Daqui a algumas horas o francês David Guetta lança pro mundo o single “Pa’ La Cultura”, uma faixa que já no título entrega muita coisa. Com as participações de artistas latinos como Sofia Reyes, Maejor, Zion y Lenox, Abraham Mateo, Manuel Turizo, Lalo Ebrad e Thalia, o single traz consigo a promessa de fazer o ouvinte dançar, reconhecendo na prática o dito “poder da latinidade”. Eu pude ouvir a novidade e imediatamente fui tomado por algumas considerações.
Bem, a essa altura do campeonato é difícil saber há quanto tempo estamos trancados em casa, involuntariamente. Muitos de nós já perdemos as contas de quantos dias passamos ser ver a luz do sol. Com uma certa nostalgia, até, vamos aprendendo novas formas de respirar e reajustar nossos espaços. A palavra da vez (embora se engane quem pensa que seja o já irritante termo “novo normal”) é adaptação.
Pra enfrentar as implicações da quarentena, arrastar o sofá da sala e dançar, muitas vezes sozinho, tem sido um dos pontos altos da semana. Mais do que isso, é algo necessário pra expurgar a energia que paira no ar das metrópoles, engolidas pela tensão que cerca a Covid-19. Essa analogia boba que faço aqui talvez explique porque artistas pop de grande alcance têm encontrado, um tanto tardiamente, um fio de esperança na cultura latina.
Sempre intenso e muito iluminado, esse nicho da música tem servido a criadores anglo-europeus como uma ponte pra públicos que se mantém sempre acesos – e, infelizmente, ainda devem demorar a sair da quarentena. O Black Eyed Peas, por exemplo, reuniu em maio deste ano um batalhão de artistas latinos, a maioria deles colombianos, no disco “TRANSLATION”. Cantam com o trio Shakira, Maluma, J Balvin, Piso 21…
Nada de novo. O primeiro “boom” da música latina mundo afora aconteceu ainda nos anos 1990 a partir de febres como “Macarena”, do grupo argentino Los Del Río. Foram muitas fases desde então, até que no fim dos anos 2000 deu-se início ao reinado do reggaeton. De lá pra cá ninguém foi capaz de destroná-lo, até Madonna se rendeu.
É ele quem dá o tom de “Pa’ La Cultura”, a nova de David Guetta. Existem clichês, muitos, mas com tanta gente legal tudo acaba soando bonito, certeiro, indo direto ao ponto. É um single feito pra sentir orgulho de ser latino, pra abrir os braços e se permitir. São pouco mais de 3 minutos de percurso, marcados por versos que reforçam a unidade de países como Cuba, Colômbia, República Dominicana e Porto Rico.
Também entra na festa a Espanha, o que abre espaço para uma problematização. Afinal de contas, espanhóis-europeus podem surfar na onda “latina”? A língua é o que vale, ou o lugar de nascença também deve ser levado em consideração?
A certa altura alguém diz, bruscamente: ‘Tengo la cura pa’ todos los males, vuelve la cintura y no pare‘. Percebe-se aí como batida é mesmo infalível, porque no ato você é impedido de pensar muito sobre o que acontece lá fora. É isso o que todos queremos a certa altura do dia. Conforme sons eletrônicos e vozes múltiplas vão deixando suas mensagens, uma atrás da outra, vai-se aderindo ao som e à liberdade que ele traz.
Outro ponto importante pra se observar: a variedade de colaboradores. ao mesmo tempo em que emprestam a voz nomes jovens como Sofía Reyes (famosa por lançar singles como “R.I.P.”, com a brasileira Anitta, febre no TikTok), também é possível encontrar veteranos. Gente que soube circular e se adequar às constantes mudanças da indústria, como a conterrânea Thalia. São elas, as únicas mulheres, que ficam responsáveis pelas funções de abrir e encerrar a faixa.
Em certo momento Thalia canta “Dónde están las nenas más duras? Esa que no tiene censura’. Mesmo que não seja a intenção, é também uma forma de mostrar o protagonismo feminino das latinas na indústria ao longo das últimas 3 décadas. Vamos lá: a já falecida Selena Quintanilla, a própria Thalia, Shakira… foram elas as primeiras a romper barreiras e a propagar sempre que possível a riqueza cultural dos locais em que nasceram, muito além do rebolado.
Embora deixe a desejar pela quantidade de clichês empregados, é inegável: “Pa’ La Cultura’ cumpre com a função de fazer dançar. Entrega por meio de um refrão pegajoso, entoado por artistas diversos, uma mensagem forte e necessária de união. Enquanto tudo não passa, esta é uma ótima oportunidade pra se reconhecer e compreender o quanto merecemos cair na pista – ainda que com certas limitações.
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Não se esqueça: “Pa’ La Cultura”, o novo single de David Guetta, chega às plataformas digitais à meia noite desta quarta-feira (5).
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