tem que deixar amadurecerem na cabeça antes de jogar no mundo. De toda forma, enquanto compositor, é difícil segurar algumas músicas. Pense que segurei esse disco por 1 ano já, tem toda uma logística, uma equipe, muita gente envolvida no processo.
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“Inteiro Metade” está disponível nos formatos LP e digital. Ouça no streaming.
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Tagua Tagua
Posto em prática oficialmente em 2017, o Tagua Tagua tem trilhado uma bonita trajetória na música brasileira. Criado por Felipe Puperi, membro do Wannabe Jalva, o projeto tem no currículo dois EPs e uma série de elogios que destacam a preocupação estética do autor no quesito audiovisual.