Reza a lenda que a letra de “Dónde Estás Corazón?” teve seus últimos detalhes acertados por Shakira em um táxi, que cruzava apressado as geladas ruas de Bogotá. Por anos essa história um tanto heroica circulou por fóruns e comunidades do extinto Orkut. Verdadeira ou não, a faixa, único sucesso de uma coletânea de jovens talentos do rock lançada em 1994, serviu como voto de confiança para que a Sony Music Colombia seguisse apoiando a jovem cantora.
No clipe, dirigido pela dupla Oscar Azula e Julian Torres, Shakira habilidades como multinstrumentista ao tocar gaita e violão, bem seu grande interesse pela arte surrealista. Era a primeira vez que ela podia exercer sua liberdade criativa e não houve economia de ideias. Livros foram queimados, imagens destorcidas, guarda-chuvas voaram e até pinturas clássicas ganharam vida.
“Foi o primeiro vídeo musical feito no meu país em formato cinematográfico”, lembra ela, que à época tinha só 18 anos. “A música pop não dava muita bola pra isso, a atenção era toda direcionada para a música local, tropical, e nós, cantores pop, tínhamos que fazer vídeos em formato televisivo. Foi como um upgrade“.
Esse caldo de referências se refletia nas rádios, que “viralizaram” a canção ao ponto de colocá-la no topo das paradas até mesmo de países vizinhos como a Venezuela. De olho no potencial da artista, que até então havia lançado anos antes dois discos que não chegaram a vender 1000 cópias cada, os executivos da gravadora ofereceram uma quantia um pouco maior de dinheiro para que fosse gravado um álbum.
Era o último respiro de um contrato prestes a expirar – e que lhe botava certa pressão. Mais um fracasso e poderia se encerrar ali mesmo o sonho da carreira como rockstar. Com 100 mil dólares nos bolsos e um baú de ideias fervilhantes, Shakira se dividiu entre estúdios de Bogotá e Miami nos meses de fevereiro e julho de 1995. Assim nasceu “Pies Descalzos”, álbum lançado há exatos 25 anos.
Quando chegou às lojas em LP, fita K7 e CD, formatos um tanto ultrapassados para os dias atuais, a expectativa era de que vendesse apenas 120 mil cópias – um valor justo pra compensar o investimento. Apesar do incentivo, que a fez se apresentar em locais maiores do que o esperado como o Teatro La Castellana, na capital federal, não houve sequer um planejamento para que as faixas fossem lançadas em outros países.
Quando isso aconteceu no Brasil, dois anos mais tarde, foram vendidas cerca de um milhão de cópias.
A garota era mesmo talentosa. Se alguém ainda pudesse duvidar disso, o Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez, daria sua sentença. Em um texto escrito no fim dos anos 1990, disse: “Nada do que se dissesse ou não se dissesse ao seu respeito poderia mudar seu destino de superestrela”.
Para o debut, Shakira decidiu trabalhar com Luís Fernando Ochoa, um jovem norte-americano que, filho de colombianos, havia se estabelecido há pouco tempo no Caribe. “Lembro que ela era uma menina muito bonita, sorridente, e ambos buscávamos um veículo para nossas ideias”, diz. A química em estúdio foi instantânea.
“Percebi que, artisticamente, éramos muito compatíveis. Na primeira vez que mostrei a ela os acordes de ‘Vuelve’, me olhou dizendo: ‘Isso é tão meu!’. Tudo fluiu naturalmente e não quisemos sequer questionar”.
Mas ela, sim, queria, visto que o objetivo era mesmo a contestação. Conforme caminha, “Pies Descalzos” se mostra uma espécie de desabafo diante dos inconformismos da autora. Vinda de uma família de classe média, católica e tendo estudado boa parte da vida em colégio de freiras (entre eles o Compañía de María La Enseñanza, que a impediu de fazer parte do coral anos antes), Shakira parecia estar de saco cheio das pressões sociais.
Mesmo não sendo de um propósito panfletário, a verdade expressa nas composições acabou influenciando toda uma geração – inclusive, o autor deste texto, que aprendeu a falar espanhol com o máximo incentivo de suas canções.
Fã de ícones da música local como Joe Arroyo, bem como de estrelas do rock do nível de The Who, Led Zepellin e Soda Stereo, Shakira não se via a princípio como uma grande estrela pop. “Considero minha música pop, mas feita por um coração rock”, diria em entrevista à MTV Brasil, em 1997. Atrevida como nunca mais se veria, buscou inspiração em grandes sucessos radiofônicos gringos pra compor o seu primeiro.
Se com “Dónde Estás Corazón?” ela chamou a atenção da Colômbia, com “Estoy Aquí” os limites geográficos seriam expandidos. Foi ouvindo “Sara”, do Fleetwood Mac, que sua canção tomou forma. “Nós a gravamos em Miami e era tudo muito novo para mim”, lembra. “Foi ao captar os vocais dela que trabalhei pela primeira vez em um estúdio profissional. Me lembro de tudo como uma grande aventura”.
Inspirada pela desilusão amorosa de um amigo, a composição se transformou em questão de meses em um dos maiores sucessos da carreira, além de ser um marco para os anos 1990 ao reintroduzir a música hispano-americana nas paradas estadunidenses. Todos queriam aprender o refrão com cara de trava-línguas e sentir a dor de cotovelo expressa pelo cuidadoso e nostálgico jogo de palavras. A receita, que viria a se provar infalível, a catapultou direto para o topo da parada Billboard HOT 100.
Com um público enorme no Brasil, não foram poucas as vezes em que Shakira veio promover seus trabalhos. Passou por palcos prestigiados como os dos programas Raul Gil, Domingo Legal, Hebe e Domingão do Faustão. Em incontáveis vezes acabou sendo pega de surpresa pelos apresentadores que, insistentes, pediam que cantasse o dito clássico.
Dos fãs, ouviu súplicas em São Paulo, em 2011, quando fez um aguardado retorno ao país que quebrou um jejum de 14 anos sem shows. Era a primeira vez desde 1995 em que ela deixava a faixa de fora do set. Durante uma pausa, eis a torta de climão: 50 mil pessoas ensandecidas gritavam indignadas pela ausência.
Sorrindo, Shakira deu seguimento ao espetáculo e só viria a atender o desejo meses depois, no Rock In Rio.
Com posteriores remixes e versões em português e inglês (esta última nunca lançada oficialmente), “Estoy Aquí” se firmou como uma síntese das características mais apuradas de “Pies Descalzos”, que é também a amostra definitiva da natureza de uma artista que se distinguia das demais.
Não que fosse um problema ter ídolos da mesma idade cantando sobre temas comuns à juventude, abrindo seus diários repletos de declarações, segredos e romantismo. Mas Shakira ia além de pautas óbvias, tratando de promover reflexões reais, que não raro eram entrecruzadas por referências de arte, história e filosofia. O pintor Fernando Botero, A Esfinge, Alexandre, o Grande… todos estão lá.
Do início ao fim, o disco arranja um jeito de cutucar hábitos e convenções sociais, ora mais ácido, ora mais sutil. Em “Antología”, por exemplo, ela desafia o comportamento passivo que uma moça deve ter ao se apaixonar. Em “Se Quiere Se Mata”, que fecha a tracklist, a escolha temática é ainda mais valente: o aborto.
Ainda que sempre a par dos acontecimentos, não abre espaço para problematizações a respeito do delicado contexto sociocultural em que se inseria a Colômbia dos anos 1990, marcada por sequestros, massacres e explosões de carros bomba, todos fruto da sangrenta guerra travada entre o estado e o narcotráfico.
Esquivando-se do discurso que assumiam outras bandas de sucesso no país como Aterciopelados e 1280 Almas, a música de Shakira, para além do senso de identificação, foi para muitos jovens uma espécie de escape. Um tipo de salvação pela arte que não só abria portas para um novo mundo, como oferecia a força necessária para acreditar que o amanhã seria melhor. Não era um problema ser diferente em meio ao excesso de caretice.
Quando voltou a Bogotá para uma última apresentação antes de começar os trabalhos do disco seguinte, “Dónde Están Los Ladrones?”, em 1997, já era uma artista consagrada. O dinheiro arrecadado com a bilheteria foi usado na construção de uma escola voltada para o cuidado com a primeira infância, a Fundación Pies Descalzos, ainda em atividade na cidade de Barranquilla – e, diga-se de passagem, uma das instituições mais bem colocadas das principais listas acadêmicas nacionais.
Na mesma linha de simplicidade que trilhou seu caminho rumo ao estrelato, Shakira destacou naquele chuvoso 9 de outubro a importância de se pensar em todos como semelhantes. Por isso mesmo talvez seja a mais popstar de todas as colombianas.
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