Entrevista: indicada ao Latin Grammy, Ana Frango Elétrico revela microuniversos em livro de poesias

Em “Promessas e Previsões”, faixa do disco “Little Electric Chicken Heart“, Ana Frango Elétrico convida o ouvinte a sair para pisar na grama e ver as aves que pousam na varanda. Conforme a composição avança, ela descreve o que poderia ser um sábado feliz, com cor e cheiro. Um dia que mescla momentos de realidade e pura fantasia.

A mesma sensação sinestésica projetada neste e em outros momentos do disco, indicado ao Latin Grammy nesta semana, estende-se ao livro “Escoliose(Editora Garupa).

Lançada no início do mês de setembro, a obra reúne uma coleção de poemas, gravuras e ilustrações da jovem artista carioca. Gestado ao longo dos últimos 5 anos, período em que desenvolveu suas habilidades como cantora e compositora, o projeto oferece ao leitor um novo olhar sobre criações que volta e meia ganham espaço no audiovisual.

Sob essa ótica intrínseca, Ana mostra como se estrutura na prática o chamado “paralelismo miúdo”. “Esse é um conceito que, além de ser o título alternativo do livro, me ajuda a entender uma vertente de cores e cortes curtos dentro da poesia. Pode ser muita coisa”, brinca. “Não é um conceito fechado, mas, sim, um degrau em que me apoio a fim de me abrir às possibilidades da palavra. No livro não trago poemas clássicos, escritos de uma maneira perfeita. São mais criações sonoras, escritas com verdade, estrutura e forma próprias”.

De leitura rápida, a obra é feita para ser acessada a qualquer momento e em qualquer lugar, tal qual um punhado de drops, azedinhos. Nem por isso são menos engenhosos. Há no projeto influências nítidas de nomes célebres como o espanhol Federico García Lorca e a japonesa Yoko Ono – todas configuradas a fim de acenar para um rompimento com as pompas e tradicionalismos da escrita.

Ao fechar a última página, a leitura lembra ao menos estruturalmente os escritos da argentina Alejandra Pizarnik – com a diferença de que aqui há uma versão mais solar e menos filosófica dos fatos.

Como um diário perdido, quem sabe até deixado propositalmente no metrô a fim de que alguém o encontre, a obra permite que o leitor gire a chave de um portal mágico que tem do outro lado uma série de microuniversos.

“É raro estar compondo muito se não estou anotando cotidianamente, tenho exercido cada vez mais essa prática de atenção, seja no que penso, ouço ou leio”, conta. “Funciona bem com anotações e com marcar o que leio. Assim tenho nutrido, naturalmente, uma distinção clara pra mim do que é poesia e canção. Mas não que ambas não possam ser as duas coisas, é legal não precisar ser todas as coisas”.

O posfácio, escrito por Heloísa Buarque de Hollanda, acaba se apresentando como um longo bilhete. Nele, a respeitada ensaísta dá uma espécie de benção em que destaca a potencialidade criativa de Ana. O ponto de partida está em um dos melhores poemas do livro, batizado como “Cólica”. Na potencialização dos sentidos por meio dos quatro versos que compõem a obra, a escritora destaca os limites – ou a ausência deles – na forma de expressão de sua pupila.

Descrita como membro de “uma nova geração de poetas mulheres decidida a fazer boa poesia, explicitar a que veio” e destinada a “arrombar o reino da poesia”, Ana afirma que recebeu o comentário de Hollanda com alegria.

“Acho que não levava tão a sério a minha escrita e Helô desde que me conheceu me incentivou muito. Foi acontecendo, sutilmente, e de uma maneira não presencial. Também temos afinidade por Ana C., uma grande influência para ambas… É bom ser levada a sério”.

Kids don’t like poems

Em vários momentos de “Escoliose” a autora faz afirmações que se contrapõem à velocidade alucinada com que se vive. Fazendo questão de reparar minúcias e deslocar os holofotes para pompas do cotidiano, Ana se mostra sagaz na tentativa de chamar a atenção do leitor para comportamentos tragicômicos e, aparentemente, inquestionáveis.

Dois ótimos exemplos são quando diz que “ninguém canta parabéns para Jesus Cristo no Natal” e aponta a falta de incentivo à poesia. “Crianças não gostam de poemas”, escreve.

Não deixa de ser irônico pensar nisso ao mesmo tempo em que a corrida das plataformas digitais tenta, de maneira inútil, sanar por completo as urgências do jovem consumidor de arte. Na contramão, ao publicar um livro de poesias aos 22 anos e sendo responsável por dois trabalhos musicais comentadíssimos, a cantora acaba fazendo o trabalho de guia ao incentivar, inconscientemente, que jovens de faixa etária semelhante se interessem por novas formas de expressão.

“Somos de uma geração que tem muita coisa pra absorver. Me sinto até meio atordoada”, diz. “Às vezes quero fazer de um jeito, aproveitar as várias referências que fluem na minha cabeça, e aí do nada já não gosto daquilo e quero me dedicar a outro projeto”.

Ela reconhece que o processo de furar bolhas na literatura é mais difícil e que existem nichos de dependência na hora de buscar e conhecer novas referências, em especial quando se leva em consideração como as diferentes artes se estruturam. Obstinada a compreender cada vez mais as entranhas do próprio ciclo criativo, a autora diz que a chave da questão pode estar no processo de observar e no reconhecimento das próprias falhas.

“O jovem não tem que ter vergonha de não se conectar com a poesia porque a gente não é incentivado a ler poesia, nem pela escola, nem pelos nossos pais. Muito menos pelos poetas, que aliás me desculpem”, brinca. “A questão é que existe uma comodidade de tentativa de expansão. Volta e meia me pergunto ‘Porque a criança não pode brincar de poesia? Por que não incentivar e tentar despertar isso, pensando no futuro?’”.

***

“Escoliose: paralelismo miúdo”, o novo livro de Ana Frango Elétrico, está disponível no site da editora Garupa. Você pode adquiri-lo clicando aqui.

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