O grupo The Wailers tem décadas de história e construiu uma carreira que se confunde de maneira bela com a da própria história do reggae. A banda, fundada por Bob Marley e Peter Tosh no fim dos anos 60 lançou discos muito marcantes como “Legend” (1984) e “Catch a Fire” (1973).
À época o The Wailers passou a ser também a banda de apoio de Bob Marley, com os músicos Aston “Family Man” Barrett e Carlton Barrett. Em 2020, com nova formação liderada por Aston Barrett Jr., filho de Family Man e sobrinho de Carlton Barrett, o grupo retorna com o primeiro lançamento em mais de uma década, o single “One World, One Prayer…”.
Esta é a primeira parte de um vindouro álbum (ainda sem título e data de lançamento divulgados) e tem produção assinada por Emilio Estefan (marido da cantora Gloria Estefan e responsável por discos emblemáticos como “Dónde Están Los Ladrones?”, da Shakira).
O Papelpop bateu um papo com o Aston Barrett Jr. sobre os temas urgentes às letras neste momento, relação com a família Marley e mais.
PAPELPOP – Como foi construir a faixa “One World, One Prayer…”? Como foi colaborar com Farruko e Skip, Shaggy e Cedella Marley?
Como o nome diz, “One World, One Prayer…” é sobre união e sentimos que, nessa mesma intenção, Bob Marley e o Wailers fizeram a canção “One Love”, certo? E ele não fez isso sozinho. Foi com os outros membros, especialmente meu pai e meu tio. E foi há muito tempo, lá em 1971. E o processo de criação, segundo meu pai, foi muito espiritual. Entendi que se fôssemos fazer isso [de retornar], a gente teria que fazê-lo juntos. E [o produtor] Emilio Estefan foi quem me deu a ideia de chamar a família Marley, aí eu disse “sim, a gente é unha e carne”, então contatei a todos eles e disse que, mesmo que não fosse pra este álbum, a gente adoraria tê-los nos próximos, em todos os discos. Porque já estive nos álbuns deles também. E falei com Cedella Marley dizendo que queria ela e o Skip na faixa e ela logo disse “claro, onde é o estúdio?” e já apareceu na hora! Eu fiquei tipo “mas o quê?”, então foi incrível.
Existe uma energia em torno da obra de Marley, né?
Sim. A gente consegue sentir a energia e era muito belo. Fiquei muito animado e me sentindo honrado que eles participaram. Me tocou muito. Foi como se a gente se falasse todos os dias, sabe? E eles gravaram as partes deles enquanto o Wailers estava em turnê. Quando voltamos, ficamos tipo “não acredito que a Cedella Marley está cantando na música! Você conseguiu”, eu disse a Emilio. E dá pra ouvir esse trabalho maravilhoso. O processo foi sensacional, porque quando o Emilio nos apresentou a demo, a gente não tinha certeza de como transformar a ideia num reggae. Mas lembro que meu pai dizia que ele e os colegas costumavam ouvir muita coisa de Cuba, era onde eles se influenciavam também. Ska, rocksteady e salsa foram os sons que criaram o sentimento roots, esse ritmo da bateria e do baixo, sabe? Foi mágico!
Interessante você citar sobre novos sons se integrarem às criações do Wailers, especialmente porque estamos num momento de popularização de sons latinos, especialmente o reggaeton, né? Como você vê isso, especialmente como parte do trabalho deste novo momento da banda?
Meu pai e o Bob diziam que era importante se manter atualizado. E o reggaeton respeita as origens. Eles agradecem a influência vinda da Jamaica. Com o respeito que eles dão, dá pra fazer isso juntos. Um respeitando ao outro. Tudo é sobre a mensagem. Somos músicos e amamos todo tipo de música, a gente ouve todo tipo e adoramos. Mas como Wailers, temos que manter o som da banda, aquela frequência. E tem alguns segredos de família sobre o som, porque a gente não pode só ensiná-lo às pessoas. Nosso som tem que ser usado pelo bem. Não é tão fácil de aprender nosso som, porque não é só sobre sentir, é algo espiritual. Crescendo, não passei por tantas dificuldades quanto meu pai, minha mãe e Bob passaram, mas ainda assim a gente ficava num país em cada semana e isso nos ensinou a ter gratidão pelo que temos. E isso é o que entra na música. A canção só alcançou as pessoas por causa da positividade no coração. A gente vive o que prega. Não somos perfeitos, mas queremos tentar ser.
Neste novo álbum, vocês sentem que as inspirações e urgências dos temas mudaram, em comparação ao que era retratado nos discos da década de 70 do grupo?
Não mudou muito. O que diria é que antes a gente pensava “vamos destruir a Babilônia”, mas agora é “mantenha-se firme na Babilônia”, porque a gente precisa de ordem na Terra. E tem muitas pessoas boas nesse sistema tentando fazer a diferença, mas não consegue. A gente conhece algumas dessas pessoas e outras não. É difícil fazer a diferença, mas se a gente colocar todo mundo numa só categoria, não faz sentido. É tipo quando a gente toma antibiótico e acaba matando as bactérias boas junto das ruins. Você não quer isso, é a mesma coisa no mundo de hoje. Temos que tomar cuidado até com ao que nossas crianças assistem na TV, porque está influenciando a elas. Muito da violência que acontece vem da falta de bons pais, ou algumas pessoas nunca conseguiram a oportunidade que queriam e isso as deixa malucas. Com esse disco, a gente quis pregar mais paz para influenciar as pessoas a somente viver a vida. Todo mundo é bom e é bom ter uma casa, uma boa energia e vibração. Não estamos aqui para julgar a religião do outro, ou condenar o outro. Mas precisamos viver como um só. Somos todos humanos. Se um alienígena vier, o que vamos fazer?! Ou até com o coronavírus, não dá pra ficar “eu deste país”, nós temos que nos unir. Por isso temos que ser cuidadosos com o que pensamos. A gente quer um líder, não um chefe! Um chefe pode usar o poder para manipular a qualquer um. Um líder é quem ergue as outras pessoas e tenta estar presente, mas pode ser difícil porque às vezes as pessoas te drenam e você acaba doente. Acaba tendo câncer ou algo assim. Muitas pessoas boas acabam ficando doente por isso mesmo. Mas quando você está bravo, ou tentando ajudar muito a outras pessoas isso também pode acontecer, pois há um esforço no seu corpo. Então temos de aprender a equilibrar. Acredito que me envolvo só com pessoas bem-sucedidas em ajudar ao outro. E tem gente se que dá bem fazendo a coisa errada. Isso pode não voltar pra elas agora, mas vai voltar quando elas forem mais velhas. Por isso queremos informar as pessoas. E o que meu pai, tio e o Bob faziam era incrível e não tinha uma categoria, não é novo nem velho. O jeito com que eles gravaram as músicas ainda é relevante e as pessoas ainda tentam refazer aquele som. E não conseguem! É por isso que amo trabalhar com Emilio, porque ele trabalha com som de qualidade. O som é uma maneira diferente de lidar com seu espírito, sabe? Dá pra sentir se você tocar com todo seu coração.
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