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Há 20 anos, Madonna encarnava cowgirl para o lançamento de “Music”

Em agosto de 1998, Madonna e Marília Gabriela estiveram cara a cara pra uma breve entrevista. Durante a conversa, que é considerada hoje uma das maiores pérolas da TV nos anos 1990, Gabi pergunta se a cantora tinha algum preconceito. Prontamente, ela responde, seca: “Botas de cowboy”.

Exatos dois anos depois, Madonna convocaria o cineasta francês Jean-Baptiste Mondino pra dirigir o clipe de “Don’t Tell Me”. Caminhando sob uma esteira, a cantora se posiciona à frente de um chroma key enquanto canta suavemente. O figurino: camisa xadrez, um par de calças jeans e botas de couro.

De fato, o visual foi adotado por várias outras gerações. Miley Cyrus, Lady Gaga, Kylie Minogue… todas elas tiveram sua fase clean, adotando um guarda-roupa sonoro e visual pautado na vida simples do campo. Mas a incursão de Madonna por esse nicho, no início do milênio, tampouco foi original. Antes dela, outros ícones como Dolly Parton já haviam ajudado a popularizar o estilo nos anos 1970, fazendo inclusive experimentos com a pop music e originando sucessos radiofônicos.

Caindo em contradição ou não (ela afirma que “nunca diz nunca”), Madonna mergulhou de vez a figura de cowgirl na estética do disco “Music”, lançado em setembro de 2000. Há 20 anos, em 18 de setembro de 2000, o projeto chegava ao mundo como fruto de um vazamento. Ainda nos primórdios da internet, a rainha surpreenderia entregando mais experimentos eletrônicos.

Embora a estética asiática e a aura etérea de “Ray of Light” (1998) já não fossem mais o foco, a voz e a música underground ainda eram um ponto que Madonna gostaria de seguir abordando na própria obra. Mas não com o parceiro William Orbit, que após a vitória de quatro prêmios Grammy havia se rendido ao mainstream.

Além do violão, que aprenderia a tocar em estúdio com a ajuda do músico Monte Pitmann, que a acompanha ainda hoje, a artista firmaria uma parceria importante com o produtor francês Mirways Ahmadzai (“American Life”, “Confessions on a Dancefloor”, “Madame X”).

Quem fez a ponte entre os dois foi o fotógrafo e ex-namorado de Kylie Minogue, Stéphane Sednaoui. Logo de cara Mirways chamou a atenção da cantora pelos ritmos pulverizados que criava para suas faixas, bem como pela forma com que trabalhava com o chamado acid bass.

Na biografia “Like an Icon” (2008), a jornalista e autora Lucy O’Brien resgata uma entrevista da rainha à Billboard em que ela afirma: “Eu realmente acredito que ele é um gênio. Escuto o que ele cria e sei que esse é o som do futuro”. Os toques de Mirways veriam-se bastante expressivos em faixas como “Nobody’s Perfect” e “Impressive Instant”, que fazem uso exagerado de efeitos vocais como o vocoder.

Para o jornal The Observer, em 2005, Madonna também destacou a sensibilidade do colega – aspecto que deve ser levado em consideração ao observar a densidade das composições assinadas por ambos.

“Ele [Mirways] é muito intelectual, muito analítico, muito cérebro, muito existencial, muito filosófico. Você tem que estar afim disso. Eu não queria pensar e repensar as coisas demais. Eu não quero ser complicada agora.”

Por falar em composições, “Music” também explora de forma intensa a simplicidade adotada na nova vida de Madonna, àquela altura recém-consagrada uma dama da alta sociedade britânica. Em dezembro do ano 2000 ela oficializaria sua união com o cineasta Guy Ritchie, mudando-se de vez para o Reino Unido com a filha Lourdes Maria. Grávida do bebê Rocco e gozando de uma certa calmaria, compôs faixas como “Gone” e “I Deserve It”.

No show “Drowned World Tour” (2001) esta última é interpretada de forma acústica, com a rainha sentada em dois montes de feno. Não raro ela sorri para a plateia.

Muitas milhas, por muitas estradas eu viajei
Caindo pelo caminho
Muitos corações, muitos anos se passaram
Desembocando no hoje

Eu não tenho mágoas
Não há nada para esquecer
Toda a dor foi válida

Sem fugir do passado
Tentei fazer o que era melhor
Eu sei que mereço isto

What It Feels Like For a Girl

O marido Guy Ritchie também participaria ativamente do álbum ao assumir a posição de diretor do clipe de “What It Feels Like For a Girl”, um dos trabalhos mais agressivos de sua videografia. No roteiro, Madonna encarna uma personagem que, à beira de um ataque de nervos, decide invadir um asilo e sequestrar uma senhora idosa. A relação do casal duraria até o fim de 2008, quando oficializaram o divórcio e o compartilhamento da guarda dos filhos Rocco e David Banda.

Apesar da dura rotina que a maternidade lhe trouxe, foram realizadas duas apresentações promocionais para um público seleto. A segunda delas, na Brixton Academy, em Londres, teve transmissão ao vivo na página do site MSN. Foram 9 milhões de espectadores e um recorde de público quebrado para a época.

A maior festa de todas, entretanto, seria privada: o clipe de “Music”, lead-single e faixa-título do projeto, mostraria a cantora dando um rolê pelas ruas iluminadas de Los Angeles com um par de amigas. “É basicamente parecido com vídeos que a maioria dos rappers fazem hoje em dia”, disse à época para a MTV Latinoamerica. “Garotos saem à noite pela cidade com sua limusine cheia de amigos, vão a festas, clubes de strip-tease, etc e se divertem”.

A ideia, a princípio, era reunir um elenco, mas diante da falta de naturalidade das atrizes no set, Madonna decidiu ligar para a dupla Niki Haris e Debi Mazar, ambas velhas conhecidas. Mazar é uma amizade feita na Nova York dos anos 1980, enquanto Haris havia se aproximado depois de ser contratada às pressas junto a Donna DeLory para fazer parte do time de backing vocals da turnê “Who’s That Girl’ (1987).

“Elas estão acostumadas com o palco, com as câmeras. Não tenho muitos amigos, mas as conheço há anos. São minhas amigas mais antigas”, disse à epoca. O clipe conta ainda com a participação do humorista Ali G, famoso naquela década.

Embora tenha sido classificado como um disco menos despretensioso do que seu antecessor, o premiado “Ray of Light”, “Music” chamou a atenção dos fãs e colocou Madonna no páreo ao lado de artistas iniciantes como Britney Spears e Christina Aguilera – à época com metade de sua idade. Era um outro momento da indústria e, como boa camaleoa, ela não se intimidaria.

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